ATO II: CAPÍTULO DEZESSEIS
AVISO/TRIGGER WARNING: ESSE CAPÍTULO TAMBÉM CONTÉM CENAS DE ESTUPRO/ABUSO SEXUAL, HUMILHAÇÃO E ABUSO DE DROGAS PRESCRITAS eu avisei, você tá lendo pq quer. Vai ter um [_] antes pra avisar quando começa e quando acaba. relaxa.
HARRY/PASSADO
Kiev estava uma confusão. O policial que checava os passaportes nos perguntou se tínhamos certeza de onde estávamos indo. Beauchamp o confirmou de que tínhamos. Chegamos no fim da Revolução da Dignidade, onde protestantes combatiam violentamente a policia na Maidan Nezelezhnosti, "Praça da independência". Pichações, o reboco das paredes caindo, lixo por todas as ruas em que virávamos. O concreto estava preto, coberto pelas cinzas dos incêndios. Panfletos e bandeiras amassadas da revolução jogadas pelas ruas. Ainda tinham alguns policiais com máscaras de gás e protestantes gritando na rua. Mesmo que a pior parte tivesse passado, a violência pairava no ar como uma névoa densa.
Eu deveria estar assustado com aquele lugar, mas estava feliz com ele. Todos aquele horrores e cicatrizes faziam eu me esquecer das minhas próprias.
No taxi, eu olhava algumas das pichações mais interessantes - uma máscara de grafite do Guy Fawkes, e um touro estilo HQ, mas com uma bolha de fala onde se lia "Fuck Putin". Mas na maior parte do tempo, eu mexia em meu telefone.
Estávamos há dez minutos do apartamento e presos no transito. Beauchamp conversava com o motorista em um ucraniano básico. A palavra "syn" continuava surgindo, sendo repetida de novo e de novo.
"O que isso significa?" Perguntei. "Syn."
Beauchamp se aproximou e sussurrou. "Filho. Ele acha que você é meu filho."
Colocou uma mão em meu joelho.
Chegamos ao prédio no centro da cidade ao entardecer. Era um lugar aberto com grandes janelas, mas as marcas pós guerra eram públicas, desgastadas e deprimentes.
Ao contrário de sua suíte de apenas um cômodo em Paris, aquele lugar tinha dois quartos. Corri para o menor quarto. Era pintado de azul claro e tinha uma pequena mesa de pinho. Talvez ele me deixasse dormir aqui, pensei.
Beauchamp me mandou segui-lo. Ele carregou minha bolsa até a suíte principal, onde nós dois ficaríamos juntos. Ele disse que eu ficaria muito cansado depois de "fazer amor" para ir para o outro quarto.
"Você pode ficar aqui durante o dia se quiser. Pode sentar na mesinha para fazer suas tarefas de casa enquanto estou no estúdio."
Assenti derrotado.
Na suíte principal, eu sacodi minha mochila e deixei tudo cair no chão. Comecei a tirar minhas roupas. Queria logo fazer aquilo. Pelo menos terminar com a primeira rodada e esperar que aquilo me deixasse adormecido pelo resto da noite. Antecipar o que Beauchamp pudesse fazer comigo era quase pior que o ato em si.
Ele gargalhou. "Estamos com presa, hum?"
Eu não falei nada.
"Vista seu terno." Mandou. "Vamos à Opera House, mas" Tomou minha mão e colocou entre suas pernas. "Teremos muito tempo para isso mais tarde."
Puxei minha mão;
Meu terno estava amassado no fundo de minha mala. Apressadamente eu me arrumei. Eu parecia um saco de lixo, mas não me importava.
Ele me olhou e conferiu a etiqueta em meu terno. "A gente precisa mesmo te comprar umas roupas. Esse terno é de criança."
"Eu sou uma criança." Respondi baixinho.
***
A Kiev Opera House não era muito diferente da de Paris. O lobby era feito de mármore branco com detalhes em vermelho e branco. Tinha um teto côncavo com um mural colorido do céu e anjos pintados, nos observando.
