ATO III: CAPÍTULO DEZENOVE
[bem vindos ao terceiro ato; abrem-se as cortinas]
LOUIS/PRESENTE
Quando acordei, achei que tinha quinze anos novamente.
Harry dormia profundamente atrás de mim, seus cachos em meu rosto, seus braços e pernas enrolados apertados ao redor de meu corpo como um coala. Eu não conseguiria levantar nem mesmo se eu quisesse. Eu não queria. Me movi um pouco e seu nariz cutucou minha bochecha. O estúdio estava frio, mas estamos tão encasulados sob a manta que nossos corpos queimavam em febre. Me virei de vez para encará-lo. Ele franziu a testa com a movimentação e me apertou ainda mais forte, seus olhos fechados, seus dedos apertando a barra de minha camisa.
"Harry, acorda." Sussurrei em sua pequenina orelha em formato de concha. "Já amanheceu."
Suas pálpebras tremularam e abriram, ele levou um tempo para relembrar onde estava. E com quem estava.
Ele rolou para longe de mim. "Desculpa."
"Sem problema."
Ele se sentou ainda grogue, esfregando os olhos. "Desculpa." Repetiu. "Eu devia estar sonhando."
"Você deve ter tido bons sonhos." Eu queria prolongar aquele pouco de intimidade o quanto desse.
Continuávamos sob a manta, nossas pernas se tocando. O que aquilo significava? Éramos amigos. Não, talvez não amigos, mas também não éramos inimigos.
Ele deitou de costas e eu rapidamente me enrolei ao seu lado.
"Geralmente eu durmo num tapete." Ele disse. "Não acho que esse chão seja bom pras suas costas."
Minhas costas estavam me matando. Eu sentia como se tivesse sido pisoteado por cavalos. "Eu tô bem."
A luz passava pelas janelas, criando pequenos pontos de calor no chão do estúdio. Pressionei minha mão no chão acima de sua cabeça. "Eu não quero ensaiar."
"Sem ensaio esse manhã."
Sorri. "Você quer faltar?" Eu poderia levá-lo para tomar uma xícara de café. Sentaríamos no Regent's Park e conversar a manhã inteira. Seria bom.
"Não, quero dizer que temos uma reunião com a companhia no estúdio A."
"Você geralmente falta essas reuniões."
Ele rolou, ficando de lado, e me encarou. "Liam disse que eu tinha que aparecer."
Liam. A intervenção. Harry não fazia a menor ideia do que estava para acontecer.
"Vamos faltar mesmo assim." Soltei.
"Não dá. Eu fiz uma promessa." Ele levantou e vestiu um suéter. Deixou o cabelo solto e preso atrás de suas orelhas.
Eu me sentia mal pelo que ia acontecer. Eu queria avisá-lo, mas não sabia como.
Todos já estavam no Estúdio A esperando por nós. Não era a companhia inteira, apenas os bailarinos principais e solistas, mais Niall, Liam e Maurice.
Não sentaríamos no chão, mas em um círculo feito de cadeiras dobráveis. Peguei um lugar ao lado de Eleanor. Ela tinha escrito suas reclamações em um bloco de notas em uma letra cursiva. Ela e Gigi sempre deram as maiores aberturas a Harry. Elas o mimavam na escola e talvez tenham pensado que fariam o mesmo quando ele juntou-se à companhia, mas a julgar pelas anotações pesarosas de Eleanor aquilo não vinha ao caso.
Gigi, que era geralmente direta e ia direto ao ponto estava fingindo estar distraída com algo externo. Zayn também olhava para seu celular quando Harry disse oi.
Harry odiava reuniões da companhia. Ele odiava estar em grupos no geral. Ele estar lá já era abusar de sua boa vontade. As reações estranhas de todos demonstravam algo, e eu podia vê-lo ficar cada vez mais confuso e agitado, sentando na borda de sua cadeira e balançando seu joelho.
Eu não achei que aquilo pudesse ficar pior. E então Jeffrey chegou.
