Yesod - I

Caros leitores, hoje vocês começarão a entender porque em minha primeira história comentei que o universo é um paradoxo. As linhas que formam o destino muitas vezes se entrelaçam, se chocam, e formam anomalias que podem distorcer o próprio tecido do espaço-tempo, tanto nessa dimensão física quanto em outras. Você tem que entender que o cosmos, e toda a realidade universal (imperceptível para os seus sentidos limitados em quase todas as escalas), é fruto de uma dualidade inerente a tudo... frio e calor, masculino e feminino, luz e trevas, positivo e negativo; tudo são escalas diferentes da mesma medida, dependendo apenas da perspectiva. Talvez um dia entre a fundo no assunto, mas essa dualidade é o que pode, eventualmente, criar distorções em nosso universo de probabilidades, e consequentemente, no destino kármico dos seres vivos... ou melhor dizendo, seres conscientes.

Nosso protagonista de hoje não é uma raridade cósmica, mas é um paradoxo bem comum. No fim das contas, paradoxos são apenas falhos de perspectiva, pois tudo que acontece tem um sentido pra ter acontecido, sempre influenciado por um movimento anterior, uma cadeia constante de ação e reação, as vezes até multidimensional, que mostra que existe uma interdependência fundamental entre todas as coisas. No caso desse paradoxo... ele seria tanto a causa quanto a reação. E pior, eu estou envolvido de certa forma.

A história se passa num futuro muito, muito distante, poucos séculos depois do fim do grande império de terror de Sarkan, que durou mais de mil anos. O herói que libertou o mundo desse pesadelo, o lendário guerreiro chamado Mao, desapareceu logo depois de derrotar e matar o imperador, abrindo o caminho da humanidade para um futuro melhor. Finalmente livre das pesadas correntes opressoras que assolavam a todos os povos sob governo do ditador, a raça humana conseguiu se unir por um bem maior; se abraçou, aprendeu com os erros do passado, e de repente, uma nova realidade foi possível: paz.

Séculos de paz e abundância proveram dessa revolução na consciência coletiva do ser humano. O milênio de escravidão e opressão de Sarkan, apesar de ter sido horrível e a causa de muito sofrimento, ódio e morte, no fim serviu algum propósito, o que faz parte da dualidade fundamental das coisas.

Entretanto, apesar de terem surgido diversas civilizações avançadas, tanto tecnológicamente quanto espiritualmente, que viviam pacíficas umas com as outras e seus povos conectados enquanto almejavam a harmonia interior, outros reinos e sociedades com distintos valores também foram surgindo com o tempo, e pouco a pouco, a disputa de territórios e recursos foi espalhando, e o ciclo recomeçando.

Freeland, um dos países que surgiu de uma revolução filosófica que culminou em uma visão de mundo mais individualista e se espalhou como uma religião com um único Deus centralizado, agora queria expandir seus territórios colonizando os continentes ao redor da grande Floresta de Mogu.

É tão interessante, e muitas vezes trágico, como a história da humanidade pode se repetir tão descaradamente. Humanos certamente são criaturas extremamente complexas, física e psicologicamente, e principalmente espiritualmente. Mas nesse nível de consciência tão básico, são previsíveis, e seus próprios paradigmas de comportamento em sociedade acabam criando as mesmas situações catastróficas e desumanas sempre.

Evidentemente, nos continentes arredores haviam civilizações nômades, tribos indígenas, sociedades xamanísticas, profundamente conectadas com a natureza e que viviam de tradições sagradas e instintos primais. No processo de impôr forçadamente seus ideais sobre outros povos, muita gente estava morrendo em nome de Freeland e seu Deus. Seus recursos naturais roubados, a terra dominada e os povos subjugados de suas crenças e valores. Bom, nada incomum no currículo da raça humana.

É no meio desse aparente caos que se encontra nosso protagonista do dia. Um colonizador freelander um pouco, digamos, revoltado com a vida. Separado de sua mulher e filha, ele foi chamado à missão de colonização e aceitou pois acreditava nos ideias de seu país; mas a realidade que encontrou ali foi completamente diferente, um massacre total.

