Capítulo 11⚜O casamento-Parte I⚜

Me sinto como se estivesse na ponta de um trampolim a ponto de pular e mergulhar em águas profundas...

(Samantha Montenegro)

A partir do momento em que aceitei a proposta de Bartolomeu, minha vida virou ao avesso. Henry surtou quando o contei. Primeiro, desconfiou de assédio, depois de ameaça e até cogitou a possibilidade de uma loucura repentina.

Meu amigo tentou arranjar várias formas de evitar o casamento arranjado. Chegou a oferecer o único quarto de seu apartamento minúsculo, mas isso só resolveria parte dos problemas. Ainda teriam as dívidas que só aumentam e os juros e multas que se  transformaram em uma "bola de neve".

A primeira ação a ser feita foi vender algumas coisas, doar outras e o restante deixar guardado em um depósito público. Entreguei as chaves do apartamento em que vivi toda a vida à imobiliária. Quitei uma parte da dívida com o adiantamento de salário que Bartolomeu me ofereceu e parcelei o restante.

Partiu meu coração deixar Chips, mas não poderia levá-lo comigo. Ele será  mais feliz vivendo no prédio onde todos o conhecem.

O mais difícil foi me mudar para o apartamento luxuoso de Bartolomeu. O acordo é que devemos permanecer casados por pelo menos um ano, então teremos que nos habituar a conviver no mesmo teto.

Me sinto uma estranha no ninho ao entrar na sala luxuosa, onde prevalece a cor branca. Tudo é tão clean e moderno. Através da parede de vidro vejo a cidade movimentada lá embaixo.

A mala antiga e a figura assustada e mal vestida definitivamente não se encaixam ao ambiente.

Bartolomeu parece "pisar em ovos".  Carrega a mala até o quarto que irei ocupar. Mostra-me o restante do enorme apartamento. Passa algumas informações sobre a rotina, como quem são os empregados, os dias que comparecem e sobre o restante do funcionamento da casa. Depois diz que precisa resolver algo no escritório e se retira.

Acredito que seja mais para escapar do clima constrangedor que paira entre nós.

Organizo as poucas coisas no novo quarto. Fico um pouco perdida na suíte com ampla cama de casal, piso de madeira, janelas de vidro e um grande closet onde prevalecem as cores bege e branco.

Tomo um banho, visto calça jeans, camiseta e desço. Assim que chego ao topo da escada, sinto um aroma agradável de comida. Minha barriga dá  sinal de fome. Sou atraída para a cozinha. Paro no balcão e observo uma senhora de meia idade trabalhando. Ela logo nota minha presença.

__ Olá! Deve ser a Samantha, certo?__ Afirmo. __ Mucho gosto senhorita. Sou Joanita.

Joanita é uma senhora morena, forte, mas de pequena estatura. Os cabelos negros estão presos em um coque alto e envoltos por uma redinha. Os olhos são perspicazes e tem um adorável sotaque latino.

__ O prazer é todo meu, Joanita. Sua comida está muito cheirosa. __ Estico-me para ver o que prepara.

__ A senhorita gosta de comida bem temperada?

__ Por favor, me chame só de Samantha. Não estou acostumada com muita formalidade. 

__ Está bem.__ A cozinheira de Bartolomeu me observa interessada.

__ Um dia Bartolomeu me levou para comer em um restaurante brasileiro e gostei muito dos sabores. __ Dou de ombros.__Mas acho que algo muito apimentado talvez seja demais.__ Sorrio.

Me sinto à vontade com Joanita.

__ Sim, sim. Tudo ao seu tempo, chica.__ Sorri de volta.__Algumas iguarias brasileiras são bem apimentadas mesmo.__ Pisca.

Tenho a imprensão de que o comentário  tem duplo sentido, mas talvez eu esteja só muito tensa.

__ As iguarias da região Nordeste, por exemplo, são bem apimentadas. Mas a culinária de meu país, o México, também é bem caliente.__ Explica orgulhosa.__ Mas hoje vou poupá-la de algo muito exagerado. Fiz algumas tortillas recheadas com carne e muçarela. São os famosos burritos que Bartolomeu adora.

__ Hum, estou curiosa para experimentar. __ A observo montar a iguaria.__ Precisa de ajuda?

__ Imagine! Esse é meu trabalho.

__ Mas não me importo de ajudar. Gosto de ser útil.

Joanita pisca surpresa.

