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Na noite daquele primeiro de dezembro, assim como em quase todas as outras noites do ano, uma constelação de estrelas cintilava em torno da lua na imensidão do céu ao sul das Américas. O pé de manga plantado nos fundos da residência da família Hostalácio estava carregado de frutas saborosas. Isso significava que o verão estava próximo.
E o Natal também.
— Eu não gosto de árvores de Natal assim. São feias! — Tarsila reclamou aos pais no momento em que a família se reuniu na sala de casa para montar uma árvore de Natal feita de galho seco do pé de manga, adornado com bolas vermelhas e verdes, papel alumínio e algodão. — E o pisca-pisca do um e noventa e nove que vocês colocaram na varanda tá dando vergonha de tão cafona que é! Em que loja vocês compraram aquele troço?
O que será que a malcriada diria quando soubesse que o presépio ainda intacto na embalagem, pronto para ser desembalado, também havia sido comprado na mesma lojinha de produtos baratos que o pisca-pisca?
— Deixe de ser resmungona, mocinha — Gilberto advertiu a filha. — Cadê o seu espírito natalino? Esqueceu-se de que o Papai Noel não costuma trazer presentes para crianças malcriadas?
Embora tivessem recebido exatamente a mesma criação, os filhos de Thereza e Gilberto Hostalácio eram bem diferentes um do outro. Tarsila, a mais velha, era uma pré-adolescente altiva, sagaz e cheia de malcriações. Já o filho caçula, Isaac, de 7 anos, era exatamente o oposto: Um guri religioso, dócil, ingênuo e apaixonado pela leitura.
— Papai Noel? — Tarsila revirou os olhos. — Ah, pai, isso é conversa pra boi dormir. Eu já tenho onze anos. Não acredito mais em historinhas de faz de conta.
— Mas seu irmão acredita! — interveio Thereza. — O que custa se esforçar só um pouquinho para fazer de conta que Noel existe? Não estrague a magia filha, por favor.
Desde os primeiros anos de vida, Tarsila apresentara uma personalidade indomável e isso estava deixando a família demasiadamente preocupada. Foram raras às vezes em que ela cumpriu tarefas atribuídas a si sem contestá-las. A professora dela, Dona Vera, sempre enviava aos pais da menina bilhetinhos relatando seu péssimo comportamento para com os colegas de classe. O apelido de Tarsila na escola era cara de ferro.
— Magia? — Tarsila riu sem se mover do sofá onde estava sentada. — Que magia, mãe? Natal e Brasil em nada combinam. Tempo de Natal pra mim é inverno, cachecol, lareira, flocos de neve caindo do céu, o som dos sinos nos trenós... Aah, isso sim é Natal. E não esse dezembro quente pra diabo, típico de país tropical. A única coisa do Natal daqui que vale a pena é a cultura do Chocottone. Nada mais.
— Gilberto tape os ouvidos de Isaac, pelo amor de Deus! — Thereza ordenou ao marido. — O pobrezinho não merece ouvir essas barbaridades ditas por uma garotinha rebelde que não consegue enxergar onde se esconde a magia de um Natal sem neve.
De janeiro a dezembro, faça chuva ou faça sol, um dedo de prosa durante o entardecer era sempre bem-vindo entre os moradores da cidadezinha na qual vivia a família Hostalácio. Não precisava procurar muito para encontrar Isaac no meio dessas conversas, ouvindo atentamente os "causos" e fazendo uma sequência interminável de perguntas típicas de criança curiosa.
O guri nutria forte apreço em ouvir aquilo que os adultos tinham a dizer. Era insaciável sua fome por histórias da cultura popular, principalmente por aquelas que continham seres bondosos e mágicos. Dezembro era o seu mês favorito, sobretudo porque nessa época se intensificavam as histórias sobre Noel, um senhor pançudo como um barril, de barba longa e branca como algodão, que residia pra lá dos confins do mundo, em um lugar inóspito onde a neve cai do céu durante todos os meses do ano.
Segundo os adultos, o senhor Noel sai em uma longa viagem uma vez por ano, montado em seu trenó voador puxado por renas falantes, carregando consigo seu inseparável saco de pano vermelho abarrotado de presentes, despertando nos indivíduos sentimentos nobres, espalhando o seu espírito natalino ao redor do mundo.
— Tatinha, me ajuda escrever minha cartinha para o senhor Noel? — Isaac pediu encarecidamente a Tarsila naquela mesma noite, segurando em uma mão um lápis e na outra um papel.
Ele fez a pergunta postado ao lado da cabeceira da cama de sua irmã, que tinha acabado de se deitar. Os dois dividiam o mesmo dormitório.
— Vá dormir, criatura! — Tarsila xotou o irmão de perto dela. — Amanhã a gente faz isso.
— Promete? — ele indagou em resposta.
— Prometo! — ela respondeu.
Isaac afastou-se tristonho, depois se deitou na cama, agarrado a esperança de que no dia seguinte teria a ajuda necessária para escrever sua cartinha de Natal.
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