Todos conheciam Beauchamp: bailarinos, coreógrafos e os mais ricos patrocinadores. Em seu justo terno azul marinho e gravata borboleta Hermes, ele abriu os braços, fazendo uma grandiosa e exagerada entrada. O salão explodiu em aplausos que ecoaram pela casa como uma onda se quebrando.
Eles eram todos seus grandes admiradores desde seu tempo como bailarino. Um dupla entre muitas eram os parceiros de negócios e primos, Ivan e Evgeny Zhuk. Magnatas, descobri depois, e separatistas pro-Rússia que detestavam o presidente interino russo e viam os protestos como um golpe de estado. Eles eram poderosamente construídos com narizes empinados e ternos corporativos idênticos.
"Milionários?" Sussurrei para Beauchamp.
"Bilionários."
"Você é um rapaz muito sortudo." Disse Ivan. "Muito sortudo, de fato. Alex é o maior bailarino que o mundo já teve."
Evgeny terminou a linha de pensamento do primo, com uma mesma cadência. "Os Zhuk nunca patrocinaram as artes até a noite em que vimos Alex dançar em Paris. Tão comovente. Muito comovente."
Assenti como se concordasse, mas, na verdade, eu nunca vi Beauchamp realmente dançar. Uma vez tentei assistir vídeos antigos dele na internet, mas não tinha estômago para isso. Eu odiava que ele tivesse sido um grande bailarino. Odiava que o mundo inteiro o amasse quando eu só queria que uma pessoa me amasse e sequer poder ter isso.
Por mais insuportável que fosse escutar todos lhe elogiando, eu estava aliviado que estivéssemos em público e não sozinhos no apartamento. Entre seus fãs e novos colegas, ele não se atreveria a me tocar ou fazer qualquer coisa inapropriada. Eu quase me sentia livre.
Fui ao bar e pedi uma bebida. A idade legal para poder beber era dezoito, mas o bartender não se importava, ele me serviu de qualquer jeito. Aquele era um país que levava as leis mais como concelhos. Tomei uma dose de vodca pois eu não sabia os nomes das bebidas misturadas. Nunca bebi muito na escola, apenas um pouco para me sentir bem. Eu preferia maconha. Quando eu estava com Beauchamp, eu não queria me sentir bem. Eu queria ficar muito, muito chapado.
Nós assistiríamos a um balé contemporâneo. O coreógrafo era um loiro de rosto angular chamado Boris, que parecia conhecer bem Beauchamp. Eles dançaram juntos em Paris. Agora trabalhariam juntos em Kiev e tinham muito a discutir. Beauchamp me apresentou.
"Boris, eu gostaria que você conhecesse meu protégé, Harry Styles."
Eu estava no brilho, distraído e não estendi minha mão. Beauchamp cutucou meu ombro. O outro homem olhou em desaprovação.
"Ele não é digno de você, Alex." Boris abaixou seu rosto reto e duro. "Ninguém te ensinou os bons modos, meu jovem?"
"Oh, qual é, Boris." Beauchamp disse, me abraçando de lado. "Dê um tempo ao garoto. Ele é um adolescente mal-humorado. Você já foi um adolescente."
"Nunca."
Riram como velhos amigos.
Beauchamp me apresentou para várias outras pessoas e eu pedi mais drinks. Eu estava ficando atrapalhado agora, rindo inapropriadamente e fazendo piadas de Beauchamp quanto tinha a chance.
Eu fazia o que achava ser uma imitação engraçada dele com seu guarda chuvas no estúdio e tropecei, quase derrubando meu drink no diretor artístico. Beauchamp não achou engraçado e aquilo arrancava risadas nervosas e forçadas de seus novos colegas. Senti sua mão se enroscar fortemente ao redor de minha nuca e ele sussurrou em meu ouvido. "Cuidado."
