Capítulo 3⚜Dia difícil!⚜

" Quando penso que já tomei todas as pancadas possíveis da vida, ela vem e me dá outra rasteira..."

( Samantha Montenegro)

Quando acordei na manhã de terça-feira, não esperava que o que estava ruim, poderia ficar pior.
Permaneci acordada até tarde na noite anterior, fazendo inúmeras contas. Tentei remanejar dinheiro de alguns compromissos para quitar outros mais urgentes. E todos os dias chegam mais correspondências de credores. São cobranças altas de hospitais, laboratórios, farmácias, gastos com o funeral e por aí vai. Estou afogada em dívidas e por mais que tenha dois empregos, não consigo dar conta de tantos débitos com os tratamentos que minha mãe precisou fazer.

Revirei na cama a noite. E quando desisti de tentar dormir, levantei, tomei uma ducha, vesti uma camisa, macacão jeans e tênis. Fui mais cedo para a empresa. No refeitório ainda vazio, pego um pouco de café e sento em uma das mesas. Alguns minutos depois Henry chega, hoje está com o cabelo azul e animado como sempre.

__ Bom dia Sam!__ Toca uma bateria imaginária em minha frente.__ Shiii, que cara é essa?!__ Ele senta. __O que aconteceu?

__ Bom dia amigo. Não esquenta. Uma hora vai melhorar.__ Dou um sorriso forçado. __ E aí como foi a festa ontem.

__ Ah, foi incrível! Acredita que fui convidado para ser o DJ?

__ Sério?!__ Me distraio ouvindo-o relatar todos os detalhes do evento.

Olho para a porta do refeitório e vejo meu chefe entrar. Sua cara não está melhor que a minha. Parece não ter dormido também essa noite. Tenho observado o Senhor Bartolomeu e notado que está mais tenso que o normal.

Desde o dia em que recebeu o convite para o casamento do irmão,  anda com um olhar perdido e até mesmo preocupado. As vezes o pego também me encarando, como agora, então desvio o olhar. Sei que sua conferida não é de admiração, mas de crítica por minha aparência nada atraente. Acena a cabeça, pega um café e senta em uma mesa afastada. De minuto em minuto o pego nos observando.

Talvez seja por causa de Henry. Sinto que o senhor Bartolomeu tem uma implicância gratuita com meu amigo. Acho que ele só o atura por causa de seu talento. Senhor Bartolomeu não é um homem conhecido por ser paciente e tolerante. Apesar de Henry ser um ótimo rapaz, é extremamente estabanado e distraído. Isso irrita meu chefe, que é perfeccionista e viciado em trabalho.

Sentindo-me desconfortável com a inspenção frequente, começo a me levantar com o pretexto de que preciso adiantar algumas atividades. Henry vem logo atrás e, para meu desespero, o senhor Bartolomeu também se levanta.

__ Bom dia, Senhor Fonseca.__ Cumprimento de forma automática e sem encarará-lo, quando para em minha frente. Ele movimenta a cabeça.

__ Bom dia, Senhor! Deixe-me ajudá-lo!__ Henry começa a tirar a bandeja da mão de meu chefe.

__ Não é preciso, rapaz. Posso fazer isso sozinho.__ O senhor Bartolomeu puxa a bandeja, mas Henry insiste. Logo percebo que sua prestatividade vai dar em acidente.

__ Eu insisto!__ Henry puxa a bandeja com mais força justamente no momento em que o senhor Bartolomeu desiste de lutar.

O copo tomba e espirra resto de café na camisa de meu chefe.

__ Ah, mil perdões, Senhor!__ Henry, assustado, arregala seus olhos orientais.

Meu chefe larga a bandeja no balcão e sai do refeitório silenciosamente com a expressão fechada e o rosto vermelho.

__ Dessa vez me ferrei feio, Sam!__  Henry leva a mão à boca.

__ Fique calmo!__ Bato em suas costas.__ Ele sabe que foi sem querer! Vou ajudá-lo e daqui a pouco a gente se fala.

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Entro em minha sala e vou direto bater na porta do Senhor Bartolomeu. Como não obtenho resposta, entro devagar. Observo que está no banheiro privado, então vou em um pequeno armário, onde ele mantém algumas peças de roupas de reserva e pego uma camisa limpa e passada.

__ Senhor Bartolomeu?!__ Bato na porta do banheiro.__ Trouxe uma camisa limpa.

A porta se abre e meu chefe sai sem camisa. Assim tão próximo, fica mais evidente nossa diferença de altura. Dou um passo para trás e o observo. Involuntariamente meus olhos descem de seu rosto para seu peito nu. Quando me dou conta de que estou encarando demais viro de lado e estendo-lhe a camisa.

