01. A queda das mil flores


Trezentos e oitenta e sete anos antes,

A queda das mil flores

O sangue espirrou no robe que em algum momento fora branco, quando um homem, sem delicadeza alguma, arrancou a espada do abdômen do cadáver. Em seguida, conectou outro golpe, acertando a garganta de outro infeliz. Ele sequer teve tempo para pensar antes que sua vida desvanecesse e se tornasse apenas adubo para as flores.

Vários cultivadores o cercavam. O Clã Wuxue por inteiro, composto por mais de cem cultivadores, estava tentando lutar contra um único homem, mas eles pareciam como moscas irritantes ao redor daquele diabo.

Os mais fracos já haviam sucumbido à sua pressão e, com um estalar de dedos, seus corpos explodiram. Jovens talentos foram perdidos num único segundo.

O homem de branco, no centro, tinha duas espadas nas mãos. Uma de lâmina prateada e outra de lâmina escura, porém, naquela altura, havia absorvido tanto sangue que brilhavam num tom escarlate sob a luz do amanhecer. E, diferente daqueles homens, a primeira gota de sangue havia escorrido em suas roupas momentos antes e sua energia espiritual estava intacta.

Absorver o cultivo daqueles vermes estava ajudando-o a manter-se sempre abastecido.

Cai Xing levantou sua linha de visão e afundou a espada da mão esquerda no chão e sorriu com os olhos. A outra, levou a lâmina até a boca e limpou o sangue com sua língua.

Ele não havia liberado sua intenção assassina, mas vários daqueles cultivadores justos e orgulhosos se ajoelharam diante de seu olhar. Essas moscas irritantes sequer valiam a pena matar, pensou Cai Xing.

— Dewei! — chamou e o homem se prontificou de imediato. Ninguém o viu atravessar o cerco e surgir ao lado daquele homem vil. — Mate todos os que se ajoelharam.

— Como o mestre ordenar.

E então, com um sorriso diabólico, liberou sua intenção assassina. Os vinte sobreviventes desabaram no chão, não era questão de se ajoelhar, não havia resistência a não ser para se deitarem no chão, com os rostos e narizes afundados na terra.

Cai Xing riu e a risada demoníaca adentrou aos ouvidos daqueles homens que desconheciam o motivo de suas mortes. Um a um, eles foram decapitados por Fan e, quando a última cabeça se desprendeu, retirou a intenção de matar.

Deixou que a espada caísse no chão e olhou para o céu, ainda com um sorriso no rosto.

— Mãe, você vê isso? Eles estão pagando por tudo!

Levando a mão para o rosto, tampou um dos olhos. Sua visão estava piorando. Bem, não importava, ele morreria logo.

— Dewei, preciso de dois dias para me recuperar. Depois, partiremos para a Montanha dos Nove Céus e finalmente o encontrarei... — um raro sorriso de felicidade cobriu os lábios de Lorde Cai Xing, líder do culto demoníaco. — Velho amigo, você deve estar radiante.

O homem de cabelos dourados e olhos da mesma cor suspirou, irônico.

— Tornar-se líder dessas pessoas, você sabe, não é uma honra.

— Até vermes podem ser fofos, veja quantos foram esmagados hoje. — ele inclinou suavemente a cabeça e chutou o corpo de um deles para longe.

Sua cabeça doeu de repente e franziu as sobrancelhas. Cai Xing usou a espada para se manter de pé. Dewei tentou ajudá-lo, mas antes que pudesse, Cai Xing já escorava-se no corpo da espada, usando uma das mãos.

— O que houve? — restou-lhe apenas a pergunta.

— Estou bem, quero ficar sozinho. Limpe essa bagunça. Não me incomode nos próximos dois dias e suprima qualquer rumor que possa escapar.

— Sim, Lorde.

Chen Dewei fez uma meia reverência enquanto Cai Xing desaparecia em meio à copa das árvores. Ele poderia imaginar qual o destino de seu líder, mas nunca dizer isso em voz alta.

O homem louro virou-se para os subordinados e fez o ordenado. Tudo deveria desaparecer antes que Cai Xing retornasse.

Cai Xing vagou por meio-dia antes de chegar ao seu destino. Ele havia suprimido a sua presença a ponto de que nem as barreiras que cercavam o território da seita o encontrariam e correu silenciosamente para o Pico do Céu Estrelado. No mundo, o único lugar onde poderia se sentir livre e também onde tudo o que havia de bom nele residia.