Ou o que? Pensei. Não tinha nada que ele pudesse fazer comigo que já não tivesse feito uma dúzia de vezes.
O nome do diretor artístico era Vladimir Antonov. Ele era um homem velho, mais velho que Beauchamp, com um rosto redondo e barba avermelhada. Óculos de leitura pendiam de uma corrente em seu pescoço. Ele os colocou por um momento, para examinar meu rosto mais cuidadosamente. Ele foi a única pessoa a perguntar algo sobre mim.
"Quantos anos tem, Harry?" Seus olhos castanhos caramelo brilharam aquecidos.
"Quinze."
"Que honra para você ter sido convidado para acompanhar Alex em uma viagem tão importante. Você deve ser um ótimo estudante."
"Sim, senhor." Menti.
"Tenho um filho mais ou menos da sua idade e ele está indo mal em três matérias! Gostaria que ele tivesse metade de sua dedicação."
As luzes do lobby piscaram, indicando que o show estava prestes a começar. Beauchamp esperava por mim lá dentro, já em seu lugar. Nadei pelo corredor e sentei ao seu lado. Assim que as luzes se apagaram, ele começou a me tocar. Comecei a me sentir ficando sóbrio e todas as coisas que eu teria de fazer mais tarde corriam por minha mente em uma vivacidade doentia.
Assisti os bailarinos se moverem no palco. Não havia história. Seus corpos se chocavam com os outros, os homens carregando as mulheres pelo palco como casacos velhos. Era difícil focar nos bailarinos principais. Era assim que o inferno parecia ser, pensei, ser jogado para todos os lados sem saber que o estava jogando ou o motivo.
No intervalo, esperei em uma fila para pegar outro drink, mas ela era muito grande e o show começou novamente, eu tive que voltar ao meu lugar, sóbrio.
Beauchamp ficou mais desinibido enquanto a noite corria. Escorregou uma mão por trás de minhas calças. "Mal posso esperar para ter isso de novo... Vou te fazer gritar."
Eu queria morrer. Pensei que eu conseguiria seguir com aquilo por já ter passado por isso, mas aquilo era demais. Seu toque me trazia uma memória muscular de nosso tempo em Paris e meus olhos encheram de lágrimas. O medo. O nojo. Meu corpo, eu não conseguiria ter suas mãos em meu corpo novamente.
Quando o ballet acabou, ele estava ocupado demais falando com seus colegas e eu fiz daquela oportunidade a minha escapatória. Corri pela multidão e corri como um louco pelo corredor e pelo lobby. Eu não tinha dinheiro suficiente para um taxi, mas talvez eu conseguisse uma carona? Talvez pudesse ir andando? Ou eu poderia pedir a alguém alguns trocados para pegar um ônibus. Eu conseguiria andar até o aeroporto? Não, eu teria que votar ao apartamento e pegar meu passaporte. Beauchamp era o único que tinha a chave. Por que não pensei em ficar com meu passaporte? Por que? Por que? Por que?
A multidão estava ficando maior ao meu redor e me carregando consigo. Meu rosto estava molhado com lágrimas, mas eu estava muito agitado para perceber que estava chorando. Pedi ajuda a uma mulher que aprecia ser mãe. "Socorro." Eu disse. "Me leve com você. Chame ajuda."
Ela pulou e colocou as mãos para cima. Ela não falava inglês. Tentei com algumas outras mulheres, mas elas se afastaram de mim, meu terno amassado e olhos selvagens. Provavelmente pensavam que eu invadi o teatro querendo dinheiro e drogas, ou pensavam que eu fosse um ativista, um revolucionário disposto ao mal. Todos estavam atentos e no limite depois dos protestos, sem saber quando ou onde a violência repentinamente poderia surgir.
Ninguém me ajudou. Finalmente tinha encontrado minha voz. Finalmente era corajoso o suficiente para pedir ajuda e todos tinha virado suas costas para mim.
O teatro estava esvaziando rapidamente e eu corri para a rua quando esbarrei justamente em Vladimir.