As cadeiras perto de mim estavam ocupadas, então ele arrastou uma cadeira pelo chão ao logo da roda e fez o bailarino que interpretaria Benno von Sommersten se afastar.
"O que você tá fazendo aqui?" Sussurrei. "Isso é só pra os solistas e bailarinos principais."
Jeffrey me olhou e virou para abrir sua bolsa carteiro. Assim como Eleanor, ele tinha feito anotações. "Eu sou parte das testemunhas."
"Você assiste muito daquelas merdas de séries de júri americanos na tv."
Harry estava descaradamente nos encarando.
"Por que você não atende minhas ligações?" Jeffrey perguntou.
"Eu tava trabalhando."
"À uma da manhã? Fui no seu apartamento. Onde você tava ontem à noite?"
"Eu dormi no estúdio." Era a verdade.
"Como que isso aconteceu? Você, tipo, desmaiou quando tava dançando?"
"Não, eu deitei no chão e dormi."
"Por que você faria isso?" A sua voz estava ficando cada vez mais alta.
"Do que isso importa! Você não tá vendo que a gente vai ter uma reunião importante aqui?"
"Não grita comigo!"
Liam limpou a garganta. Ele tinha sua prancheta sobre o colo. Se arrumou e cruzou um joelho sobre o outro. "Bem, vamos começar." Ele soava como um monitor de acampamento prestes a nos dar uma palestra sobre plantas venenosas. "Harry, você tem um talento fenomenal e imensamente admirado aqui, na companhia. O que estamos prestes a discutir é tanto para seu benefício quanto para o nosso. Algumas pessoas vieram à mim preocupadas com suas relações de trabalho com você e não se sentem ouvidas."
"Algumas pessoas?" Harry disse, suas feições não demonstrando emoção alguma.
"Vamos seguir com o círculo e você pode responder no final." Limpou a garganta novamente. "Eu começo."
Eu estava impressionado que Harry não tinha ido embora.
"Harry," Liam continuou. "Meu trabalho fica muito complicado quando você faz exigências irrazoáveis sobre os panfletos e outdoors."
Harry cruzou os braços. "É irrazoável exigir por um pouco de criatividade? Você queria jogar uma foto minha em todo o material de divulgação, como uma propaganda de uma loja de conveniência. Lago dos Cisnes foi lançado durante o nascimento do movimento da arte moderna. Não seria inteligente usar algum trabalho artístico que evoque o espírito revolucionário daquela época?"
Liam já estava perdendo sua postura. "Não é você quem decide!"
"Eu mereço dar minha opinião em como minha própria imagem vai ser usada!"
Gigi se intrometeu. "Eu mereço dar opinião do meu próprio horário de ensaios?" Gritou. Nós estávamos saindo do controle agora. As pessoas estavam ficando agitadas e não queriam esperar sua vez para falar. "Nós deveríamos ser iguais! Você não tem o direito de ditar quando e como eu ensaio. Você tem algum prazer doentio em me torturar?"
O rosto de Harry ficou vermelho. "Eu não quero ser cruel, Gigi, eu só quero que essa produção seja perfeita."
Zayn ergueu a cabeça. "E eu? Você tirou o meu solo pra alfinetar o Louis. Isso não é crueldade?"
Harry apertou as mãos.
Eleanor jogou suas notas. "Vá se foder, Harry! Isso não tem nada a ver com a produção e tudo a ver com você pensar que está a cima da gente. Não me importa quanto poder você tinha no Bolshoi. Agora você está em Londres e aqui é a porra de uma democracia. Você não tem o direito de criticar a minha dança. Meu pas de deux é com o Louis, não com você!"
O peito de Harry estava pesado. Ele olhou para a porta.
Maurice, motivados pelas ondas que eram as lágrimas de Eleanor, explodiu de emoção e nos contou toda sua história de vida, começando por sua infância em Zurique e terminando com uma repreensão amargurada. "Em toda a minha carreira eu nunca fui desrespeitado como fui por você, Sr. Styles." Puxou seu lencinho de bolso e secou a testa. "Você questiona e insulta meu julgamento. Eu deveria ser tratado com o respeito devido a experiência. Isso é muito para um homem no meu estágio aguentar!"