Freeland, que desfrutava de sua avançada tecnologia militar, com catapultas de pedra trazidas em navios de guerra, e as resistentes armaduras de metal branco polido(um tipo de metal especialmente duro criado na floresta de Mogu), contra as tribos nativas, tanto nômades quanto rurais, algumas delas guerreiras, mas a grande maioria pacíficas. De qualquer jeito, a diferença de poder era desumana e a cada dia passado mais povos eram derrubados e destruídos em nome do reino de Freeland. Enquanto lembrava das cenas grotescas que presenciou os últimos dias e que atormentavam seu sono, "major Oswald," foi interrompido o major de sua difusão mental, "o batalhão Litera está pedindo reforços no quadrante F da floresta."

"Esses malditos..." suspirou, "aceitei a missão como explorador, mas eles continuam me chamando para lutar. Depois do massacre de ontem, não pensei que fossem me incomodar de novo tão cedo. E não me chame de major fora de serviço."

"Então o que faremos, m-senhor?"

Ele suspirou pesado em resposta. "Fazer o quê," e se levantou, "vamos salvá-los."

De caminho para o quadrante F da floresta, que nosso próprio protagonista estava mapeando como explorador oficial do conselho de Freeland, a atmosfera ficava cada vez mais intimidadora. Pouco a pouco começou a ver corpos de colonizadores freelanders mortos pelo caminho, e ao investigá-los, viu que morreram sem ferimentos graves externos, com um tipo de veneno que além de matar, deixava o corpo rígido e a pele extremamente pálida. Logo, corpos de nativos estirados pelo chão com ferimentos de batalha, cortes e impactos. Se percebia claramente o desenvolvimento do combate, guerreiros nômades atacaram de surpresa, mas em pouco tempo o jogo virou.

Em alguns minutos mais de caminhada, chegaram num pequeno acampamento onde estavam os sobreviventes do batalhão Litera, e seu general de mesmo nome. "Litera," disse o major. 

"Oswald, seus reforços demoraram demais," disse num tom estrito o general de cabelo ruivo, "mas no fim não foram necessários." Ele limpava o sangue de sua espada com a túnica marrom que vestia.

O major apenas acenou com a cabeça e observou um pouco o acampamento, e logo se exaltou ao ver quatro prisioneiros indígenas pendurados em um galho e presos. Um deles morto, desangrando pelo pescoço, outros dois com claros sinais de tortura e outro lutando para manter a consciência com uma mescla de fúria e horror nos olhos, visão essa que causou repulsa no homem, que após olhar mais atentamente, se deu conta das tatuagens nos braços dos índios. "Espera você tem prisioneiros da tribo Angkur Kwat?"

"Não me dou ao trabalho de saber os nomes estranhos, mas sim," respondeu arrogantemente o outro. "Logo logo serão interrogados e batizados, viver a vida como Deus manda."

"Idiota! Solte-os rápido! Guerreiros de Angkur Kwat sempre voltam por seus compan-" calou ao se dar conta da pele cada vez mais pálida do general, e sua expressão de terror total, este que logo caía morto no chão junto com a espada, e em seu pescoço, se via cravado um tipo de agulha de pau envolvida num líquido verde que escorria do pescoço do homem.

"Merda!" Era uma emboscada. Com a mais pura intuição, ele sentiu uma presença ameaçadora vindo de trás, e levantou o braço direito nessa direção para se proteger, instantaneamente sentindo uma picada forte na palma da mão; uma agulha que vinha em direção ao seu pescoço atravessou sua mão direita. Primeiro, sentia seu corpo se paralisando pouco a pouco, de uma forma claustrofóbica e agonizante, e logo um calafrio por toda a extensão de sua pele. Caiu no chão na mesma posição, e o sentimento que sentiu em sua espinha foi aterrador, a sensação da morte se aproximando lentamente, aquela picada na mão que parecia queimar como o fogo do inferno.. Nunca havia sentido um desespero assim, tão repentino que nem sua vida nem sua morte faziam sentido, tão intenso que seu corpo não aguentou e acabou desmaiando.