Ele pegou meus braços. "Meu garoto, o que aconteceu? Alex está procurando você por toda parte."
Eu desabei completamente. Sabia que não era certo envolver homens importantes em meu drama nojento, mas ele era gentil. Ele tinha um filho da minha idade. "Eu não posso voltar para ele." Disse, minhas mãos tremendo.
"Por que, nesse mundo, não?"
"Ele me machuca." Olhei para meus sapatos.
Vladimir não me pediu mais detalhes. "Você contou a alguém sobre isso?"
"Não." Olhei sobre meu ombro. Pensei ter visto a traseira da cabeça prateada de Beauchamp perto do bar. "Eu tenho que ir. Tenho que ir antes que ele me encontre!"
"Venha comigo." Disse Vladimir.
Colocou um braço ao meu redor e me senti a salvo. Eu não conseguia me defender sozinho contra Beauchamp, mas aquele homem poderia.
Ele me guiou até os estúdios, no andar inferior. Ainda havia alguns bailarinos juntos, suas maquiagens pesadas grossas como gesso. Me assustei com a imagem deles.
Vladimir me levou a um corredor deserto e então ao estúdio no final do mesmo. Relaxei. As coisas que eu tinha que contá-lo era terríveis e vergonhosas, eu não queria que ninguém mais ouvisse.
As luzes do estúdio já estavam acesas.
Quando entrei, Beauchamp estava lá dentro com Boris e os primos Zhuk, rindo e bebendo conhaque.
"Harry! Aí está você!"
Vladimir me traiu. Ele fingiu me ajudar apenas para que pudesse me entregar diretamente aos braços de Beauchamp. Eu deveria saber que ele não acreditaria em mim. Por que ele escolheria acreditar em uma criança estúpida em vez de seu estimado colega? Virei-me e o dei um olhar machucado.
Vladimir trancou a porta do estúdio.
Beauchamp, Boris e os Zhuk ainda riam de alguma piada que tinha feito antes que eu chegasse, mas não tiravam seus olhos de mim.
Vladimir repentinamente ficou atrás de mim e plantou um suave beijo em minha bochecha.
Eu era a piada. Eles estavam rindo de mim.
Boris me estendeu sua bebida. "Talvez isso o relaxe." Disse aos outros.
O copo escorregou de meus dedos e se espalhou pelo chão. Pulei para longe do liquido âmbar. Eles riram ainda mais.
Meu coração batendo mais rápido que uma lebre.
[_]
Então todos os cinco fecharam um circulo ao meu redor.
Pisquei inúmeras vezes para cada um de seus rostos. "Por favor..."
Não me lembro como começou, ou quem começou. Os detalhes dessa noite são confusos.
Me lembro do som de seus cintos sendo desatados.
Me lembro do cheiro de conhaque em seus lábios.
Me lembro de dois pares de mãos me despindo.
Me lembro da luz brilhante do estúdio balançando.
Me lembro de meu reflexo.
Me lembro de estar tão aterrorizado do que estava prestes a acontecer que fechei meus olhos.
Eles revezavam.
Beauchamp era o mais intenso, Boris o mais malvado, mas foi Vladimir quem mais me machucou. A expressão educada e acomodada nunca saindo de seu rosto. Ele exalava esforço enquanto ia ao chão e me tocava com a casualidade de um aperto de mãos. Ele era pesado e o ar saiu de meus pulmões quando ele estava sobre mim. Continuei pensando sobre seu filho em sua mansão, já acolhido em sua cama. Eu também era filho de alguém.
Assim que eu tinha ficado completamente entorpecido, quando me considerei morto por dentro. Eles encontraram outro modo de me torturar.
Ivan e Evgeny me tomaram ao mesmo tempo. Quando terminaram, os primos me rondaram como um par de lobos, ofegando e subindo suas calças. Ivan virou-se para Beauchamp. "Já sei! Faça ele dançar!"
"Sim, sim!" Evgeny disse. "Faça ele dançar para nós!"