Não era a vez de Jeffrey, mas é claro que ele decidiu se meter e defender Maurice. "Você não deveria sair por ai mandando em um tão prestigiado coreógrafo como se ele fosse um mordomo!" Então ele falou para todos na sala. "Ele fez Kenneth me tirar da produção!"
"Exatamente. Então o que você está fazendo aqui?" Respondeu.
Segurei Jeffrey em sua cadeira.
Harry virou para Niall, que tinha se mantido parado como uma estátua.
"Desculpa Harry, mas eles têm razão. Você ultrapassou o limite. Eu te deixo falar com a orquestra, mesmo que esteja por fora dos deveres de um bailarino. Então você foi por minhas costas e os deu novos acordes, contradizendo minha direção. Você tomou proveito de minha bondade..."
Harry passou uma mão pelos cabelos. "Niall, eu respeito sua posição. Você entende o libreto, mas eu entendo a história dele. Eu não sabia mais como te fazer ouvir o que eu ouço! Eu tinha que provar para você. Eu compreendo esse ballet melhor que qualquer um!"
"Não." Liam disse firmemente. "Essa produção não é sua. Esse comportamento tem que acabar."
"Todos vocês se sentem assim?" Sua voz falhou.
Nossos rostos permaneceram duros.
Liam deixou para que eu desse o último sopro. "Louis, eu sei que você tem muito a dizer."
Ninguém era mais crítico ao comportamento de Harry que eu. Todos me olhavam em antecipação.
Eu não conseguia acreditar no que estava prestes a dizer. "Eu concordo com Harry."
Maurice caiu para trás como se tivesse tomado um tiro. Niall estava chocado. Eleanor, Zayn e Gigi me olhavam com olhos de gelo. Jeffrey tinha sede de sangue.
Eu não tinha certeza se concordava com ele, mas tinha certeza de que não aguentava vê-lo sendo atacado, não por mais um segundo sequer. Sim, Harry era um ditador maligno, mas era o meu ditador maligno!
Levantei. "Vejam, Harry estava com o Bolshoi - o berço do Lago dos Cisnes - por seis anos. Ele é a joia de Moscou! Ele sabe do que está falando. Ele não é só um bailarino. É um gênio. E eu acredito em sua visão, e vocês também deveriam."
Pensei que Gigi fosse me socar. "Você está falando sério?"
"Traidor!" Eleanor disse entredentes.
"Louis..." Maurice começou. "Mas e o seu solo?"
"Eu gosto mais da interpretação de Harry." Era oficial. Eu estava louco.
Os olhos de Harry brilharam como esmeraldas. Um sorriso contente em seus lábios.
Maurice levantou e foi até a porta, sua echarpe de seda voando atrás de si.
O estúdio ecoava gritos e vaias, direcionadas à mim e Harry. Um por um eles começaram a sair. Tentei falar com eles, mas ninguém me ouviria. Passavam por mim apressados, alguns chamando por Maurice, outros simplesmente refletindo toda a situação.
Harry e eu trocamos olhares.
Comecei a andar em sua direção quando Jeffrey me parou. Ele não era dos que iam pelo tratamento do silêncio.
"Que merda foi essa?"
Tentei colocar minhas mãos em seus ombros para acalmá-lo, mas ele as afastou.
"Você deveria me defender, Louis!"
"Eu não podia ficar parado vendo uma sala cheia de gente atacando ele. Não era certo."
Seus olhos abriram e passou uma mão por seus cabelos loiros. "Não, o jeito que ele tratou a companhia, como ele me tratou que não foi certo. Isso foi justo. Ele mereceu."
Agora o estúdio estava vazio. Eu e Jeffrey estávamos sozinhos.
"Com quem você estava ontem à noite?"
"Eu já disse, eu estava no estúdio!"
"Não foi o que eu perguntei!"