__ Fiquei sabendo que se casarão. Quando Bartolomeu me contou, achei  bastante precipitado. Mas agora que lhe conheci, acho que fez uma ótima escolha.

__ Obrigada.

Bartolomeu sai do escritório.

__ Não acredite em nada que Joanita diz sobre mim.

Passa um braço pelos ombros de Joanita a abraçando de lado.

__ Ela costuma fantasiar um pouco os fatos.__ Rouba uma pontinha de tortilla da bandeja.

__ Pode chamar meu sexto sentido do que quiser, fantasia, alucinação ou caduquice, mas sempre funciona.__ Afasta a mão de Bartolomeu com uma colher de pau.

__ Ah, isso é verdade. As vezes acho que  é um pouco bruxa. Quando cisma com uma coisa ou pessoa, melhor dar ouvidos.__ Pisca para mim.

__ É experiência de vida.__ Joanita arruma a mesa e eu a ajudo a carregar as bandejas.

Bartolomeu nos observa.

__ E olhe meu caro, pelo que vi hoje aqui, tenho certeza que dessa vez você acertou.__ Joanita segura meu rosto com as mãos pequenas e gordinhas deixando-me desconcertada.__ Que guapa preciosa.

Joanita e Bartolomeu interagem como mãe e filho. A cumplicidade entre os dois é evidente. Ele a convida para  jantar conosco.

__ Hoje será o capítulo final de minha novela preferida e ainda tenho que preparar o jantar de Gomes.

__ Mas você vem para o casamento, não é?__ Bartolomeu insiste.

__ Claro! Não perderia seu casamento por nada nesse mundo.__ Se despede alegremente deixando o clima mais leve.

__ Samantha... __ Finalmente Bartolomeu parece menos tenso.

Está tão diferente de como se veste no escritório. Usa calça jeans e um moletom cor de vinho.

__ Apesar de nosso casamento não ser uma união convencional, quero que se sinta a vontade nessa casa.

__ Obrigada.

__ Espero que tenhamos um bom convívio. E não precisa ter medo de mim.__ Abro a boca para contestar, mas ele me corta.__ Notei seu olhar assustado. Relaxe. Está segura sob meu teto. Não sou nenhum psicopata ou tarado.

Acabo soltando um riso nervoso.

__ Nunca pensei isso de você.__ Escolho bem as palavras.__ Apenas preciso de tempo para me acostumar com tantas mudanças.

__ Terá todo o tempo necessário, Samantha... __ Retribui com um sorriso discreto.

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Na manhã do sábado que antecede ao  casamento estou sentada distraída no banco de madeira em frente ao piano. Dedilho uma canção que aprendi nas aulas de música do colégio. Minha mãe sempre se orgulhou de minha facilidade para aprender instrumentos musicais. Aprendi ainda pequena a tocar violão, depois guitarra e piano na escola. Ainda arrisco um pouco no canto.

O toque da campainha quebra o instante prazeroso e nostálgico. Como não há mais ninguém no apartamento, eu mesma vou atender. No momento em que abro a porta, me arrependo...

__ Pois não?__ Reconheço a moça magérrima parada a minha frente.

É a acompanhante de Bartolomeu no dia em que ele descobriu que eu trabalhava no Gabi's.

__ O Bart está?

__ Quem? Ahm, não. Ele saiu.

A avalio mais de perto.

Será que Bartolomeu mantém um relacionamento em secreto com a "comedora de alface"?

Ele fez tanta questão de frisar que não posso me envolver com outro enquanto estivermos casados. Mas será que essa regra só serve para mim?

__ É a nova empregada?__ Me olha de baixo em cima.

__  Sou secretária dele.

Ainda não sei como me apresentar e me comportar em relação ao acordo.

__ E o que faz aqui sozinha? Não devia estar no escritório?

__Na verdade, já estava de saída. Só vim pegar algo.__ Respondo a primeira coisa que me vem à cabeça. Pego a bolsa e saio.__ Você vem?__ Pergunto ainda na porta.

__ Não. Prefiro esperar o Bart aqui.__ Ela senta no sofá e cruza as pernas longas  com ar fatal.

__ Você quem sabe __ Saio batendo a porta com força.

No metrô, a caminho da casa de Daphine e Miguel, penso na posição ridícula em que estou me colocando.