~ ✡️ ~

Felizmente, o explorador viveu pra ver mais um dia. Foi o que percebeu ao abrir os olhos e ver um teto de folhas. A primeira coisa que pensou, o momento de foco dos quase-últimos momentos de sua vida, a mão. E para sua surpresa, ela não estava. A mão direita havia sido amputada.

"... É um preço baixo a se pagar."

Se levantou e saiu da tenda de folhagens e grandes folhas de bananeira com galhos entrelaçados. Algumas arquiteturas bem bonitas e criativas, pensou o explorador junto comigo. Também viu pessoas andando por entre as árvores e conversando uma língua ancestral, outras colhendo frutos, outras simplesmente deitadas relaxando. Percebeu um velho com um grande cocar de penas que vinha em sua direção.

"Hum, você sobreviveu," disse o velho, até suspirando em alívio notável. Felizmente essa língua anciã nosso protagonista já havia estudado enquanto pesquisava sobre tribos e sociedades nativas dos continentes de fora. "Você foi vítima. O espírito nos avisou, nós te salvamos," disse o velho que, com suas palavras calmas, aparentava ser um sábio sacerdote, ou uma figura de autoridade ali.

"Muito obrigado," agradeceu o homem, "você me salvou apesar do que meus compatriotas estavam fazendo com seus povos... não tenho como agradecer o suficiente."

"Como disse, o espírito nos avisou. Aqui, todos iguais. Se quiser, pode viver aqui. Aprender nossos costumes e tradições."

O explorador se emocionou, e pensou que seria uma grande oportunidade para conhecer melhor os povos nativos e escapar daquele ciclo de morte e ódio. Pensou na sua família, mas a própria campanha militar duraria anos de qualquer forma. "Sim, gostaria muito. Meu nome é Oswald." Falava meio enrolado por ser sua primeira vez falando aquele idioma.

"Ozu...?" A diferença linguística era tanta que nem permitia o índio pronunciar esse nome estranho, e ele riu. 

O homem foi destituído de seu nome e prometido um novo no futuro, um nome proveniente da sua própria natureza interior verdadeira, e logo começou a se adaptar à rotina daquele grupo; uma mediana tribo xamanística e pacífica que vivia em harmonia com a natureza e ajudava forasteiros de acordo com as instruções dos espíritos, tribo essa chamada Annu Mogi, e que vivia ali desde tempos imemoriais, bem antes do próprio império de Sarkan ou, ainda muito antes, da revolução de Bélanger.

O antes explorador, agora aprendiz, aprendia as filosofias espirituais da tribo constantemente e logo foi percebendo a importância e a magnitude desse tipo de perspectiva de realidade. A conexão sagrada do homem tanto com a natureza quanto com o outro, quanto com o resto do planeta e o universo inteiro. Essa conexão universal proveniente da energia fundamental que acaba por criar, através de suas vibrações, a dimensão física e todas as outras. O poder verdadeiro da mente sobre a realidade e a importância e fundamentalidade da consciência, que dada a chance sempre traz à tona as características positivas do ser humano.

Cada dia era incrível para nosso aprendiz sem nome, pois a todo momento, um pensamento novo invadia sua mente e o fazia refletir por horas e horas sobre essas filosofias gnósticas e holísticas que os sábios espirituais da tribo o apresentavam e discutiam junto. Ele, que sempre foi fiel a Deus e a sua igreja, estava experimentando outra perspectiva, muito mais profunda e pura, do que pode ser considerado divino, através dessa conexão com o todo.

E de repente, o universo era tão mais impressionante. O planeta muito mais importante. Os problemas bem menos significantes. E as guerras tão completamente inecessárias. Essa experiência de desenvolvimento mental e espiritual, de inquietude mas ao mesmo tempo clareza, de poder analisar a realidade e absorver a informação de diversas perspectivas diferentes, uma revolução do pensamento por assim dizer, é o que chamamos de despertar da consciência. Era a experiência pela que passava e com a qual aprendia todos os dias o aprendiz espiritual, e por certo, uma pela qual todos podemos passar. 

