ATO IV: CAPÍTULO TRINTA E UM
Da cama, Harry olhou ara mim, pernas cruzadas, queixo apoiado em sua palma.
Segurei a programação em minha mão, triunfante. Era tão obvio. Como não pensei nisso antes?
"Eu conheço alguém que pode nos ajudar!"
"ninguém da companhia vai me ajudar, Louis. Todo mundo me odeia - bailarinos, a administração. Derrubei todas as pontes que me ligavam ao Bolshoi. Toda a indústria tem vontade de rasgar minha cara."
"Harry, qual a peça mais importante do ballet?"
"Eu."
"Não, amor."
Ele deu de ombros.
"A plateia." Ou mais especificamente, os patrocinadores.
Harry transformou todos que trabalharam com ele em seus inimigos, mas fora da companhia a elite londrina o adorava. Ele tinha uma péssima reputação dentro da indústria, mas era muito celebrado entre seus espectadores.
Virei o verso do programa e o mostrei todos os nomes na lista de patrocinadores. "Nossos generosos patronos."
"EU não preciso de dinheiro." Disse.
Apontei o nome de Margaret Wexley. "Ela não é só rica. Ela é herdeira de um império midiático. É dona de jornais e revistas por todo o mundo. Eu fui seu par no ultimo jantar de patronos. É a pessoa mais poderosa da Grã-Bretanha depois da rainha."
"Você acha mesmo que ela publicaria uma reportagem sobre o Beauchamp em um dos jornais dela?"
"Eu acho que ela é capaz de transformar ele no homem mais odiado do mundo se quisesse."
Mags possuía inúmeros jornalistas investigativos ao seu dispor e esses jornalistas faziam quase que exatamente o mesmo trabalho que investigadores criminais, só que sem as mesmas limitações. Não eram restringidos por jurisdições e não tinham que carregar o peso das provas até um tribunal.
Se não podíamos levar o caso à lei, levaríamos nosso caso à corte da opinião publica.
No dia seguinte nos aventuramos até as terras de Wexley. Aluguei um carro. Se estivéssemos fazendo essa viagem sob outras circunstancias, as colinas verdes do interior inglês dariam uma bela paisagem romântica. Harry estava nervoso. Ele balançava sua perna e mexia no cinte de segurança durante toda a viagem. Eu continuava o dizendo que se essa matéria fosse publicada eles não teriam de usar seu nome. Ele era uma vitima. Sua identidade seria protegida.
Dirigi pela enorme estrada até a casa, se é que dava para chamar aquilo de casa. Eu sentia como se tivéssemos acabado de entrar no set de Downton Abbey. Era uma mansão com estilo clássico, construído em um modelo Jacobino, com torres italianas e arcos góticos.
O manobrista, um rapaz esguio vestindo roupas formais pretas, esperava do lado de fora do carro. Ele não falou. Então o mordomo da mansão, um homem mais velho, aproximou-se e nos avisou que Sra. Wexley esperava por nós na estufa. A propriedade era tão grande que tivemos de ir com um carrinho de golfe.
Eu estava feliz por ter me arrumado. Vestindo calças pinçadas e um blazer azul marinho. Harry usava uma de suas camisas bufantes e cabelos soltos. Embora ele tivesse sido criado em uma família de classe média, ele parecia estar se sentindo em casa num lugar como aquele. Ele deve ter sido um Duke em sua vida passada.
Mags apareceu na entrada da estufa, usando um chapéu enorme e luvas de jardinagem meladas de terra. Descemos do carrinho de golfe e ela acenou para nós. Sorri. Ela ficava tão bela aqui quanto na pista de dança.
"Deus, eu não vejo homens tão bonitos e arrumados dentro dessa propriedade desde a guerra!"
Ela continuava namoradeira.
Apertou minha mão e abraçou Harry, então nos levou até a estufa, para nos mostrar suas orquídeas premiadas. A temperatura aumentou consideravelmente quando entramos. O ar era pesado e húmido, as plantas e flores fazendo jus ao clima tropical.
Harry saiu andando para observar as dálias. Tínhamos combinado que eu falaria com Mags. Consegui seu numero com seu assistente e ligado para marcar um horário. A disse que precisava de um favor. Ela doava para o Royal Ballet há décadas e ficou contente ao saber de mim. A relação entre bailarinos e patronos era estranha. Nossas vidas eram tão diferentes, vivíamos experiências de mundos completamente diferentes e mesmo assim um não existia sem o outro. Há um laço entre nós que ninguém percebe. Ela amava nos assistir dançar e nós amávamos dançar para ela.
Eu a contei tudo, menos os detalhes sobre o abuso, pois eu não também não sabia. Ela abria as longas pétalas de sua Bulbophyllum medusae enquanto ouvia, apertando seu borrifador cada vez com mais força.
Ela não falou uma palavra depois do que a contei, mas continuou a podar e puxar.
"A gente tá contando a verdade." Falei.