Como Bartolomeu pode exigir fidelidade se ele mesmo não abre mão da amante? Por outro lado, como se manter fiel a uma esposa por conveniência? Uma mulher que nunca irá tocar porque não sente atração.

Ontem mesmo no jantar, deixou bem claro que não tinha intenção alguma de me tocar.

Passo o restante do sábado na casa de meus amigos e antigos vizinhos. Com Chips aconchegado em meu colo desabafo com Daphine o que me incomoda.

__ Não deveria ter saído e deixado aquela oferecida lá.

__ Não sabia o que falar. Ela começou a  fazer um monte de perguntas.__ Passo a mão entre os cabelos revoltos. __ E se ela for amante dele? Ia rir de mim, Daphine. Não sei como agir em uma situação como essa.__ Coloco as mãos no rosto.

__ Fique tranquila, Sam.__ Daphine abaixa ao meu lado no sofá. __ O que  tem que entender é que a partir de amanhã se tornará esposa dele. Ainda que seja por conveniência, estará em uma posição de maior importância do que essa modelo esnobe. Precisa se acostumar com isso e se impor quando necessário.

__ Ela chamou ele de Bart. Isso me faz pensar no nível de intimidade que há entre os dois.

__ E daí?! Afinal, porque se importa tanto com isso? O motivo principal desse casamento não é o de ajuntar dinheiro para quitar suas dívidas e fazer uma poupança para pagar a faculdade?__ Afirmo apenas com a cabeça. __ Então, qual o problema?

Afinal, o que está me incomodando tanto?

Não tenho tempo de refletir mais sobre o assunto, pois meu celular toca e na tela aparece o nome de Bartolomeu.

__ Alô.

__ Samantha.__ A voz parece chateada, mas também preocupada.__ Onde está? Cheguei e não a encontrei. Não deixou  recado e está anoitecendo...

__ Estou na casa da Daphine. Achei que sua namorada daria o recado. Não quis atrapalhar, por isso saí.

__ Namorada? De quem está falando?

Ou Bartolomeu encena muito bem ou  realmente está confuso.

__ A comedora de alface apareceu a sua procura.

__ Samantha, fique aí. Estou indo buscá-la. __ Desliga.

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Bartolomeu para o Audi na vaga reservada no estacionamento subterrâneo do prédio. Mas não desce,  mantém as mãos apoiadas no volante. Encosta no banco e me olha.

__ Agora me explique o que aconteceu.

__ Como disse, sua namorada foi lhe procurar. Achou que eu era a empregada. Disse que ia ficar lhe esperando. Então preferi sair para não atrapalhar.__ Resumo os fatos em poucas palavras.

__ De onde tirou a ideia de que ela é minha namorada?__ Demonstra aborrecimento.

__ Quando a vi pela primeira vez estava jantando com você. Ela o chama de Bart e parecia bem a vontade em seu apartamento.

__ Aquele jantar foi o único com ela. Uma tentativa fracassada de encontrar uma esposa. Não somos íntimos para ela me chamar por apelidos. Deve ter inventado isso na hora. Mora nesse prédio. Seu apartamento é igual ao meu, por isso se viu tão a vontade.

__ Ela agiu como sua amante. __ Viro para o lado.

__ Samantha...__ Segura meu queixo e vira em sua direção. __ Esqueceu o que lhe falei sobre os termos do casamento? Não podemos nos relacionar com outras pessoas durante um ano.

__ Pensei que a regra era somente para mim.__ Encaro-o envergonhada.__ Imaginei que seria difícil se manter fiel. Sabe como é. Sei que tem necessidades.

Bartolomeu se desconcerta. Depois sorri torto.

__ Não se preocupe com minhas necessidades, Samantha.__ Continua segurando meu queixo. Seu polegar se movimenta sutilmente acariciando minha pele. Seus olhos se transferem de meus olhos para meus lábios.__ A não ser que queira fazer algumas adaptações nos termos do casamento...

Por instinto, arregalo os olhos. Ele sorri provocante e satisfeito com o efeito que causou. Me solta e destrava as portas.

__ Vamos para casa...

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__ Ele não precisava ter feito isso.__ Olho o vestido branco longo de alças finas que Daphine tira de uma caixa grande que achamos em cima da cama.

__  Como não? Esse vestido é mil vezes melhor do que o vestido que te emprestei.

__ Deve ter sido muito caro. Um desperdício usar uma peça tão linda em um casamento de mentira.

__ O fato dele ter comprado um vestido é uma demonstração de gentileza e generosidade. Sabe que você não tem condições de comprar um vestido novo. Isso é sinal de que se preocupa e se importa.