Os sábios da tribo perceberam isso, e decidiram que o homem estava preparado para o ritual de iniciação. Um "batismo", por assim dizer. E em algumas semanas de espera pelo momento astrológico perfeito, o tempo chegou.

Era uma noite de lua cheia, que brilhava e iluminava por completo o altar de folhas onde o velho índio sábio amassava umas plantas e as mesclava pouco a pouco. "Nunca vi uma lua tão iluminante assim," pensou o quase-não-mais aprendiz enquanto mirava o céu, "e tão linda também." Os outros índios dançavam ao som dos tambores que soavam rítmicos e calmos, criando uma atmosfera leve, gentil e acolhedora. O velho jogou água quente na mistura e a filtrou minutos depois, fazendo um chá de cor marrom, com uma aparência bem nojenta, o qual levou para o iniciado.

O homem respirou fundo e tomou todo o líquido de uma vez, o que não foi uma boa ideia, já que tinha um gosto de barro e uma textura espessa que quase o fez gorfar. Em alguns minutos, começou a sentir um mal-estar em seu estômago que dessa vez realmente o fez vomitar enquanto suava frio.

Tentando se recuperar daquele mal estar, sentiu o velho índio colocando a mão em seu ombro e o confortando com um suco de maçã espremida que, naquele momento e por algum motivo, foi a melhor coisa que o homem já havia provado em toda sua vida. Sentiu o gosto doce e cítrico da maçã se envolvendo por toda sua boca e mesclando com sua língua como se fosse uma fusão química.

Essa experiência sensorial fez com que ele olhasse ao redor e fosse consciente de que ali estava. Respirou fundo e sentiu o cheiro profundamente puro do ar transmutado pelas milhões de folhas de todas as árvores dali. Ouvia aquela música suave que o acalmava de dentro pra fora de uma maneira que nunca sentiu antes. Olhou para as próprias mãos, enquanto o cenário das árvores e índios dançando se desfocava atrás da palma. Olhou para seus dedos, percebeu suas impressões digitais, e conseguiu enxergar por completo seus padrões espirais e únicos.

"Isso faz parte da minha individualidade?" Indagou, e as espirais de suas digitais, pouco a pouco, começaram a se expandir e mesclar com o cenário desfocado de trás, como se sua perspectiva de distância não existisse... isso acabou causando certa ansiedade no homem, mas ele sente uma presença confortante e amorosa envolver todo seu ser, que de alguma forma, lhe transmitiu a sensação de que tudo estava bem, e ele se deixou levar pelo sentimento positivo que estava sentindo.

Um amor puro e incondicional, um sentimento de aceitação e gratidão completa por tudo e todos. Lembrou de sua esposa e todos os momentos felizes que passaram juntos conseguiu ver e viver com os olhos fechados, o nascimento de sua filha e a bênção de vê-la crescer, e esse amor profundo que sentia apenas se intensificava e emanava de todo seu ser. Por todas as pessoas dali, que o salvaram e o estavam ensinando filosofias maravilhosas e iluminadoras, pelo universo e sua constante transformação inocente e infinitamente fluída, pela incrível biodiversidade do planeta tanto de lindos, inocentes e instintivos animais, quanto de complexos seres humanos, cada um um mundo cheio de ideologias e pensamentos e emoções e experiências que os tornam quem são, um ser único e impressionante... e sem dúvida, por essas experiências extraordinárias e sensações sublimes que lhe mostravam outra faceta da existência, algo muito mais profundo e fundamental.

O homem começa a sentir uma vibração forte em sua cabeça que estranhamente parecia vibrar de dentro pra fora, e que cada vez mais se concentrava em um único ponto entre seus olhos, na testa, e logo se espalhava rápidamente por todo o corpo. Essa vibração continuou aumentando sua frequência, cada vez mais confusa e aguda e ensurdecedora, até o ponto de parecer explodir.

E explodiu o ego do homem em mil pedaços.