Apreciava as noites em que as estrelas eram fartas, pois aquele lugar se tornava mágico. A beleza excessiva e natural do céu se tornava mais especial naquele lugar, o que justificava o nome lhe ofertado.

Ele deixou que seu sentido espiritual vagasse por todo o pico a fim de encontrar quem ele desejava e, para sua sorte, tal pessoa estava subindo a extensa escadaria que ligava sua residência às outras construções daquele lugar. Felizmente, também não era difícil encontrá-lo, já que o Pico do Céu Estrelado era vazio por si só.

Seu amado era uma pessoa incomum, mas especial e pessoas assim costumavam ser solitárias. Agregando isso ao seu temperamento frio e indiferente, ao qual nem mesmo seus discípulos conseguiam entendê-lo, deixou aquele pico completamente morto com o passar dos anos: residiam somente três pessoas naquele lugar.

Yu Mei parecia um tanto apressado e desesperado. Ele subia as escadas quase correndo, suas roupas também estavam sujas, o que também era um tanto incomum. Quando estava se aproximando de seu quarto, ele se escondeu, parecia receoso ao se deparar com seus próprios discípulos e tomou outra rota. Cai Xing quase o perdeu quando ele também suprimiu sua presença.

Mas logo, o viu adentrar à fonte termal nos fundos do edifício. Ele se deixou relaxar e sua cabeça pendeu para trás, tocando o jade branco e isso fez com que o seu pescoço ficasse à mostra. Cai Xing cerrou os olhos.

Yu Mei entreabriu a boca soltando um suspiro. Aqueles lábios macios eram plenamente convidativos. Estava sedento por eles há muitos anos, mas havia se conformado que poderia apenas os olhar de longe, mas nunca os ter todos os dias como desejava.

Então, ele decidiu olhar para esse homem uma última vez antes de entrar em confronto com ele. Com o peito apertado, fez o caminho até lá e deitou-se sobre o muro e cruzou as pernas com um dos joelhos reclinados para cima, então revelou sua presença:

— Gege...

Sentiu que Yu Mei, a primeiro momento, ficou surpreso, mas depois disso, tornou-se quieto e calmo, como sempre fora.

— Gege, eu fiz algo ruim... eu não queria fazer tanto...

Frequentemente, ele se questionava sobre suas próprias ações e se perguntava se eram realmente necessárias. Não que se arrependesse de fazê-las, mas certamente poderia tornar tudo um pouco mais limpo.

Assim que terminou de falar, o Grão Mestre dispersou a fumaça causada pela água e finalmente, Cai Xing pôde apreciar a visão mais bela e instigante desse mundo e encontrou diretamente aquele par de diamantes azuis.

Foi por esses olhos azuis, que muitos anos antes se apaixonou perdidamente.

Foi por esses olhos azuis, que viu se tornarem nublados e o desejo perdido.

Era por causa desses olhos azuis que estava disposto a desistir de tudo. Bastava uma única palavra.

Após algum tempo em silêncio, encarando, analisando mutuamente, que Yu Mei decidiu dar-lhe uma resposta.

— O que aconteceu, Lorde Cai?

Veja! Só bastava apenas algumas palavras para que se acalmasse e suprimisse esse desejo de matar e as vozes enlouquecidas em sua mente.

— Cai Xing matou pessoas, muitas pessoas. — e de sua boca, uma gargalhada explodiu, se lembrando de tudo o que havia feito nos últimos dias.

O som era horrível, como uma sinfonia desorganizada intercalando entre agudos e graves muito desafinados. Demorou algum tempo até aquilo desaparecer dos ouvidos do ancião Yu Mei, que franziu o cenho, um tanto preocupado.

O odor intenso do sangue exalava de toda aquela pessoa, assim como o restante de uma intenção assassina. Mas, acima de tudo, Cai Xing exalava ternura e tristeza ao mesmo tempo.

— Cai Xing irá atacar sua seita... Daqui a dois dias, primeiro tenho que recuperar meu poder espiritual, suspiro, gege... Eu não quero te machucar.

Devido a sua instabilidade emocional, Yu Mei provavelmente não iria acreditar em suas palavras, mas gostaria de falar mesmo assim. Sabia o quão maleável suas emoções e atitudes poderiam ser. Em momentos, carinhosas e em outros, estava agressivo e violento e, em ocasiões raras, até mesmo seu desejo sexual elevado ao máximo o fazia perder o controle.