Por favor, não, pensei.
Os sapatos de fivela de Beauchamp apareceram em minha frente. "Levante."
Levantei, trêmulo, tentando me cobrir com minhas mãos.
Beauchamp estapeou minhas mãos para longe de meu corpo. Um pouco bêbado, ele disse: "Performe sua cena da audição. Aquele solo triste de Giselle." Beliscou minha bochecha.
Sentaram contra o espelho, assim como Beauchamp fez no dia em que fiz minha audição para ele, e dividiam a garrafa de conhaque.
Dancei para eles. A luz brilhante em meu corpo nu, o vento frio em minha pele judiada. Cada passo, giro e salto mais humilhante que o anterior.
Eles riam de mim.
Todas vez que eu tropeçava ou esquecia um passo suas provocações e piadas ficando mais pesadas, mais altas.
Assim que terminei o solo me pediram para recomeçar tudo, do início. Dancei e dancei e dancei até que estivesse completamente dolorido, meu joelho se tornando pó.
Entediado, Boris eventualmente comentou: "Creio que você não o escolheu por sua técnica, Alex."
"O escolhi por seus cachos."
"Ele me lembra Hans." Boris rolou os olhos. "Pelo menos Hans era talentoso. Esse aí nem consegue fazer um jeté."
Beauchamp sorriu. "Mas é engraçado assistir-lo tentando."
Aquilo continuou até o amanhecer.
Quando acabou, eu não conseguia encontrar minhas roupas. Alguém as escondeu atrás do piano do canto e em um ultimo ato de degradação, eles ficaram me observando procurar por elas.
Quando as encontrei, os homens saíram do estúdio. Beauchamp disse que estaria me esperando lá fora. Vladimir não disse nada. Pensei ter visto culpa em seus olhos, mas na dura luz do dia, eu descobri ser repulsa. Por mim ou por ele mesmo, eu não tinha certeza.
[_]
Beauchamp me ajudou a entrar no táxi. Fomos de volta até o apartamento sem falar uma palavra sequer ao outro.
Ele quebrou o silencio. "Espero que não tenha se importado por eu ter convidado alguns amigos para se juntarem à nós."
Minhas narinas inflaram. Chutei o banco a minha frente.
"Você se divertiu essa noite, não foi?" Acariciou meu cotovelo divertidamente. "Oh, qual foi, você se divertiu um pouco, admita."
O olhei impassível. Não chorei e não estava com raiva. A parte de mim que conseguia sentir qualquer coisa em prol de meu corpo tinha, curiosamente, desaparecido. Tinha eu e tinha meu corpo. Eles não eram a mesma coisa.
Beauchamp ficou muito delicado do nada. "Você foi um garoto tão bom. Sabe que agradeço o que faz por mim, certo?"
O motorista do táxi, um homem mais jovem daquela vez, me olhou com curiosidade pelo espelho. Ele parecia compreender inglês. Pensei que ele estivesse prestes a falar, mas em vez disso, ligou o rádio e nos ignorou.
"Oh Harry, não fique assim. Você deveria estar lisonjeado de eu querer exibi-lo. Aqueles homem são importantes. Eu não os apresentaria para qualquer um. Você é especial."
Ele balançou o joelho, agitado por meu silencio infinito.
"Eu sei. Você prefere quando é só nós dois, não é? Você é jovem e romântico com essas coisas. É compreensível. Não irei dividi-lo com mais ninguém, prometo." Me acolheu em seus braços e beijou minha cabeça. "Deixe-me mimá-lo essa noite. Lhe comprarei um novo terno e o levarei ao melhor restaurante em Kiev. Poderá jantar com príncipes e capitães da indústria. Você gostaria disso?"
"Não sei."
Apertou minha bochecha. "O que gostaria, meu pequeno? Diga. O darei o que quiser. Qualquer coisa. Um novo telefone? Um computador? Por favor, não fique irritado comigo. Sabe que odeia quando brigamos."
