02. As planícies que testemunharam o sangue
Cercado pelo mar, em seus quatro cantos, o Continente Sul é uma região vasta, sendo o maior dos quatro continentes que formam Long Quan. Embora, no passado, abrigasse a maioria dos grandes nomes do mundo do cultivo, o Sul entrou em decadência após conflitos intermináveis com os cultivadores malignos.
A queda fez com que organizações e seitas de outros continentes, além de cultivadores errantes, invadissem a terra rica e se estabelecessem. Lutando com as grandes seitas que haviam aqui, não levou tanto tempo para que outro conflito em grande escala eclodisse.
Uma pedra pode até ser mais firme, mas se a água insistir muitas vezes, a pedra se moldará ao que ela desejar. Eram palavras que até mesmo uma criança mortal saberia expô-las com firmeza imutável.
Felizmente, a luta contra essas pessoas malignas foi abençoada, com a ascensão de um jovem Príncipe. Alcançando o reino da Transformação Divina, lutou bravamente com milhares de demônios, derrotou a todos e ascendeu bravamente como um deus marcial. Diz-se que tal príncipe se tornou o Pai Celestial.
Desde então, os cultivadores malignos foram jogados para um canto do continente e controlados. Embora conflitos inevitáveis tenham ocorrido, a sociedade marcial continuou de pé. Entretanto, infelizmente, trezentos anos atrás, um desses demônios ascendeu à imortalidade, assim como aquele príncipe que outrora salvou o mundo, mas dessa vez, as seitas justas foram as que caíram.
O mundo parecia que iria colapsar, até que, por conflito interno, as seitas malignas desapareceram, restando apenas aquela imponente, o Salão Escarlate.
Depois disso, quatro grandes seitas ortodoxas se estabeleceram. Tian Cang, a única seita imortal que permaneceu em reclusão, mesmo após trezentos anos de paz. Yang Wu, sob controle do Império Luo. Fusheng, trilhando o caminho da forja e equipamentos espirituais, e Yu Hong, conhecida por cultivar grandes nomes da alquimia e esgrimistas.
Todas as seitas eram lideradas pelos remanescentes que sobreviveram às guerras. Xi Ze, discípulo de um herói de guerra, o antigo líder das facções ortodoxas, se tornou líder em Tian Cang. Ling Shan, um renomado general do Império que descobriu seus talentos já tarde, mas que desbravou o mundo e conquistou um lugar merecido. Xiao Zhan, também um discípulo de um herói do passado, e Bai Chang, uma potência desconhecida que surgiu durante a última guerra e se manteve firme até a atualidade.
Os quatro homens mais poderosos do continente, além de Sua Majestade Imperial, Huang Longwei, no período tardio da alma nascente. Os quatro equilibravam o poder no Continente Sul, além de manterem os cultivadores malignos em controle. Era assim que o mundo estava, em paz, quando as linhas do destino foram redesenhadas à força.
Ano 300, depois da Queda.
Naquela época, restaram apenas as folhas de outono. A primavera havia ido embora, levando sua cor e vida. Restou só folhas secas e sem vida. E depois, quando o outono arrastou suas folhas, levando-as e para longe do inverno, foi no verão que a vida voltou. Assim como o coração daquele homem vil.
O odor característico do sangue incomodou seus sentidos e ele acordou. A luz do sol queimava ardente e iluminava até os lugares mais sombrios. Essa mesma estrela deixou todo o corpo daquela pobre alma tão quente quanto um pedaço de pau pegando fogo. Ele rolou no chão e saiu para longe daquele feixe de luz maldito.
— Porra, voltei para essa câmara maldita?
Foi então, somente após praguejar, que a pobre alma abriu os olhos e entendeu o que estava acontecendo. A voz não era a mesma, as mãos também não eram tão bonitas como antes, mas estavam cobertas por cicatrizes. E essa roupa de má qualidade...
"Maldição! Eu renasci!?"
Olhando mais uma vez, percebeu todos os membros no lugar, o que também era incomum para ele desde que se lembrava.
"Quem me trouxe a este corpo deve estar louco... nem eu me reviveria!"
Ele tentou se mexer e sentiu uma dor aguda em seu abdômen.
— Merda!
Pois bem, havia um pequeno problema: ele estava sangrando! Tinha um buraco em sua barriga!