Daphine me ajuda a vestir o traje.

__ Ficou perfeito!__ Me olho no espelho.

__ Samantha, se é para casar, que seja apresentável. Não dá para aparecer perante o juiz de calça jeans e moletom. Todos pensariam que está casando obrigada.

__ Está certa. Se não aparecer radiante diante daquelas pessoas e do senhor Zacary é provável que percebam que tudo não passa de uma farsa e  Bartolomeu seja desmascarado.

__ Então! Ouça meu conselho. Use o vestido. __ Daphine fecha o zíper.

Olho meu reflexo no espelho e reconheço que o vestido me caiu muito bem. É do estilo que eu escolheria. Simples, porém sofisticado. Calço sandálias altas de tiras na cor prata. Deixo os cabelos soltos e Daphine faz uma maquiagem leve.

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Olho a vista incrível que a enorme janela de vidro de meu novo quarto me proporciona. Miguel bate na porta, põe a cabeça para dentro e avisa que está na hora de descer.

Apesar de ser uma cerimônia civil, Bartolomeu fez questão de convidar um grupo razoável para testemunhar o enlace. Claro que o senhor Zacary e sua esposa, Jarden, Joanita, entre outros diretores e funcionários da empresa.

Meus convidados se resumiram em Daphine, Miguel, o pequeno Yuri e  Henry.

Respiro fundo e solto o ar devagar. Daphine segura minhas mãos geladas.

__  Sabe que não precisa fazer isso se não quiser.

__ Estamos aqui para te apoiar independente da decisão que tomar. Se quiser, te levo embora agora. __  Miguel acrescenta.

__ Isso. Fique morando conosco o tempo que precisar.__ Daphine me segura pelos ombros de forma protetora.

__ Não. Eu quero fazer isso. Ou melhor, eu preciso. Sei que me apoiariam. E sou muito grata por tudo que já fizeram. Mas tenho que "andar com minhas próprias pernas". Não estou arrependida, só muito nervosa. Bartolomeu...

__ Minha querida! Isso é normal! Toda noiva se sente assim!__ Daphine romantiza.

__ Acontece que não sou uma noiva normal, Daphine! Esse casamento não é normal!  Meu relacionamento, ou melhor, eu e o noivo nem temos um relacionamento! Ele é meu chefe. Só sei o básico sobre ele. Nossa relação era estritamente profissional até algumas semanas.

__ Não tem que se sentir receosa em relação a Bartolomeu. Não disse que ele mesmo deixou claro que não haveria nenhum tipo de intimidade entre vocês?__ Daphine sussurra.

__ É que as vezes tenho a impressão de que existe algo mais...__ Sacudo a cabeça.__ Acho que é só insegurança.

__ Espere aí!__ Daphine me puxa.__ Algo mais da parte de quem? Dele?

__ De nós dois.__ Me afasto rápido segurando a barra do vestido.__ Daphine me acompanha com um sorrisinho malicioso.

Miguel me aguarda.

__ Sabia! Minhas suspeitas tinham fundamento.__ Daphine pisca antes de descermos.

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Miguel segura meu braço com gentileza. Seu sorriso passa segurança até o momento em que chegamos na metade da escadaria e me deparo com Bartolomeu aguardando no último degrau.

Ele está ainda mais elegante que o habitual. O terno é azul marinho com colete por dentro. Camisa branca, gravata azul marinho com pequenas listras amarelas e um lenço dourado em um bolso.

Meus olhos percorrem a sala. A maioria dos presentes são funcionários da Boston Office Corporation. Dou um passo em falso, mas Miguel me sustenta com firmeza. Sorri encorajando-me. Retribuo o sorriso e tento me concentrar em Bartolomeu, que consegue fingir melhor que eu.

Quem não sabe de nosso acordo pode jurar que ele é um homem apaixonado. A forma que me olha me desconcerta.

Bartolomeu cumprimenta Miguel. Olha em meus olhos por um tempo. Parece transmitir uma mensagem indecifrável antes de abaixar a cabeça e beijar minha mão.

Devo estar mais vermelha que um tomate, pois posso sentir as faces queimando. Caminhamos até uma mesa arrumada do outro lado da sala de estar, onde um juiz sorridente nos aguarda...

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