🌾Capítulo 2. Família Maduro🌾
"Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples."
(Manuel Bandeira)
O calor que faz no Rio de Janeiro durante o verão, é uma das poucas coisas que ainda não consegui me acostumar. Cresci nas temperaturas médias da América do Norte. Meu irmão Elias e eu fomos criados nos EUA, mais precisamente em Mineápolis, Mineasota, onde nossos pais moram atualmente.
Vim morar no Brasil quando completei 18 anos e já estou aqui há 4 anos. Elias veio primeiro para conhecer a terra natal de nossa mãe e acabou ficando por causa do trabalho. Concluiu a faculdade de Administração de empresas nos EUA e se empregou em uma Multinacional que atua aqui.
Os motivos que me trouxeram ao Brasil foram outros. Prestes a completar 18 anos, descobri que não sou filha biológica do homem que me criou por todos esses anos. Minha mãe em uma noite de crise de consciência revelou que teve um romance extraconjugal durante uma vinda ao Brasil. Estava brigada com Antony, pai de Elias. Na época, meu irmão tinha 4 anos. Aqui ela conheceu Lúcio, meu pai biológico. Quando retornou aos EUA se reconciliou com Antony, mas já estava grávida.
Cassandra Maduro nunca contou ao meu pai biológico sobre sua gravidez. Antony Smith sempre amou muito minha mãe e me assumiu como sua filha. Nunca fez diferença entre nós. Mas sempre foi muito ciumento e proibiu que Cassandra revelasse a minha existência a Lúcio.
Ao completar 18 anos tudo mudou. Sei que parti o coração de Antony, mas vir ao Brasil e conhecer meu pai biológico era algo que eu devia fazer. Ele tinha o direito de saber da minha existência e eu merecia conhecer o homem que era meu sangue e me deu a vida.
Conhecer Lúcio Costa foi o melhor presente que pude receber. Ele é um homem admirável. Mora no interior de São Paulo, leva uma vida simples cuidando de uma chácara e de suas plantações. É viúvo e não teve filhos, então me conhecer foi para ele também um presente inesperado.
Acredito que herdei de meu pai biológico esse amor pela natureza, pelos animais e pela terra. Ele conserva uma certa jovialidade, por conta do estilo de vida saudável que leva. Talvez tenha sido isso que encantou minha mãe.
Finalmente chego à faculdade. Estaciono em uma vaga e dou uma conferida em minha aparência no retrovisor. Tento dar uma melhorada nos cabelos castanhos e totalmente revoltos, por conta da agitação no trânsito dessa manhã. Ainda bem que antes de sair de casa optei por jeans, regata e tênis. Passo um gloss para proteger os lábios, pego minha bolsa de franjas, os livros, desço e caminho para a entrada do prédio.
Chego ainda a tempo de assistir a aula de Zoologia, que é com o professor/orientador do estágio do curso de Biologia. No término da aula ele lembra que o prazo de entrega dos relatórios está terminando.
__Só mais um pouco de paciência professor. Por favor. Estou procurando um novo local para estagiar.__ Suplico.
__Arranje um local o mais rápido possível, porque sem a comprovação do cumprimento dessas horas não poderei assinar seus documentos!
__Pode deixar. Na próxima aula já terei novidades a esse respeito.__ Solto um sorriso pouco segura.
Terminei uma parte do estágio em um laboratório, onde fazia análises microbiológicas, mas não estou conseguindo um local para completar a outra etapa, que são as pesquisas de campo na área de proteção e educação ambiental.
A corda está em meu pescoço, meu professor não é nem um pouco compreensivo e ainda tenho a preocupação com o resultado final da pesquisa. Não quero encerrar o curso com um trabalho mal feito, pois a área de meio ambiente e sustentabilidade é minha grande paixão e o ramo de minha futura especialização.
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__Então, depois de resolver a situação do cãozinho atropelado, cheguei atrasada na faculdade e tive que encarar meu professor cobrando as horas de estágio que ainda não consegui cumprir...__ Desabafo com Elias em um restaurante próximo à faculdade no horário de almoço.
Elias me observa com o cotovelo apoiado na mesa e uma das mãos no queixo. Meu irmão é um figurão, que chama a atenção da mulherada onde passa com seus 1,80 de altura, cabelos loiros escuros e olhos verdes como de Antony.
__Você não perde essa mania de querer abraçar o mundo e resolver o problema de todos, não é Liz?!
__Mas eu tinha que fazer algo, Elias! O pobrezinho estava largado no asfalto, completamente indefeso!
Elias balança a cabeça e segura a minha mão.
__Não me leve a mal irmãzinha. Não sou nenhum coração de gelo. Mas entenda bem, existem centenas de cães abandonados pelas ruas da cidade. Se resolver ajudar a todos, vai terminar na sarjeta com eles.
__Que horror, Elias! Isso é coisa que se fale?!__Puxo a mão chateada.
__Mas é verdade! Você precisa focar mais em você e em seus estudos! Já não basta aquele trator, que chama de cão?
__Não fale assim do Detonalta! Ele é um bom cão! Por que implica tanto com ele?
Elias revira os olhos tirando o celular do paletó.