Ela tirou suas luvas de jardinagem. "Louis, eu estou viva há muito tempo. Conheci muitos homens como Alexander. A raça dele não é muito rara, infelizmente. E acredito em você."
Respirei com força, aliviado.
"O que você quer que aconteça com ele?"
"Eu quero expor ele."
"Fale a verdade."
Minhas mãos se fecharam em punhos. "Eu quero que ele sofra."
Mags assentiu, pensativa. Claramente esse tipo de pedido não lhe era estranho. Ela fez homens como Beauchamp sofrerem. As marcas profundas de seu rosto, congeladas em seu perfeito otimismo, me diziam que ela podia vencer essa briga.
"Essa historia precisa ser mais aprofunda. Vou colocar minha melhor equipe e dar o orçamento que for necessário. Se há algo para ser descoberto, nos resta deixar que esses cães de caça encontrem e quando ele encontrarem, todo mundo daqui ao Japão saberão o que aquele homem é."
Eu estava tão grato que poderia chorar.
"Obrigado!" A segurei por seus ombros frágeis. "Obrigado!"
Seus olhos claros caíram sobre Harry, que afagava as pétalas aveludadas da flor com seus dedos magros.
"O que ele é para você?" Perguntou.
Era uma pergunta simples, mas que me travou. Harry era muitas coisas para mim. Era meu colega de trabalho, meu rival, meu melhor amigo, meu namorado, meu amante. Todas esses títulos eram verdadeiros, mas nenhum parecia o termo certo.
"Ele é tudo para mim." Respondi.
Ela acariciou minhas costas, compreensiva. Eu tive de ser forte por Harry nos últimos dias e terminei me esquecendo de para processar a enorme sensação de culpa que sentia.
"Eu queria que tudo tivesse acontecido comigo em vez dele."
"Não diga isso." Ela me repreendeu, batendo suas luvas em meu peito.
"É verdade!" Enxuguei meu olhos com o torço de minha mão. "Você não sabe como ele era. Ele não era como os outros meninos. Ele era puro, tão inocente que eu tinha medo de dar um beijo nele! Ele era frágil e precisava ser tratado com cuidado e Beauchamp despedaçou tudo isso."
Mags puxou as folhar mortas de sua Dendrobium chrystianum. "Você está errado. Ele não é frágil. Ele é forte. Ele está vivo enquanto Hans está morto. Ele falou a verdade quando as outras vitimas escolheram se manterem silencio. Ele te protegeu quando você não pode fazer isso por si. Você não pode mudar o passado, Louis, mas pode honrar sua coragem."
Ouvimos Harry gargalhar do outro lado da estufa. Minha cabeça virou com o vento.
Ele estava coberto em borboletas. Elas estavam em seus cabelos, suas bochechas, seus ombros, sua blusa, suas mãos, suas asas coloridas batendo contentes com sua presença.
Mags se aproximou dele, admirada. "Magnifico. Elas devem estar pensando que você é uma flor, Sr. Styles."
Ele me olhou, sem se mexer. Sorri para ele.
Juntos, eu e Mags espantamos as borboletas dele, com cuidado para não bater em suas asas. Levamos Harry para fora da estufa enquanto elas montavam uma nuvem colorida, como se pudessem sentir que sua rosa mais adocicada estivesse indo embora.
Mags nos avisou que alguém de seu time de jornalista entraria em contato conosco para fazer algumas perguntas a Harry. Ela nos certificou de que seu nome não seria incluído na matéria se fosse mesmo ser publicada.
Caminhamos pela longa estrada té onde estava o carro. Um dos empregados nos trouxe limonadas e Mags nos mostrou os arredores da propriedade. Eu me preocupava que aquilo fosse ser muito para ela, mas ela estava em ótimas condições físicas para uma mulher em seus oitenta anos. Harry e eu quem não tinha folego ao fim da caminhada.
O manobrista esperava ao lado d carro. Despedimo-nos de Mags e a agradecemos por sua ajuda.
Quando estávamos entrando no carro, Harry parou. Ele saiu correndo de volta até Mags.
"Diga que eles podem colocar meu nome."
Aproximei-me lentamente. "Harry, tem certeza disso?"
Ele enfiou as mãos em seus bolsos e puxou uma foto. "Coloque essa foto na matéria."
Era a foto dele que peguei de Beauchamp.
O olhar de Mags era pesado. "Compreendo."
Eu também começava a compreender. Essa não era minha luta ou de Mags. Por mais que quiséssemos ser aqueles que matariam os dragões, aquela luta era de Harry. Tudo que eu poderia fazer era estar ao seu lado. Eu morria de medo por ele, mas também me orgulhava muito.
O sol se punha durante nossa viagem de volta. As colinas verdes estavam pontilhadas com ovelhas e fardos de feno.
Harry observava a paisagem. Seu nervosismo tinha sumido. Ele não me parecia feliz, mas em paz. Abaixou a viseira para o sol não machucar seus olhos.
Virou para mim, sobrancelhas franzidas. "Sabe, você nunca me contou o que aconteceu no seu encontro com Beauchamp.