A pobre alma reencarnada bateu em seus pontos de acupuntura e concentrou a miserável energia espiritual em seu corpo para que o sangramento não piorasse e correu. Correu como se sua vida dependesse disso e bem... realmente dependia.
Não distante dali, um vendedor tentou parar alguém, cuja suposição era tentar um suicídio indireto.
— Se eu fosse o imortal, não atravessaria essa floresta maldita! — o velho tentou alertar aquele homem — Não tem ouvido os rumores a respeito dessa floresta?
— Cale-se, velho senil! — outro homem, de temperamento rude, se aproximou do comerciante idoso que vendia ervas medicinais com qualidade extremamente duvidosa.
Este homem rude era um pequeno vendedor de rábanos e sua barraca fazia fronteira com a do velho.
— Não seja tão parvo e se intrometa na vida de outros!
O imortal parou sua caminhada e retornou à barraca daquele velho e educadamente o questionou:
— O que é tão perigoso na floresta, senhor? Pode não parecer, mas sou uma pessoa com grande poder, talvez eu possa ajudar.
Os olhos do senhor se arregalaram de surpresa, não era todos os dias que um jovem tão gentil surgia e escutava os seus devaneios. Ele não pôde deixar de sorrir, mas logo, percebendo que aquele jovem o encarava, ele tossiu tentando disfarçar sua alegria.
— Algumas semanas atrás, um grupo de imortais entrou na floresta e retornou de maneira trágica. — ele suspirou — Não é a primeira vez que acontece, todos que entram nessa floresta desaparecem, dizem haver um demônio que fez o lugar de morada.
— O que aconteceu com o último grupo?
— Duas pessoas retornaram aleijadas, sem braços ou pernas... havia um deles que perdeu a razão e o único que voltou, aparentemente são, se enforcou na casa velha. — ele ergueu a mão mostrando os cinco dedos — Essa foi a quantidade daqueles que voltaram, era um grupo de vinte pessoas.
O imortal levou a mão até o queixo, bastante pensativo e o vendedor continuou a falar:
— Todos ficamos assustados, mais que eles! Mas realmente é uma pena que os jovens tenham morrido.
— Mortos? Como assim?
Não era incomum eles morreram, mas o jovem tinha a impressão que havia algo a mais.
O velho passou a mão na barba, buscando em sua memória fofoqueira, mais informações sobre o que aconteceu há alguns anos.
— Ah! Ninguém sabe! Quando o alquimista chegou, restavam apenas os ossos e aquele fedor nojento! Eles apodreceram da noite para o dia!
Ele murmurou alguma coisa que o vendedor foi incapaz de escutar.
— Senhor, obrigado pelas informações. — o jovem pegou algumas ervas e deixou algumas moedas de prata.
Ele deu alguns passos quando o senhor chamou de volta.
— Vossa Excelência, ainda há algo!
Ele parou e se virou com um sorriso amigável no rosto e acenou com a cabeça dando-lhe a fala, o velho comerciante engoliu a seco.
— Aqueles imortais disseram ser um homem de branco...
O jovem murmurou um 'sim' e ia se virar quando, de repente, um vulto vermelho passou acima da cabeça deles e no segundo seguinte, o mesmo vulto estava pulando entre os telhados das casas em alta velocidade. Uma mão havia passado pela bancada do homem e deixado algumas moedas de prata como pagamento.
Esse vulto chamou a atenção dos três homens, eles ficaram admirados. E o imortal curvou os lábios.
— Um imortal! — O vendedor de rábanos exclamou, quase para si — Nossa vila está movimentada!
— Não faz diferença, do diabo ou não, deuses ou humanos, todos são malditos egoístas. Até parece que alguém ajudaria essa vila desgraçada. — O vendedor de rábanos murmurou chateado.
— Os deuses atendem a todos, mas aqueles que acreditam neles são os mais privilegiados. — ambos os camponeses, aturdidos, olharam para aquele jovem de branco, pareciam ter visto uma criatura superior.
— Este jovem entende a vida! — O vendedor de ervas estava ludibriado.
O mais jovem sorriu e se despediu de ambos camponeses.
— Tome cuidado, vossa excelência! — quando o velho vendedor de ervas se virou para a direção que o jovem estava, já não havia mais ninguém ali, onde aquele homem vestido de branco estava.