Agradecia a seu amado que fosse poderoso e conseguia, por muitas vezes, simplesmente afastá-lo. Não queria machucá-lo ou forçá-lo a nada, mas quando perdia o controle, se tornava como um animal selvagem e desenfreado, sabia que não conseguiria impedir seu próprio corpo. Não gostaria de sujar a honra ou arranhar a pele de Yu Mei.

Se ocorrese, não pensaria uma segunda vez antes em cometer um ato lúcido de suicídio, mesmo estando em frenesi. Ele se recordava muito bem de uma ocorrência no passado.

Certa vez, enlouquecido pela luxúria, se deparou com ele após sair de um banho. Yu Mei se vestia quando entrou em seu quarto. Tudo o que ele desejava era somente abraçá-lo, mas sua mente desordenada, quando sentiu o perfume e o calor emanados daquele corpo entraram em combustão.

Quando percebeu, sua boca havia deixado um chupão e ele mordiscava a sua orelha. O robe interno de Yu Mei havia descido pelos ombros e suas mãos estavam massageando os mamilos rosados e duros.

A falta de resistência de Yu Mei o fez querer mais e ele agarrou a cintura dele, fazendo-o sentir o desejo entre suas próprias pernas e ele gemeu. Um gemido que quase o fez gozar ali mesmo.

Mas, também foi o que levou do céu ao inferno num mísero instante.

O gemido fez com que Yu Mei voltasse à realidade. Não apenas ele, mas também Cai Xing. E de repente, Yu Mei o empurrou usando sua força interna.

Cai Xing sentiu uma dor absurda quando se chocou com as paredes internas do cômodo. Não era no seu corpo, mas no seu coração. Havia cometido o pior pecado. Ele colocou as mãos na cabeça e puxou com força os cabelos quando escutou os gritos de ordem.

— Saia daqui!

— Desapareça, Cai Xing!

— Saia! Saia!

E cada vez que os gritos saíam, a voz de Yu Mei, gradualmente, tornava-se mais baixa, chorosa... com um grau de desespero que podia entender. Saiu o mais rápido que pôde, mas depois disso tudo ficou estranho.

Yu Mei não resistia a seus avanços, mas sua atitude indiferente e fria, assim como tratava um desconhecido para com ele. Aquele olhar opaco, aumentava o vazio em seu peito.

Cai Xing bufou irônico e conseguia entender o porquê disso. Infelizmente, isso não diminuía a dor que sentia.

— Wuxue caiu. — relatou diretamente — O próximo alvo é este lugar, mas não gostaria de machucá-lo. — ele falou e sentiu um filete de sangue escorrer pelo seu pulso. O ferimento tinha se aberto novamente. — Saia da seita e venha comigo. Meu desejo é que gege possa vir comigo.

A resposta veio imediatamente, sem hesitação.

— Não seja tão cínico, Lorde Cai. — Yu Mei estava visivelmente chocado com a declaração, era impossível acreditar em tais palavras — Não achei que fosse tão brincalhão e sentimental!

A brisa passou com aquele odor característico de sangue. Cai Xing reapareceu atrás dele, ajoelhado. Os cabelos soltos, recheados de pequenas ondas amarronzadas, caíram sobre os ombros.

— Quando se trata de ti, não há brincadeiras. Eu gostaria, de um dia, ser capaz de amá-lo. — Cai Xing levou as mãos até as bochechas do outro, acariciando e apreciando cada feição e movimento de seu amado. Ele tinha um olhar entristecido, mas genuinamente sincero. — Desistiria até de minha vida se assim desejasse e lhe fizesse feliz.

O grande mestre sentiu o coração se apertar e a incerteza floresceu. Mas rapidamente, suprimiu as emoções que não poderiam desabrochar. Elas precisavam permanecer como um pequeno broto e morrer como um broto, jamais tendo a oportunidade de mostrar sua beleza.

— Não seja tolo! Mesmo que o faça, nunca deixaria meus valores, minha seita, meus discípulos. — respondeu com seriedade.

— Então, se não fosse por eles, viria comigo? — aquele homem tinha um ar inocente. — Gege realmente viria comigo? — ele abriu um sorriso mais puro do que uma criança poderia dar, como se tentasse esconder seu desespero.

As ameaças de Cai Xing sempre o deixavam, acima de tudo, perturbado e inquieto. Yu Mei sabia que, se esse homem tivesse qualquer resposta, faria o que lhe fosse dito, levando caos pelo mundo e destruindo aquilo que o impedisse de conquistar seus objetivos.

— Suma! — respondeu de imediato, após notar suas intenções.