Apertei o volante até que as dobras de meus dedos ficaram brancas.
Ele analisou meu rosto. "Deixa eu ver se adivinho. Ele te levou pro melhor restaurante de Londres, disse que você era o preferido dele e que queria te mimar."
"Ele pagou mil e trezentos numa garrafa de vinho."
"Eu odeio esse homem para caralho."
Olhamo-nos e explodimos em risadas. Aquela era a coisa mais normal que eu tinha ouvido Harry falar sobre Beauchamp.
"Eu queria não ter ido tão longe. Eu estava tão sozinho e ele era tão-"
Harry suspirou e colocou a mão sobre o colo. "Eu sei como ele é."
Fiquei em silencio. Harry ainda não tinha me contado exatamente o que aconteceu com ele. Eu não queria saber, mas ao mesmo tempo eu sentia que precisava.
"o que aconteceu em Kiev?"
Harry me contou tudo e nada com uma mesma frase. "Eles riram de mim."
À noite o interior era um poço de escuridão. Exceto pelo céu. As estrelas brilhavam com muito mais intensidade do que na cidade.
Estacionei em uma colina para que pudéssemos ouvir musica e observar as estrelas. Harry estava cansado, mas gostou tanto da ideia que me convenceu. Encolhi-me no banco de traz e ele veio em seguida. Trouxemos um cobertor conosco e a enrolamos sobre nossos ombros.
Se as coisas tivessem sido como deveriam, eu o teria levado para um lugar como esse quando éramos adolescentes. Teríamos nos beijado como loucos e conversado por horas. Talvez tivéssemos perdido nossas virgindades para o outro. Nada disso aconteceu. Nossa historia foi roubada de nós.
Harry estava deitado e suas costas como se esperasse por algo. O enrole mais na coberta caso o frio estivesse passando.
"Louis." Falou. "Você mal me tocou depois que descobriu."
"Você não estava bem." Respondi, me assegurando de que ele estava aconchegado.
"Se você não está mais atraído por mim agora, eu vou entender."
"O que? Não! Eu nunca me senti tão atraído por ninguém, nunca!" Me sentei. "esse é o problema, Harry. Eu tô com muita vergonha de como eu agi. Eu fui tão apressado no sexo, implorando para você fazer coisas que não queria. Se eu soubesse de algo do que tinha acontecido com você eu nunca teria pedido nada para você."
Harry me beijou daquele jeito lento e misterioso que me deixava desesperado para saber o que se passava em sua cabeça.
Ele abriu seus olhos, que encontraram os meus. "Eu quero."
"Você não precisa fazer isso. Eu amo as coisas como estão."
Harry tirou suas mãos de debaixo da coberta e começou a brincar com aborda da mesma. "Louis, eu nunca me entreguei para ninguém. Eu apenas fui... tomado. Eu quero saber como é. Talvez seja diferente." Ele falou, cheio de esperança.
Sorri como se concordasse, mas por dentro eu estava triste por ele.
"É que eu..." Começou. "Eu não sei como gostar. Você gosta. Por quê?"
Corei. "Bem... faz eu sentir como se eu fosse seu."
"E isso é bom?"
"Sim!"
Ele olhou para lua, que era apenas uma linha. "Beauchamp foi meu primeiro e ultimo. Eu não senti como se fosse dele. Eu sentia que queria morrer." Ele estava se frustrando consigo mesmo. "Foi uma ideia idiota. EU nunca vou saber como gostar. Sou fodido demais para isso."
Segurei sua mão. "E antes dele?"
"Eu era virgem."
"O que você queria que tivesse acontecido? Qual era sua fantasia?"
"Você era minha fantasia."
"Sério?"
"Obvio! Você era meu crush e foi meu primeiro beijo. Quem mais seria?"
"Okay, okay. E o que mais?"
"Isso é constrangedor."
"Fala."
"Eu só tinha quinze anos, então não seja rude." Ele respirou fundo, a luz das estrelas iluminando seu rosto delicado enquanto falava. "Estamos no nosso dormitório na escola. Eu estou fazendo meus exercícios na barra da janela e você me ajudando. Suas mãos delicadas e você comentando sobre minha dança. E então do nada você me beija! E eu retribuo. Você me guia para nossa cama e tira minha roupa..." Ele desviou o olhar, envergonhado. "E então você diz que sou lindo. Me chama de Lysander. E fala que se importa comigo e que quer ficar comigo. Você me toca. É gentil."
A fantasia de Harry era tão bela e simples. Ele não queria muito. Tudo que ele queria era que alguém lhe mostrasse bondade.
"Eu posso fazer tudo isso!"
"N]ao importa." Falou triste. "Beauchamp foi meu primeiro. Nada pode mudar isso."
"Mas ele não tem de ser seu ultimo. Eu te amo, Lysander! Você é a pessoa mais bela que conheço. Sempre quero estar com você."
Seus olhos verdes possuídos por um anseio tão profundo que eu poderia ter me afogado. "Eu quero ser seu."
Meu coração palpitava. "Quando?"
"Logo."
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