Logo em seguida, ao colocar os olhos em sua barraca, no lugar das ervas que iria vender, havia algumas moedas de prata por lá.
— Nossa vila está muito agitada...
O vendedor de rábanos encarou a banca vazia e voltou silenciosamente à sua barraca. O velho ancião estava errado. A Vila Hong nunca foi um lugar pacato.
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Nos telhados, uma sombra vermelha flutuava mais leve que uma pluma. Não era possível identificar se era humano ou não, ou que tipo de roupa usava. Apenas o vermelho de suas roupas danificadas era identificável. Essa sombra era tão veloz que outra pessoa, se o visse, provavelmente acharia que ele realmente flutuava e mais além, poderia achar que ele estava em um voo baixo.
Na verdade, não se tratava de um fantasma ou um cadáver feroz, apenas uma pobre alma perdida com algum nível de cultivo ou talvez era apenas um jovem habilidoso em artes marciais.
Seus cabelos estavam soltos e o vento levava os fios para trás, deixando-os como nuvens negras. Na mão segurava um feixe de ervas, enquanto a outra pressionava contra o abdômen. A expressão em seu rosto não era a melhor, e seus olhos pretos carregavam ira e dor.
No fim, ele pressionou seus pés num telhado e deu um salto com o resto das forças que tinha. Precisava chegar o mais rápido que podia naquilo que era considerado ser uma casa. Na boca, um pão cozido, pego emprestado de uma casa qualquer no caminho.
A pobre alma perdida quase caiu, quando no ápice de seu salto, um gemido de dor saiu de seus lábios pálidos. Devido ao deslize, ele finalmente pôde ver sua morada, o caminho parecia ter sido uma eternidade.
Uma pequena casa na beira do lago, desgastada pelo tempo e falta de cuidados. O telhado cheio de buracos e no lugar da porta, um pano com alguns arranjos mágicos fazia seu papel. A janela, metade dela já havia sido comida por pequenos roedores. Era ali onde supostamente morava.
Suspiro.
Agora, esse rapaz voltava de uma missão que se voluntariou a fazer alguns dias antes. Devido aos rumores de um fantasma da montanha, decidiu ir até lá tentar assistir aos moradores. Ainda assim, sequer chegou perto daquela criatura.
O que lhe restou foram suas roupas ensanguentadas e rasgadas pela criatura, e cheias de folhas devido à sua fuga desordenada. Os longos, lisos e negros cabelos — o seu maior orgulho — ficaram lastimáveis. Desalinhados e sem direção, ele parecia como um verdadeiro pedinte e sua figura esbelta havia desaparecido.
Bem, infelizmente, esse pobre rapaz tinha morrido e em seu lugar havia alguém ainda mais miserável.
O sol, no meio do céu, apontava a hora do .
Quando ele adentrou no casebre cambaleando com uma vasilha de água em mãos, praticamente se jogou na fornalha, colocando-o nas ervas para ferver. Ele se deitou na palha velha que usava como cama enquanto esperava o remédio ficar pronto.
— Pelos céus! Quão desgraçado... como fui reencarnar nesse corpo meio morto? — resmungou alto, pressionando ainda mais o ferimento.
Ele olhou para baixo, uma abertura ia do umbigo até a lateral esquerda do abdômen e fechou os olhos, sentindo dor. Se não conseguisse tratar e fechar a ferida, iria morrer mais uma vez e provavelmente seria o reencarnado com a segunda vida mais rápida da história!
Ele estava há menos de dez minutos naquele corpo e sua cabeça já latejava de dor. Podia listar inúmeros xingamentos se não fosse a situação ainda mais desgraçada.
"Se no passado me vissem assim, terminariam de enfiar a espada em mim."
Ao escutar a água ferver, tropeçou até a fornalha e, sem se importar com a dor, pegou a panela quente com as mãos nuas, em seguida tateou pelo cômodo em busca de um pano para limpar as feridas.
Ele despejou o líquido com as folhas sobre o corte. O líquido borbulhante, ao entrar em contato com a carne, cozinhou praticamente os músculos na abertura. Ele segurou um urro de dor, mordendo os lábios e logo levou o pano para secar o sangue e a própria água, tirando junto à folhagem.
Cada toque delicado aumentava mais a intensidade da dor, até o momento em que os lábios sangraram e ele, enfim, terminou de limpar.