O grão-mestre fechou os olhos, exasperado. Suas emoções estavam começando a ficar fora de controle, precisava se acalmar.

O barulho de algo caindo na água o fez abrir os olhos novamente e um par de olhos tão escuros o encarava. Cai Xing havia entrado na fonte termal e seus braços o cercavam, não deixando nenhuma rota de fuga. O coração tornou-se vibrante.

— Então, tenho um último pedido. Depois disso, prometo que não o perturbarei no futuro.

Yu Mei não o respondeu, estava nervoso demais e seus olhos na direção dos lábios de Cai Xing.

Este último, por sua vez, percebendo a falta de sutileza, não pôde deixar de sorrir. Um sorriso que atravessava a lascívia e adentrava pela maldade, coberto também pela indulgência. Levou a mão até o queixo e os ergueu com cuidado e com destreza, cobriu os lábios de Yu Mei.

Eram tão doces quanto se lembrava.

E, embora surpreso por alguns instantes, Yu Mei não negou ou resistiu ao ato. Pousou as mãos na cintura de Cai Xing e deixou-se levar pelos instintos. Assim, ele foi pressionado contra a parede da fonte termal com os cabelos segurados num rabo de cavalo.

— Gege... eu te quero tanto...

Cai Xing deixou escapar uma súplica que quase fez Yu Mei desmoronar. Sua resposta foi mais intensa e não perceberam quanto tempo passaram ali, desfrutando do que foram seus últimos momentos juntos.

— Shizun, você voltou? — era um dos discípulos de Yu Mei.

O chamado os despertou daquele mundo ilusório e distante.

Cai Xing se afastou, incapaz de desviar os olhos e sorriu ao confirmar mais uma vez o que aquele homem guardava em seu coração. Queria mais dele, queria mais uma vez conseguir ver seu rosto corado, seu sorriso brilhante, sua respiração calma pela manhã...

Mas, ainda que desejasse tudo isso, era tarde demais. A desgraça os aguardava e sequer poderia abraçá-lo outra vez.

— Perdoe-me se eu lhe ferir. — ele encostou suas testas e se aproximou do ouvido do outro, sussurrou seu pedido e deixou um beijo em sua testa.

Cai Xing desapareceu num piscar de olhos, sem fazer o mínimo barulho, como se nunca tivesse aparecido. O calor em seu corpo era a única confirmação de que ele esteve ali.

Yu Mei encarou o vazio por muito tempo, antes de perceber que estava chorando.

— Eu te odeio tanto, Cai Xing...

Ele segurou a parede da fonte termal até que seus dedos perdessem a cor, a falta de ar que sentia só não era maior que a tristeza que o cobriu nos dias posteriores, fazendo-o se trancar em seu pavilhão, como se estivesse sem vida.

Dois dias depois, assim como prometido, a seita foi atacada.

O alvorecer mantinha traços de claridade quando um discípulo apareceu no Grande Salão, ensanguentado e com as roupas rasgadas.

— Mestre...

Foram suas últimas palavras antes de uma espada atravessar seu pescoço, arrancar sua cabeça e ela rolar com calma, como se estivesse sendo puxada por um dos anciões. Uma trilha de sangue foi deixada pela cabeça e o corpo caiu no chão, com um baque.

Os anciãos imediatamente levantaram a guarda.

Cai Xing viu Yu Mei no canto, encarando o corpo decapitado. Ele não parecia surpreso, mas um tanto frustrado. Ele parecia cansado, sua respiração também estava incomum. Era semelhante ao que aconteceu com ele nos dois últimos dias.

E então, Cai Xing se deu conta de que o momento havia chegado.

Aquela risada típica e maldosa ecoou pelo Salão Ancestral e ele adentrou observando a arquitetura e decoração.

Viu os anciões engolindo a seco, com medo e não conseguiu esconder sua felicidade. Era bastante satisfatório encontrar esses vermes hipócritas e matá-los com as próprias mãos após muitos anos.

Yu Mei deu um suspiro cansado, se levantou desembainhando a espada e a ergueu para o inimigo.

— O que veio fazer aqui?

— Devo cumprir minhas promessas — ele respondeu.

Os anciãos de Montanha dos Nove Céus olharam seu companheiro e tornaram-se ainda mais ansiosos. Nenhum deles teria o poder de lutar contra tamanha calamidade batendo à sua porta e poderiam depender somente do traidor.

Todos sabiam que Yu Mei recebia visitas frequentes e particulares de tal homem, assim como o conhecimento de que ele se encontrava regularmente com o inimigo. Porém, não ousaram levantar a voz para proferir tais palavras tão catastróficas.