__ Perdoe Henry, por favor. Ele não fez por querer.__ Olho de esguelha.

__ Não precisa defender seu namorado, senhorita Montenegro.__ Veste a camisa limpa.__ Não sou nenhum carrasco, sei muito bem que foi um acidente.

Me distraio o observando abotoar a camisa. Ele para o que está fazendo e levanta as sobrancelhas me encarando.

__ Com licença!__ Saio rapidamente da sala.

À tarde, procuro me manter invisível, como sempre. Almoço com Henry em um restaurante próximo à empresa. O coitado está uma pilha de nervos, achando que será demitido. O tranquilizo, garantindo que meu chefe não levou a mal o incidente com o café pela manhã.

De volta ao escritório, enquanto termino algumas tarefas, meu chefe recebe a visita do senhor Gonçalez, arquiteto da empresa e seu melhor amigo. Esses dois devem formar uma dupla e tanto quando saem juntos. Ambos são altos e atléticos. Meu chefe moreno, com seus traços latinos e Jarden um negro de sorriso perfeito, porém debochado demais para o meu gosto. Já o surpreendi algumas vezes rindo descaradamente de minha vestimenta e fazendo comentários sarcásticos. Finjo que não percebo para não me sentir mais humilhada. Meu chefe não sorri, mas também não comenta nada. Com certeza concorda com o amigo.

__ Que isso...__ Jarden me observa de cima a baixo enquanto saio da sala, depois de servir um cafezinho.

Procuro me concentrar em meu trabalho. Já tenho muitos problemas para me preocupar também com a opinião alheia sobre minha aparência. Hoje estou escalada para trabalhar à noite e não posso estar abatida para atender os fregueses do restaurante.

__ Anime essa cara homem!__ Jarden sai pela porta do escritório acompanhado do senhor Fonseca. __ Te garanto que o encontro de hoje valerá a pena!

__ Tomara que não seja como o outro...__ Meu chefe resmunga.

O que será que esses dois estão aprontando? É impressão minha ou Jarden está marcando encontros para o Senhor Bartolomeu?!

__ Estou indo a minha última reunião do dia, senhorita Montenegro. Não retornarei ao escritório hoje.

__ Sim senhor.__ Levanto a cabeça e o encaro. Está me observando de forma pensativa, como se tivesse algo mais a dizer. __ Tenha um bom fim de tarde senhor Fonseca.__ Ele acena e sai logo atrás de Jarden.

__ Senhorita Montenegro!__ Meu chefe retorna. Coloca apenas a cabeça em uma brecha da porta de vidro.

__ Sim?!

__ Assim que acabar aí, pode ir para casa.

__ Obrigada.

Ele vai embora.

Volto de metrô para casa. Como fui dispensada mais cedo, aproveito para cochilar um pouco antes de sair para minha segunda jornada de trabalho. Acordo com Chips lambendo meu rosto. Levanto sobressaltada, olho o relógio e vejo que está em minha hora.

__ Obrigada por me chamar, Chips.__ Acaricio a cabeça do gato que pensa que é meu.

Tomo um banho, visto um moletom com capuz, coloco meu uniforme na bolsa e saio apressada para meu trabalho como garçonete no Gabi's, restaurante tradicional em Boston, especializado em massas. Consegui essa vaga de emprego através de minha vizinha Daphine, que também trabalha no restaurante em meio expediente para ter tempo de cuidar de seu filho pequeno e portador de Síndrome de Down.

__ Oi! Muito movimento hoje?__ Encontro Daphine no vestiário trocando de roupa para voltar para casa.

__ Oi Sam! Até que não. Hoje foi bem tranquilo.__ Ela fecha a porta do armário. __ E aí, como você está?

__ Sobrevivendo um dia de cada vez. __ Suspiro.

Daphine é uma das poucas pessoas que me sinto à vontade para desabafar. Passou pelo mesmo processo que eu no ano passado, quando perdeu o pai para um AVC fulminante. A diferença é que ela tem uma família que a apoia e o pequeno Yuri de apenas cinco anos, absorve seu tempo, mas também a preenche de amor.

__ Ah, sei que é difícil, Sam.__ Senta ao meu lado e me abraça.__ Mas acredite, com o tempo a dor vai passar.__ Encosta a cabeça na minha. __Vai ficar bem?__

Afirmo com a cabeça.

__ Não se esqueça do aniversário de Yuri no fim de semana! Quero você lá para me ajudar. Aquele apartamento está uma loucura garota! Tem coisa do "Baby Shark" espalhada por tudo quanto é lado.__Daphine levanta.