Embora seu novo corpo passasse por uma situação lamentável, foi buscar por ataduras e, caso não encontrasse, podia apenas costurar o corte. E se, ainda, sua busca fosse inútil, ele ficaria com a corda na garganta.
Bem, havia uma pendurada acima de sua cabeça. Isso tornava as coisas mais fáceis.
— Desgraçado miserável! Talvez seja carma!
Devido à sua sorte inútil, nem uma agulha foi descoberta no meio da grande bagunça entre palha, toras de madeira e amontoados de lixo e sucata. A única coisa usável na casa era um par de roupas perfeitamente dobrado sobre um baú no canto, perto da fornalha.
— Hahahahahahaha... — Ele riu desesperado. — O Céu é uma entidade cruel!
Realmente, ele seria o reencarnado com a vida mais curta da história!
Num instante, desmaiou de dor.
Durante o sono, as memórias daquele corpo emergiram uma após a outra.
Seu nome era Luo Hang, completou quinze anos pouco tempo antes de vir morar na Vila Hong. Esse garoto era o sétimo jovem mestre de sua família e também um talento entre a nova geração de cultivadores. Ele já havia alcançado o estágio final do estabelecimento da fundação! Um talento invejável!
Algumas dessas memórias estavam turvas, incompletas e misturavam-se com as suas, também em estado de confusão, e por isso, a dor em sua cabeça era amplificada.
A família de Luo Hang correspondia a uma das cinco grandes famílias do continente e, não tendo humildade alguma, a família imperial, com ele sendo o sétimo príncipe.
Sua mãe, sendo a sétima concubina do Imperador, foi a única mulher que tal homem amou em sua vida. Infelizmente, ela faleceu durante o parto e Luo Hang nunca chegou a conhecê-la. E acabou sendo educado e criado pelos eunucos e babás do palácio imperial no pavilhão mais distante do harém.
Mas, ainda que sua posição o privilegiasse, nunca ostentou sua condição ou usou seu título para suprimir alguém. Até mesmo, para entrar numa seita, disfarçou-se de uma pessoa comum para não ter privilégios.
Após se instalar em Yang Wu, rapidamente ascendeu como uma grande promessa da nova geração de cultivadores, alcançando, inesperadamente, o pináculo do estabelecimento da fundação aos quinze anos.
No entanto, sua reputação de um príncipe dândi começou a se espalhar ao passo que, frequentemente, era visto com uma nova pretendente a cada semana. Os rumores começaram a se espalhar desesperadamente e a inveja, não apenas pelos seus relacionamentos, mas também pelo seu poder, proliferava a cada dia.
Um dia, Yang Wu amanheceu agitada. Dois de seus irmãos discípulos bateram na porta de seu mestre e acusaram Luo Hang de ser um pervertido e abusador. As alegações eram de que ele havia drogado esses dois discípulos e, sendo induzidos pelo próprio, contratou ladrões de flores e cortesãos para tirar sua honra.
Alguns dias depois, diante do Tribunal Divino, aquela instituição capaz e imparcial para julgar crimes da sociedade marcial, Luo Hang não foi inocentado e caiu diante do olhar dos maiores nomes do cultivo.
Assim, tendo seus meridianos e cultivo destruídos; além do seu mar espiritual violado, Luo Hang foi deixado à beira do abismo para morrer.
O que, provavelmente, se tratou de um destaque foi a postura da família real, que, em momento algum, se posicionou ou defendeu seu príncipe. Sendo abandonado por todos, caiu em desgraça e morreu.
Cai Xing imaginou o quão sortudo fora esse rapaz ter sido expulso antes dele reencarnar, caso contrário, limpar o chão com a face desses vermes desgraçados não seria incomum. Jogar para os corvos comerem, seria, no mínimo, um privilégio.
Após sair de Yang Wu, Luo Hang, mesmo à beira da morte, vagou por algum tempo ferido e no final, foi encontrado por um pequeno comerciante e jogado numa carroça para ser levado para a Vila Hong.
Caso não estivesse alucinado, o garoto de boa aparência quase não foi reconhecido como um ser vivo pelo velho senhor.