É difícil tentar explicar a experiência do homem em palavras, mas ele experienciou na pele a totalidade das coisas. A ilusão de separação criada pelo ego, depois de destruída, fez com que apenas a consciência pura emergesse. Apenas consciência deste eterno instante, deste infinito cosmos, da conexão energética e universal com todas as coisas, da preciosidade e divindade da vida e da experiência individual. Percebeu seu lugar e propósito nesse mar de vibrações infinito em oscilações. ELE era o universo, pois não apenas o habitava, mas fazia parte dele.

Ele era Deus, e cocriador da sua realidade e da dos outros.

O iniciado espiritual não existia. Tudo que existia naquele momento era a totalidade. Era o infinito. Era todas as possibilidades, todas as experiências e todas as emoções. Uma energia única e eterna, em constante transmutação, responsável por todos os eventos de todas as possíveis realidades, em todas as escalas, do quântico ao cósmico. Uma consciência universal que engloba a tudo e a todos, a qual tudo e todos pertencemos, mas que também nos pertence.

Este momento foi eterno enquanto durou, assim como a intensidade dessa energia total e harmoniosa. Naquele infinito instante, sendo parte dessa consciência universal fundamental a todas as coisas, sentiu a chave de tudo isso expressar-se em si, essa frequência unificadora e empática chamada amor, vibrando cada vez mais forte em sua essência, e em um dado momento sentiu como um "estalo" em seu cérebro. Como se de repente, tivesse todas as respostas das perguntas mais fundamentais.

Lentamente foi voltando à realidade física enquanto seu ego se reconstruía na forma de sua personalidade e logo seu corpo, e uma luz púrpura começou a brilhar entre seus olhos, que o cegou e o fez cair no chão sem forças.

Sua Faísca foi acesa, e ele ascendeu.

Esse sentimento acolhedor de paz interior e luz continuou por mais algumas horas de emoções, filosofias, meditação, dança, diversão, mitos e histórias em volta da fogueira e muito amor. E enquanto meditava, ouviu uma voz vir de dentro do seu coração, que dizia: "Yesod." Pouco a pouco, o homem foi voltando ao seu estado natural alerta de consciência, e apenas murmurava como se nada tivesse acontecido: "Yesod... Yesod, esse é meu nome."

Desde então, foi conhecido por esse nome. "Yesod, o Transcendental".

~ ☯️ ~

Agora com sua consciência livre das correntes do ego, e sua Faísca do Destino despertada, Yesod conseguiu evoluir constantemente, com a prática ao passar do tempo, as habilidades psíquicas inerentes ao ser humano. Começou a viajar por outros planos de existência através da projeção astral, explorando assim o Plano Astral — um plano superior onde a energia universal vibra em frequências mais altas, que também está intrínsecamente conectado com nosso plano físico, onde vivem seres de consciência elevada, seres mitológicos e etéreos, e também onde ocorrem nossos sonhos todas as noites, conhecido também como  mundo espiritual e quinta dimensão.

Visitando este plano através do desdobramento, Yesod era constantemente maravilhado por todas as belezas, paisagens, lugares misteriosos e magníficos e seres peculiares e interessantes dali. Sendo uma dimensão de maior frequência, as leis naturais dali possuíam algumas peculiaridades energéticas. Naquele lugar, por exemplo, todo pensamento era manifestado na realidade como se surgisse do nada, podendo criar qualquer coisa que imaginasse. Também podia voar e visitar o lugar que quisesse, na velocidade de apenas pensar nele e ali estar, tanto na Terra quanto no espaço, tanto nessa dimensão quanto em outras. Jornadas quase infinitas e belas, cheias de cenários novos e ricos em formas e cores, quase psicodélicos,  que pareciam surgir da mente criativa de um paisajista cósmico; criaturas inacreditáveis com anatomias estranhas, mescladas ou colossais, criaturas que ririam na cara de Darwin (ou o admirariam) com as quais se conseguia comunicar telepaticamente. Até seres como anjos e demônios, espíritos, fadas e gnomos... Literalmente o paraíso de qualquer explorador.