__ Imagino.__ Sorrio automática.

__ Sam?!__ Ergo a cabeça. __ Sabe que pode contar comigo, não é?__ Afirmo. __ Beijo!

__ Beijo.__ Volto a me arrumar.

Prendo o cabelo em um coque com redinha e amarro o lenço com estampa de pimentinhas vermelhas na cabeça. Visto saia e blusinha pretas que compõem o uniforme. Não me sinto confortável com esse tipo de roupa, pois a saia é curta demais e deixa à mostra minhas pernas, que apesar de bem torneadas, estão muito brancas. Nem me lembro da última vez que tive tempo de ir à praia para me bronzear um pouco. Calço o escarpim preto alto, que faz parte do uniforme e é exigência da empresa. Vou direto para o salão para iniciar meu turno.

Como Daphine havia dito o movimento está bem tranquilo. Anoto os pedidos e sirvo aos clientes com tranquilidade.

Comemoro antes do tempo. No ápice da noite, o gerente me indica a mesa de um casal que acaba de chegar. Pego o Palmer top e me aproximo.

__ Olá! Me chamo Samantha e os atenderei essa noite. Já escolheram o que vão querer?__ Levanto a cabeça e dou de cara com meu chefe me encarando surpreso.

Arregalo os olhos. Posso ver todas as reações transparecerem em seu rosto. Surpresa no primeiro momento, depois fecha a boca e me olha de cima a baixo. Um vinco vai se formando em sua testa. Aos poucos seus olhos vão cerrando e um leve sorriso sinistro surge de lado.

Antes que eu fale qualquer coisa, ele começa a fazer o pedido como se nada tivesse acontecido.

__ Boa noite Samantha...__ Sinto um arrepio ao ouví-lo pronunciar meu primeiro nome pela primeira vez.__ Acho que para começar vou querer experimentar essas batatas recheadas.

Meu chefe resolve fazer vários pedidos no decorrer da noite. Sou obrigada a ficar totalmente à disposição de sua mesa. Experimenta pequenas porções de quase tudo que há no cardápio. Pede explicações sobre o vinho, solicita mais gelo, pede para conhecer o matre e por fim, quer saber a história do restaurante.

A sorte é que a garota que o acompanha é afetada demais para se sentir ameaçada por uma simples garçonete como eu. Na verdade, recebi mais atenção do que sua acompanhante. Enquanto meu chefe experimenta de tudo, a garota fica somente na salada. Por isso tem uma silhueta. Deve ser alguma modelo famosa. Com quase 1,80 de altura, magérrima, cabelo estilo Chanel e roupas caras. Se mantém com o olhar enfadonho a noite inteira.

__ Samantha!__ Meu chefe me chama pela milésima vez.

__ Pois não, senhor Fonseca.__ Me aproximo da mesa e só depois me dou conta que o chamei como no escritório.

__ Como sabe o nome dele?!__  Sua acompanhante questiona.

__ Eu falei! Não lembra querida?!__ Diz Bartolomeu, visivelmente divertido.

__ Não lembro disso!__ Ela me olha desconfiada.

__ Você estava distraída.__ Ele sorri para ela e se dirige a mim.

__ Gostaria de falar com o gerente, Samantha.__ Me encara.

__ Com o gerente? Por quê?__ Fico tensa.

Será que fará queixa de mim? Fará reclamação do atendimento? Talvez  queira se vingar por não ter lhe contado que tinha um segundo emprego. Deus, tomara que não me prejudique! Preciso desse trabalho.

__ Não ouviu o que ele falou, garota? Vá chamar o gerente logo!__ A acompanhante de meu chefe mostra-se irritada.

__ Como quiser. Com licença.__ Relutante, vou em busca do gerente.

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__ Pois não Senhor! Mandou me chamar?__ O gerente atende meu chefe, enquanto fico a uma certa distância, porém atenta a conversa.

__ Sim, gostaria de parabenizá-lo pelo restaurante. A comida é maravilhosa e o atendimento excelente.

__ Ah, obrigado Senhor!__ Uma expressão de orgulho surge no rosto de meu gerente.__ Nos dedicamos ao máximo para que nossos clientes tenham uma experiência maravilhosa no Gabi's.

__ Em particular sua garçonete Samantha. Que atenciosa! Merece um aumento!__ Meu chefe completa, me encarando de longe. Sabe que os ouço.

__ Ah, pode deixar! Ela realmente é muito esforçada. __  O gerente reconhece.

Depois de uma chuva de elogios inusitados, meu chefe pede a conta, deixa uma gorgeta generosa em meu nome. Vai embora para meu alívio momentâneo, porque tenho certeza que amanhã terei muito o quê explicar...

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Samantha


Bartolomeu

 
Henry

Jarden

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