"Tá! Eu estava com o Harry."
O queixo dele tremeu como se estivesse prestes a chorar. "Vocês estão trepando?"
"Não!"
"Você quer?"
Fiz uma longa pausa. "Não."
"Acabou."
Ele enfiou seu bloco de notas na bolsa.
"Jeffrey, por favor, não faz isso. Me desculpa."
"Não, você não sente culpa. Você só tava esperando esse momento, pois você não tinha coragem de terminar comigo por si mesmo."
Okay, eu certamente não dei muito mérito a Jeffrey. Ele conseguia ser bastante perceptivo quando queria.
"Eu não queria que acabasse assim."
"Ele vai te machucar de novo, Louis."
"A gente não tá-"
"Para. Eu vejo como você olha pra ele. Ele não te olha do mesmo jeito. Tem alguma coisa errada com ele. Ele só sabe como usar as pessoas." Jeffrey ficou pensativo. "Eu me importo com você. Quero que saiba disso."
Jeffrey me deixou, mas não suas palavras.
***
Eu tinha ensaio mais tarde no auditório. Fui a meu camarim para trocar de roupas e vestir uma bermuda. Meu corpo ainda doendo por ter dormido no chão a noite toda, e dançar hoje certamente pioraria ainda mais.
A companhia deveria estar ensaiando o primeiro ato. Eu esperava que o palco estivesse cheio de bailarinos de apoio, o diretor de palco e Maurice. Só tinha uma pessoa ali. Liam.
Me aproximei cuidadosamente.
"Sabe, Louis, eu seria capaz de fazer qualquer coisa para poder dançar novamente."
Liam nunca fez aquilo. Ele nunca remoeu o passado ou falava sobre seu machucado. Ele tentava se manter positivo e olhar para o futuro.
Joguei minha bolsa. "Liam, o que aconteceu?"
Seus olhos castanhos e gentis se fechavam sob as luzes de palco. "Eu vou ser demitido."
"O que?"
"A intervenção era minha última chance de contornar a situação e eu falhei."
"Que situação?"
"Eu não te contei, pois não queria que você descontasse nele, mas fui colocado em provação pouco depois que Harry juntou-se à academia. Eu deveria controlá-lo."
"Kenneth não deveria te culpar por isso. Não é sua culpa."
"Ele é minha responsabilidade."
"A gente ainda pode dar um jeito nisso."
"Maurice pediu demissão."
Me desequilibrei e coloquei as mãos na cabeça. Eu não esperava isso. A partida de Maurice seria um grande golpe para a produção e era tarde demais para adiar as datas das apresentações.
"Por que você fez isso, Louis? Porque tomou partido de Harry?"
Não havia resposta. Havia um monte de motivos, flashes da pessoa que achava conhecer. "Eu confio nele." Disse.
"Mais que em mim e todos os seus amigos da companhia que ficaram do seu lado pelos últimos sete anos?"
"É um pressentimento que eu tenho."
"Harry já quebrou sua confiança uma vez."
"Eu sei disso." Disse baixinho, envergonhado.
Liam começou a sair do palco lentamente. Seu tornozelo estava pior que nunca, não por abuso ou exercícios, mas pelo peso que era carregar seu próprio corpo.
"Quando você vai saber?" O chamei.
Ele virou. "Tenho uma revisão da apresentação no fim do mês."
Liam saiu e eu caí ao chão, abraçando meus joelhos e me perguntando se eu tinha feito a maior escolha da minha vida. Maurice foi embora. Liam poderia ser o próximo. A ideia de Liam perder seu emprego depois de já ter perdido sua carreira como bailarino era muito para processar. A culpa pressionava meu peito até que eu não conseguia mais respirar.
Encarei as cadeiras do auditório e tentei imaginar a plateia na noite de abertura - centenas de rostos, todos ali para ver apenas um bailarino. Liam estava errado. Essa é a produção de Harry. Da plateia à coreografia até a orquestra, ele envolveu essa companhia como uma nuvem negra. E agora ele também tinha a mim. Como deixei que isso acontecesse?