Após perceberem isso, passou por suas mentes sobre o conflito contra o culto demoníaco. Desde a ascensão de Yu Mei como líder de seita, a guerra tornou-se mais amena.

Em suas mentes perversas, esperavam que um dia, pudessem boicotar essas duas pessoas em conluio. No entanto, naquele momento, somente buscavam a proteção de uma delas.

Para o desespero delas, seu líder não impediu o inimigo.

E assim que finalizou, uma lâmina feita de energia espiritual atravessou o salão, destruindo qualquer tipo de vida que restava. Havia sangue por todo o lado.

Cai Xing viu seu amado apenas se desviar do corpo de seu companheiro de seita com um pesar sombrio e indiferente. Parecia mais com a culpa do que qualquer outra coisa.

E eram os pensamentos de Yu Mei, carregados como um grande fardo, por muito mais tempo do que as pessoas ousariam imaginar.

A dor que o instigava no peito trazia a falta do ar, explorando aquela raiva infindável e desgraçada, esmagando-o com uma felicidade sádica. Finalmente, ele poderia aceitar seu destino.

Yu Mei buscou os olhos de Cai Xing, tão vermelhos quanto o sangue que o rodeava. Felizmente ou infelizmente, não sabia dizer e, como esperado, não conseguia sentir raiva dele. Desviou seu olhar para além dele. Mesmo que cometesse os piores crimes ou passasse acima daquilo que construiu, afinal, não era inesperado. Cai Xing cumpria suas promessas, diferente de suas palavras efêmeras e vazias.

O Líder do Culto parou no meio do salão, diante do Líder das facções ortodoxas, e se ajoelhou, apenas um joelho encostando no tapete azul-escuro, colocou uma mão nas costas e estendeu a outra na direção de sua pessoa amada. As janelas de sua alma transbordavam paixão, mas também arrogância e determinação.

Um arrepio passou pelo corpo de Yu Mei, algo que instintivamente o fez recuar um passo e segurar com mais firmeza a sua espada, embora seu corpo mostrasse sinais de tremedeira.

O brilho da espada reta refletiu os olhos de Cai Xing e ele se viu, como se fosse num espelho. Aquilo que nos últimos meses chamou de obra de arte era o resultado de sua aparência. Havia se entregado aos seus demônios e mergulhado-se no mal.

— Ancião Yu Mei... Cai Xing veio buscá-lo! — o sorriso se desfez numa expressão intimidadora. — Yu Mei agora vem comigo?

Eles se encararam por alguns segundos.

— Eu lhe disse, nunca largaria meus discípulos, minha seita, meus valores... Lorde Cai. — sua expressão era determinada, mas ele não percebeu que ele chorava novamente pela mesma pessoa. — Se quiser que eu vá com você, levará apenas meu cadáver.

Sem esperar uma palavra, Yu Mei investiu contra Cai Xing. O par de patos mandarins, separados por um par de lâminas, dançou pelo salão.

Seus ataques não eram poderosos ou refinados, a brutalidade com a qual lutavam, sem se proteger, como se estivesse desabafando, a fúria um no outro deixou o que estava em Montanha dos Nove Céus em ruínas. Os escombros eram a única estrutura em todo o pico central quando Yu Mei precisou usar sua espada para se manter em pé.

A última barreira de proteção do mundo havia caído. As montanhas haviam sido pintadas de vermelho e, ao longe, fogo e fumaça eram vistos, finalizando o massacre.

— O que você veio fazer aqui?

Uma fagulha de apreensão surgiu em Yu Mei. Sabia o quão poderoso Cai Xing era, mas nunca achou que era impossível contê-lo. Suas pernas trêmulas vacilaram e, mais uma vez, ele caiu de joelhos. Sua energia espiritual foi esgotada, estava sem força alguma.

Carinhosamente, sentiu duas mãos puxarem seu rosto para cima. Ele piscou algumas vezes, tentando se manter acordado.

— Desde o início, a facção ortodoxa nunca teve chance. Quando o mundo está em paz, sempre foi a melhor maneira de atacar.

As labaredas de fogo estalavam, mas não eram mais altas que os gritos de horror que ainda restavam em algum canto do território da renomada seita número um. Nesse momento de reflexão, Cai Xing o segurou pela cintura e o levou para um ponto onde era possível ver todo o território da seita.

— Por que fez tudo isso?