Luo Hang, no entanto, milagrosamente, após recobrar a consciência, viu sua vida ser jogada ao vento por aquelas pessoas. Por onde ele passava, sua reputação havia sido manchada, sendo acusado por todos os lados. Adicionando à sua loucura durante o julgamento, a sociedade passou a condená-lo como a pior escória corta-manga e estuprador.
Felizmente, para aquelas pessoas que o acolheram, esse infeliz era somente um enfermo precisando de ajuda. Provavelmente um imortal que havia passado por um desvio de qi brutal.
Bem, não que Cai Xing se importasse com isso. Ele era realmente um manga-cortada, um lunático e excêntrico, não faria diferença entre seu passado e o presente. Ao menos, o tratariam com distância, como sempre foi acostumado.
Tirando toda essa confusão ilógica, o mundo de cultivo, com certeza, havia mudado.
Naquela época, cego pela vingança, ele nunca pensou sobre o que viria depois, porque saberia que sua morte aconteceria na Montanha dos Nove Céus. Não apenas o mundo marcial, o mundo mortal também sofreu com o massacre das seitas ortodoxas.
Passaram-se exatos trezentos e oitenta e sete anos desde aqueles tempos. Não era muito tempo, mas era incrível a mudança! Houve a queda das seitas ortodoxas, a ascensão das não-ortodoxas, principalmente do Culto Demoníaco e a decadência completa do Culto.
Não se sabia o porquê, se foi por conflitos internos ou outra coisa, mas o reinado do Culto Demoníaco sob o Continente Sul não durou cinquenta anos. Cai Xing confiava na sua intuição, e ela apontava para a desunião entre os cultistas. A vertente demoníaca nunca seria um lugar adequado para ter uma colaboração. Todos os dias, era como travar uma guerra, lutar como se fosse o último suspiro.
No final, as grandes seitas tomaram o mundo marcial para elas: Tian Cang, Yang Wu, Yu Hong e Fu Sheng. A primeira, sendo reclusa, com pouca informação no mundo. Havia também algumas seitas menores e proeminentes, embora pouco se destacassem devido à grandeza das outras.
Infelizmente, mesmo essa grandeza não se comparava com as grandes do passado. A recuperação sempre é gradual para que não houvesse segurança para as pessoas.
Entretanto, havia algo estranho. Assim que as seitas ortodoxas se estabeleceram, um lapso ocorreu nesse mundo: o passado havia sido esquecido pelas pessoas, o mundo antes da guerra se perdeu completamente.
Por um vago momento, sentiu-se só.
No passado, apesar de todas as desavenças, ele era poderoso, tinha o que desejava, uma verdadeira raridade. O único cultivador demoníaco em milhares de anos a ascender ao plano dos deuses! Uma verdadeira raridade! Não tão viva, mas uma raridade.
O presente estava ali com ele, tão nu quanto o nascimento de uma criança. Passando a ser um ninguém, um desgraçado inútil. Mas, ao menos, poderia, enfim, levar uma vida pacífica. Deveria aceitar essa chance dada a ele e viver bem. Decerto, pudesse até seguir um caminho diferente de sua vida anterior. Mesmo estender sua vida inútil a mais de cem anos poderia ser um objetivo.
Talvez, o que estava mais surpreso não foi sua perda parcial da memória, ou o que havia acontecido no mundo. Era seu retorno. Nos dezoito níveis do inferno, quem ousaria deixá-lo livre dessa forma? Bem... não era improvável existir alguém com tamanho grau de insanidade. Nem ele mesmo se reviveria!
Outro fato surpreendente para ele foi o simples fato de não ter se tornado um fantasma feroz. Com o ódio que carregava, o rancor guardado em seu peito, todo o carma acumulado, deveria estar no caminho do fantasma faminto.
Com isso, estava certo: alguém interferiu no samsara.
De qualquer maneira, deveria agradecer tal ser ainda mais excêntrico. Com isso, o fardo pesado que carregava foi dispersado. Em algumas ocasiões, até mesmo respirar, pesava. Agora, seu coração estava leve.
Não precisava sentir medo.
Seus olhos, entretanto, encheram-se d'água. Isso significava que nunca mais poderia ver Yu Mei e isso doía mais que qualquer coisa. Algum dia, teria de superar sua existência e, por isso, sentiu que não seria feliz em vida.
Suas lágrimas nunca foram vistas por ninguém.
Notas da autora: Presentinho surpresa de capítulo! Feliz Ano Novo!!!
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