Abracei meus joelhos com mais força e senti uma pontada em minha nuca. Bati no local como se fosse um inseto. Então senti outro, e outro. Olhei para todos os lados. Eu estava sozinho. Mas aquilo continuou. Levantei e balancei minha camisa.
"Aqui em cima." Ouvi.
Harry estava sentado nas vigas jogando pedaços de resina em mim.
"Vem pra cá."
Fui para as coxias e escalei a escada até ele.
"O que você está fazendo aqui?" Disse enquanto engatinhava até ele, as madeiras rangendo sob meus joelhos.
"Nada." Suas pernas pendiam das vigas e ele as chutava distraidamente como uma criança. "O ensaio foi cancelado."
Quantas vezes ele tinha feito aquilo? Quantas vezes ele assistiu coreógrafos e administradores desistirem, serem demitidos ou expulsos por causa dele? Ele tratava seus colegas com tanto desleixo quanto tratava seu próprio corpo.
"Maurice foi embora e Liam pode perder o emprego." Eu disse.
"Eu sei, eu estava ouvindo."
"Você só vai ficar sentado assistindo enquanto toda a produção pega fogo?"
Ele sorriu. "Bem vindo ao lado negro da força, Prince Siegfried."
"Eu estou falando sério. Jeffrey terminou comigo. Todos os meus amigos me odeiam."
"Você me tem."
"Tenho?"
Ele franziu os olhos. "Achei que confiasse em mim."
"Eu quero confiar, mas você torna isso... difícil."
Ficamos calados por um momento.
"Você me defendeu." Murmurou.
"Surto de insanidade."
"Disse que sou um gênio."
"É uma figura de linguagem."
"Não, não é. Você acha que eu sou um gênio e a jóia de Moscou."
"Harry, foco!" Me aproximei dele. "Eu sei que você não quer que Liam perca o emprego. Fale com Kenneth."
"O que te faz pensar que ele me escuta?"
"Você é a única pessoa que ele escuta!"
As vigas rangeram sob o peso de nós dois juntos. Harry se esticou para trás, sem medo, como se estivesse em um balanço.
"Você me deve uma, Harry."
"Eu achei que estivesse te devendo um beijo?"
Ele estava apoiado de costas, tentadoramente dócil, piscando lentamente para mim. Seu punho nu caiu sobre minha coxa.
"E você deve." Engoli seco. Oh meu deus, eu sou tão fraco!
Ele lambeu os lábios e fez um beicinho sedutor que me fez sentir desejado e provocado ao mesmo tempo.
Me inclinei até ele e prendi uma mão em seu pescoço. Seus olhos passaram diretamente por mim. As garotas entraram no auditório.
Gigi vestia seu collant e Eleanor usava jeans. Eu estava prestes a chamar por elas quando Harry se aproximou e cobriu minha boca. "Shhhh."
Elas continuavam fulminantes depois da intervenção. Gigi atirou sua mochila no palco e continuou que deve ter sido uma grande falação para um emocionalmente exausta Eleanor.
"Eu estou te dizendo." Disse Gigi. "Louis está nessa desde o começo. Esses dois estão fazendo alguma coisa."
"Não, isso é impossível." Eleanor argumentou, preguiçosamente deitando, assistindo Gigi fazer seu solo. "Louis odeia o Harry!"
Harry tinha tirado sua mão da minha boca e estava escutando atentamente a conversa.
"A gente deveria ir." Sussurrei. Ele me ignorou.
"Abra os olhos, Eleanor! Eles estão fodendo!" Gigi gritou.
Nos encaramos, ambos corando furiosamente.
"Impossível." Disse Eleanor. "Eu tenho umas cinquenta mensagens do Louis falando sobre o quanto ele odeia o Harry. Ele praticamente escreveu uma dissertação." Puxou o celular.
Cobri minha cara, pensando no que tinha escrito.