"Posso tomar uma das suas pílulas de dormir?"
Ele pareceu aliviado por finalmente receber uma resposta de mim. "É claro! Obrigado por pedir dessa vez. Vê como é tão mais fácil quando não há segredos entre nós?"
"Sem segredos." Concordei.
Passei o resto de meu tempo em Kiev apagando e acordando. Beauchamp me deixava tomar quantas pílulas eu quisesse e, pelo menos uma vez, eu era grato a ele.
Ele não me levou ao estúdio para trabalhar como assistente. Nunca foi sua intenção. Me deixava sozinho durante o dia e transava comigo à noite. Ele quebrou sua promessa. Algumas noites, ele trazia amigos.
Eu estava cansado na maior parte dos dias para fazer minhas tarefas de casa, mas sentei no pequeno quarto azul mesmo assim. Encontrei uma navalha na penteadeira. A virei em minha mão e examinei. Era afiada. Segurei pelo cabo e risquei sob a mesa. Lentamente raspando a madeira com meu nome em um ponto onde ninguém encontraria, nem mesmo Beauchamp.
***
Quando voltei para a escola, fui à Jebsen House para pegar o resto de minhas coisas do quarto de Louis e leva-las à Wolf House.
Encontrei todos os meus pertences em uma caixa de papelão do lado de fora da porta. Minhas coisas tinham sido roubadas pelos outros caras daquele andar, todos os meus objetos de valor tinham sumido. Louis tinha as deixado lá pois não aguentaria me ter em seu quarto novamente. Não conseguiria me olhar. Eu o entendia. Nem eu mesmo queria me olhar.
Joguei a caixa em meu quarto designado pela escola na Wolf House. Meu colega de quarto já estava dormindo. Eu estava prestes a me arrumar para dormir quando mudei de ideia. Não estava cansado e não tinha mais nenhuma pílula.
Andei pelo caminho iluminado pela lua até o estúdio.
A sensação de estar em um estúdio depois do que aconteceu em Kiev deveria me fazer sentir doente, mas em vez disso tranquei a porta e aproveitei minha solidão. Eu nunca escaparia daquele estúdio de Kiev. De certo modo, eu provavelmente estaria preso naquela sala pelo resto de minha vida. Eu tinha que torná-lo meu.
Me aqueci na barra, evitando meu reflexo no espelho. Então pratiquei minha coreografia do espetáculo de inverno, apenas troquei de papéis. Fouttés e elevés se tornando grandes piruetas e sisones se tornaram emboites. Parei de ouvir as correções de Beauchamp em minha cabeça e comecei a ouvir a música.
Andando no estúdio, decidi praticar saltos em seguida. Eles sempre foram meu elemento técnico mais fraco. Nunca pegava altura suficiente, nunca alcançava uma abertura completa. Louis dizia que era por eu ter medo de cair.
Eu não tinha mais medo.
Corri pela sala dando passadas longas e saltei, saltei com tudo que tinha.
Consegui.
Eu realmente consegui.
Mas no pouso perdi meu equilíbrio e bati o com o rosto no chão, causando um grande estrondo. Meu lábio inferior abriu e meu nariz chovia sangue.
Tonto, ergui minha cabeça e olhei no espelho. Metade de meu rosto estava coberto em sangue. Corri para minha camisa branca e limpei o chão acinzentado.
Gargalhei.
Comecei a gargalhar histericamente, alto, como se estar quebrado e coberto de sangue fosse a coisa mais engraçada do mundo. Talvez fosse.
Bailarinos eram ensinados a tomarem o maior cuidado com seus corpo. A ironia era que apenas quando parei de me importar com meu corpo, eu conseguia saltar tão alto quanto jamais consegui.
Eu estava maravilhado que agora eu conseguia que meu corpo fizesse com que não me importasse se tivesse o quebrado.
[acabou a pior parte. podem ficar menos tristes, pq feliz não rola enquanto se lê essa fic.]
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