O homem de vermelho sorriu, um sorriso tenro e sincero, um tanto gentil. Ele tirou uma mecha de cabelo do rosto. Seus olhos, pintados num delineado escuro, afinavam seus olhos amendoados.

Seu rosto estava sujo, coberto por sangue, assim como suas roupas cobertas também por lama e sujeira. Ele tirou a espada da bainha.

— Vim fazer aquilo que prometi. — o homem de vermelho respondeu. — Minha vingança e... por você, vim buscar aquilo que perdi naquele reino secreto.

Assim que as palavras saíram da boca de Cai Xing, seus olhos encheram-se d'água. Havia tantos sentimentos guardados por aqueles olhos pretos, que naquele momento deixaram de ser tão opacos e encaravam o líder das seitas ortodoxas. Cai Xing havia se lembrado de algo que nunca deveria ter esquecido.

— E sua resposta? — ele perguntou.

Shen Zhengyi cerrou os punhos. Naquele momento, a brisa passou por ele, fazendo os cabelos escuros esvoaçarem. Suas írises azuis deixaram a frieza e se cobriram por uma tristeza profunda.

— Permanece a mesma.

Cai Xing baixou o olhar.

— Mas...

Shen Zhengyi continuou a falar, com um sorriso no rosto, para que apenas Cai Xing pudesse ouvi-lo. E naquele momento, a maré cobriu o solo transbordando pelos olhos daquele Lorde Demoníaco e todas as memórias até então perdidas, pareciam flutuar em sua mente, apenas para que, num futuro não tão distante, sua vida se esvaísse.

— Veja, dage... Uma verdadeira obra de arte... — Cai Xing desconversou, tentando não chamar mais atenção para os dois. Ele ainda era o líder daqueles homens vis e isso deveria permanecer até o final.

Yu Mei deixou a venda transparente que cobria seus olhos da verdade cair. Essa era a verdadeira face do homem que amava, era o momento de aceitar.

Com exceção daquela centena de cultivadores demoníacos enfileirados para saudar o líder deles, não restava uma alma viva em toda a seita.

Não havia mais o que fazer.

O massacre foi limpo.

Não havia um discípulo que sobrou. Todos estavam amontoados, formando uma elevação não muito longe dali. Suas cabeças foram cortadas e seus núcleos espirituais destruídos. Yu Mei reconheceu cada rosto, até mesmo seus dois discípulos estavam na montanha.

O sangue fluía incessante, como num rio e um homem aproximava-se com uma tocha naquele amontoado.

Mais uma vez, ele estava sozinho. E doía. Doía tanto.

— Cai Xing...

Yu Mei fez sem pensar. Ele segurou o rosto de sua pessoa e tomou-lhe os lábios. Ele empunhou a espada que estava na cintura de Cai Xing e acertou o golpe. A arma perfurou o coração daquele homem orgulhoso.

Cai Xing sentiu o momento em que a lâmina fria penetrou seu peito, partindo seu coração junto de seu núcleo espiritual. Ele realmente não achou que acabaria tão miserável quanto aconteceu e tão rápido. Por sua própria espada, pelas mãos de quem amava.

Ao ver aquele homem próximo a ele, com uma expressão de tristeza, Cai Xing não deixou de curvar seus lábios em um sorriso e deixando amostra a covinha do lado esquerdo do rosto. Não só o Grande Mestre Yu Mei havia acertado o golpe, mas aquele desgraçado com seu último suspiro deixou uma pequena lâmina fazer seu trabalho. Os núcleos de ambos mestres se romperam, ocasionando uma onda de poder espalhada por quilômetros.

— Talvez possamos nos encontrar em uma nova vida, Zhengyi e nesse momento, nós seremos felizes.

Suas últimas palavras sequer puderam ser ouvidas, porque o homem que estava em seus braços já tinha fechado os olhos. Assim, ele o abraçou até ficar sem forças e de cima da Montanha dos Nove Céus não se ouvir mais vozes, nem vida.

O mundo se calou diante da queda daqueles homens. Não havia mais ninguém para segurar uma arma. Tudo fora arrasado. Não houve sobreviventes. Apenas seus autores, que choravam a morte de seu líder e comemoravam o maior massacre já feito nas seitas ortodoxas.

notas da autora: Falhas Eternas - Vol 01 retornará em janeiro de 2025, mas vou deixar esse pequeno presente do capítulo 01 para vocês sentirem um pouquinho melhor as mudanças da história! (incrivelmente a quantidade de palavras por capítulo está aumentando!!!)

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