"Harry é o diabo.' Harry tá acabando com a minha vida.', 'se eu algum dia começar a agir como o Harry me dê um tiro. 'OMG Harry tá dando OUTRO discurso, sobre Tchaikovsky. Me acorda quando acabar.', 'Ensaiar o quarto ato com o Harry. A morte poderia chegar mais cedo!', 'Oi linda, o que vai fazer mais tarde? P.S. Harry é o pior de todos.'"
Gigi parou de dançar que jogou os braços. "Ele não poderia ser mais óbvio? Ele está tão obcecado pelo Harry que é até vergonhoso!"
Harry estava deitado de barriga para baixo. Ele estava rindo tanto que as vigas balançaram.
Eu o cutuquei. "Shhh."
"O Louis nunca trairia o Jeffrey." Eleanor disse.
"Ele trairia com o Harry." Gigi disse com certeza absoluta. "Se Harry quisesse ele, Louis cairia de joelhos tão rápido que sua cabeça giraria."
Harry chorava de rir.
Eleanor enrolou seus longos cabelos enquanto refletia. "Você acha que o Harry também se sente assim?"
Gigi lambeu o suor de seu lábio superior. "Não sei. Não consigo ler ele." Então mudou de assunto. "Mas se esses dois uniram forças então nós deveríamos fazer o mesmo. Eu não vou ensaiar com nenhum dos dois até que aceitem nossas exigências!"
"A gente pode fazer isso?" Perguntou Eleanor.
Gigi deu de ombros. "Maurice se mandou, o coreógrafo assistente é fácil de manipular. Vamos mostrar pra esses porras quem manda aqui."
Eleanor pulou de pé. "Eu gosto como você pensa!" Esticou sua mão e começou a dançar minha parte em meu pas de deux com Gigi. Elas revezavam, ambas dançando as minhas partes e as de Harry para se ajudarem a ensaiar.
Harry e eu descemos das vigas o mais silenciosamente que podíamos e saímos do auditório nas pontas dos pés, lentamente abrindo a porta e a fechando com um click baixinho.
Juntos fomos até o Estúdio B.
"E agora?" perguntei.
"Acho que temos que ensaiar um com o outro."
Sorri. "Eu tenho o dobro de cenas compartilhadas que você. Você acha que consegue dançar as partes das duas?"
"Você vai me fazer vestir um tutu?"
"Obviamente."
Ele sorriu e segurou a porta do estúdio para mim.
"Hum." Comecei, tirando minhas roupas, ficando apenas de bermuda. "Tenho certeza de que não preciso falar nada, mas não é verdade, o que a Gigi tava falando. Eu não sou obcecado por você."
Ele puxou o suéter por cima da cabeça. "Claro que não."
Começamos meu pas de deux. Eu deveria começar ajoelhado com meus braços estendidos. Dei um passo em direção a Harry.
"Eu até te pediria para ficar de joelhos, Louis, mas não quero ter de açoitá-lo."
Fiz cócegas nele até que caísse no chão. "Eu já disse! Não é verdade!"
Ele ria histericamente de novo.
"Não tem graça!"
"Oh, qual é. Tem sim. Um pouquinho."
Harry era, surpreendentemente, um cisne branco muito afetivo. Ele sabia a coreografia de Gigi melhor que ela mesma. Ele tinha um pescoço longo, membros delicados para um bailarino e conseguia executar a coreografia graciosamente.
"Você perdeu uma chance como prima ballerina, Harry."
"Acha que não sei?" Disse, se pendurando em meus ombros antes de seguir para um arabesque.
Meu corpo de musculatura compacta não se adaptava à coreografia feminina tão bem.
Girei nos braços dele e quase o derrubei. "Cuidado! Você parece um touro chinês!"
"Cala a boca, eu sou lindo."
Fingi que era uma grande inconveniência estar ensaiando sem Eleanor e Gigi, mas, na verdade, eu nunca me diverti tanto em um ensaio. Com as garotas, eu tinha que fingir desejá-las e os movimentos vinham de minhas habilidades técnicas. Mas quando eu dançava com Harry, quando eu tinha minhas mãos em sua cintura, os movimentos fluíam de mim. Eu não estava interpretando de modo algum. Aquele era o mais puro tipo de dança.