__Ok! Não digo mais nada! Pelo menos em relação ao estágio acho que posso te ajudar.
Observo meu irmão conversando ao telefone enquanto termino o almoço. Após alguns minutos, desliga o aparelho.
__Tudo resolvido. Conversei com um velho amigo. Fizemos faculdade juntos. Ele agora administra a fazenda da família em Vassouras. E a pedido meu, ficará satisfeito em ajudar a minha irmãzinha nessa questão de estágio. Lá poderá fazer suas pesquisas de campo e ele assinará seus relatórios.
Paro com uma garfada em frente a boca.
__Não acredito que conseguiu um estágio para mim!__ Elias mexe no paletó e abre os braços com jeito convencido.
__Não te falei que eu sou o melhor irmão do mundo? Eu sou o cara.
Dou um gritinho e o abraço.
__Realmente você é o melhor! Obrigada Eli! Não sei o que faria sem você! Quando acha que posso começar?
__Bruno disse que a Fazenda 3 Irmãos está de porteiras abertas para a irmã de seu melhor amigo a hora que ela quiser! Então, acho que isso quer dizer, que pode começar o mais rápido possível...
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Chego em casa no fim do dia, mas quase não consigo entrar no apartamento com a confusão armada que encontro.
Detonalta atravessa a sala correndo feito um furacão com um sutiã na boca. Katiane vem atrás aos berros.
__Meu Deus! O que houve?!
Como se não soubesse! Amo meu grandão, mas ele tem o péssimo hábito de roubar os objetos das pessoas e destruir se tiver chance. Acho que ele sofre de cleptomania!
Kat para exausta em frente à porta.
__Se você não der um jeito nesse ladrão de peças íntimas, eu darei! Vou interná-lo em uma clínica de recuperação ou melhor em um canil!
Sei que Kat é tão apaixonada por Detonalta quanto eu, mas ultimamente ele realmente tem extrapolado. Acho que o apartamento tornou-se pequeno demais para ele. Talvez esteja se sentindo solitário e essas travessuras sejam uma forma de chamar nossa atenção.
Quando me vê, Detonalta volta com as orelhas abaixadas e o rabo abanando.
__O que você andou aprontando, heim?__ Sento no sofá e ele sobe em meu colo ou pelo menos tenta.
Quando Katiane me deu aquele filhotinho fofo de Golden Retriever, não imaginava que cresceria tanto. Acho que ela se arrepende todos os dias pelo presente inusitado, mas acabou se apegando a ele também.
No jantar, conto para Kat o dia agitado que tive, mas encerro com a novidade da oportunidade de estágio em uma fazenda em Vassouras.
__Liz, isso é maravilhoso!__ Comemora comigo.
Katiane Siqueira tem 22 anos também. Nos conhecemos desde a adolescência, pois nossas mães são amigas de longa data. Quando vim para o Brasil, resolvemos alugar esse apartamento e dividir o valor das despesas. Kat estuda Propaganda e Marketing e está no último semestre. É muito talentosa e já está praticamente empregada por uma conceituada agência de publicidade.
Temos personalidades bem distintas. Kat é mais urbana, sofisticada e organizada. Eu já prefiro mato e bicho ao invés de tecnologia. Não tenho muita paciência para superproduções e maquiagens. Troco feliz da vida uma balada por longas horas cuidando de um belo canteiro de hortaliças. Mas nos damos muito bem. Kat costuma dizer que formamos uma bela dupla, a nerd e a riponga.
__Quando pretende começar o estágio, amiga?
__Pretendo aproveitar o fim de semana para conhecer a fazenda, me apresentar ao dono e dar início as pesquisas.
__ Mas já?!
__Estou com o prazo de entrega do relatório estourando, amiga. Não posso me dar ao luxo de esperar.
__ O que faremos com Detonalta? Sabe que ele não vai suportar muito tempo longe de você.
Esperto como é, Detonalta levanta do tapete e vem colocar a cabeça em meu colo.
Afago sua cabeça peluda e dourada.
__ O levarei comigo.
__Quê?!
__Por que não? É uma fazenda. Tem bastante espaço para ele.
__Tem certeza disso, Liz? Conhece o Detona! Nós o amamos, mas sabemos que ele não é um cão calminho. Será que irá se acostumar com os outros animais?
__Mas não posso deixá-lo todo esse tempo!
Pensativas, tentamos achar uma solução.
__Já sei!__Sorrio.
__ Estou assustada com a cara de maluca que está me olhando!__ Kat sacode seu cabelo chanel.
__Deixe disso! Não é nada demais! Simplesmente você irá comigo.
__ Não!__ Kat tenta se levantar, mas a seguro
__Sim! Viajamos na sexta-feira. Você conhece a fazenda, dá um passeio e me ajuda com Detonalta. No domingo à tarde você volta para não prejudicar seus compromissos...
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