Harry realmente conhecia O Lago dos cisnes de dentro para fora. Eu sempre gostei do ballet, mas nunca o suficiente para me aprofundar tanto em seu significado. Harry tinha todos os tipos de idealizações sobre como interpretar Siegfried, coisas que nunca me passaram pela cabeça. Sua interpretação do cisne branco era realmente subversiva e desafiadora. Gigi fazia o papel da carta, mas a interpretação de Harry era, mais uma vez, mais sedutora e mais torturada.
Ele tinha muitas ideias e tudo que eu tinha que fazer era perguntá-lo sobre sua visão e ele começaria a falar na velocidade de um quilômetro por minuto, seus olhos verdes claros vívidos com seu brilho. Eu sequer entendia o que ele estava falando por metade do tempo. Ele continuou falando e falando sobre umas cartas russas e sobre a vida de Tchaikovsky. Ele soava louco, mas estava tão animado que fiquei no mesmo estado.
Harry escreveu e fez um compilado de toda sua pesquisa e ideias em um livro, com fontes de pesquisas originais, diagramas e fotos e cada uma das produções de Lago dos Cisnes desde 1877. Ele vem trabalhando nele um pouco mais todo dia desde sua época do Bolshoi e disse que esperava um dia conseguir publicá-lo.
Ele não era uma prima donna. Digo, ele era um terror completo e persuadia as pessoas do jeito errado, mas ele realmente se importava com aquele ballet. Sua visão era baseada em uma profunda compreensão e apreciação do libreto e da coreografia original. Era inspirador. Nobre.
Mas enquanto estávamos nos enxugando e tirando o suor de nossas pernas, eu tinha que falar o óbvio. Sua visão, por mais atraente que fosse, era impossível. Mesmo que pudéssemos convencer o coreógrafo assistente e Kenneth, o resto do elenco nos odiava, e Eleanor e Gigi, os membros mais importantes do elenco, estavam unidas.
"Elas são racionais" Ele disse, apagando as luzes do estúdio. "Vão compreender."
Enquanto trancávamos o estúdio, as meninas apareceram no fim do corredor, parecendo terem acabado de encerrar seu ensaio no auditório.
Estendi meus braços. "Senhoritas."
Gigi me deu o dedo médio. "Chupa meu pau, Tomlinson."
Eleanor jogou sua bermuda suada na cara de Harry.
Olhei para ele. "Você tem razão. Elas são muito racionais."
Eu e Harry sentamos nos degraus da Royal Opera House juntos, nossos corpos quentes rapidamente se esfriando com os ventos do norte. Puxei um cigarro de meu bolso do peito. Ele não acreditava que eu continuava fumando. Ele tentou arrancar o isqueiro das minhas mãos, mas eu era rápido demais. Acendi o cigarro e guardei o isqueiro no meu casaco.
"Eu não ligaria de ouvir mais das suas ideias." Eu disse.
"Yeah, certo." Ele olhou para baixo, timidamente. Alguns fios escapavam de seu coque e voavam em seus olhos.
"Não, é sério. Você não disse que tinha escrito um livro definindo O Lago dos Cisnes? Por que não vai lá pra casa hoje à noite e me mostra mais da sua pesquisa?"
"Você não acha entediante?"
Dei uma tragada e expirei pelo lado da boca. "Não, é chato pra caralho, mas você faz ser interessante."
"Só eu e você? No seu apartamento?"
Eu tentei soar casual, mas meu coração estava quase pulando para fora de meu peito. "Só eu e você."
Ele sorriu tímido. "Okay, certo. Vou pra casa, tomar um banho e comer primeiro."
Levantei minha mão. "Eu cuido do jantar."
"Pizza?"
"Eu cozinho alguma coisa. Eu sou um adulto decente agora, Harold!"
Harry acenou para um taxi e desceu da calçada. "Te vejo mais tarde."
Eu praticamente voei para casa.
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