Percebeu que tinha muita facilidade com o desenvolver dessas habilidades provenientes do terceiro olho. Clarividência, visão remota, sinestesia sensorial, telepatia até certo ponto, entre outras. Seus conhecimentos e experiências espirituais vão desenvolvendo cada vez mais esse entendimento universal, o que vai pouco a pouco desenvolvendo Yesod como pessoa.

Começou a se relacionar muito mais com os outros, buscando uma conexão maior e mais profunda com todos que conhecia. Começou a se interessar pelo que todos tinham a dizer, e ouvir suas histórias de vida e pensamentos e ideologias se tornou uma de suas maiores paixões. Conseguia se relacionar com os relatos, as histórias e as emoções, perceber a vida através da perspectiva do outro, sentir sua dor como se fosse sua. Essa empatia foi a força que fez Yesod apreciar ainda mais a preciosidade da vida, e perceber o verdadeiro potencial do ser humano.

A sociedade de onde veio cometeu tantas atrocidades, a troco de que? Em nome de quem? Um rei corrupto e egocêntrico que vive em seu castelo enquanto milhares passam fome e se sacrificam pagando impostos? Um Deus que ao invés de unir as pessoas na bela unidade infinita que realmente são, as segrega e mata pelos motivos mais barbáricos? Por terras novas e progresso, mas tendo que massacrar povos pacíficos no processo e declarar guerras onde milhões acabam morrendo? Ou por poder e dinheiro, pelos interesses ocultos dos que os enviaram ali em primeiro lugar...?

Quanto mais se relacionava e refletia, mais Yesod percebia os falhos da sociedade em que vivia. Tudo estava nítido, claro como a luz, e ele já não queria mais ser parte disso. Decidiu ajudar as tribos e nômades da forma que pudesse. 

"Felizmente, tenho o universo ao meu dispor," pensou ele em um de seus devaneios e riu.

Pois é, esse último pensamento foi só mais um dos conhecimentos que adquiriu Yesod com seu despertar. A realidade, meus amigos, é subjetiva para cada um. Ela é uma criação dos nossos sentidos, que absorvem a informação da melhor maneira limitada que podem, e montam em nosso cérebro a imagem que percebemos como realidade. Diferentes consciências percebem diferentes realidades, mas todas existem ao mesmo tempo relativo e influenciam umas nas outras. Tudo é questão de perspectiva, incluindo as propriedades mais fundamentais do espaço-tempo.

Infelizmente, o fato de criarmos uma realidade individual através de nossos sentidos e valores, acaba levantando também uma barreira separadora do resto do conjunto, que é o ego.

O ego cria a ilusão da separação.

Mas na verdade, como sentiu Yesod em sua experiência epifânica, e eu mesmo quando abri a Pedra Filosofal, todos estamos conectados, porque TUDO é energia. E tudo está conectado por essa energia universal que tudo compõe. Nós somos o universo, e por isso, temos total controle sobre a realidade que criamos. E Yesod sabia disso.

Ainda assim, ele precisava saber como agir. Não ligava para o fato de ser um freelander, mas pensava em sua família. Como suas ações naquela situação a afetariam? Como suas ações no plano físico e astral afetariam esses mesmos? E o que poderia fazer, em primero lugar?

Em busca de conselhos para seus dilemas morais, ele vagava refletindo pela quinta dimensão, flutuando entre oceanos púrpuras de magnésio, labirintos de gigantescas árvores de cerejeira e estrelas de neutrons orbitando buracos negros.

Reflexionando sobre seu propósito ali, ele procurava algo que pudesse fazer para ao menos aliviar o sofrimento do planeta e seus seres. Em busca de conselhos, procurou por seu guia espiritual, e foi então que me encontrou.

Pode parecer estranho, caro leitor, mas essa história eu vos conto desde o Plano Astral. Digamos que aqui, o tempo passa de forma um pouco(muito) diferente... bom, não entrarei em detalhes. Não coincidentemente, o destino me levou a ser o guia espiritual de Yesod; e no momento em que buscou meu conselho, aqui estava ele.

"... olá," me cumprimentou com certa relutância ele.

"Bem vindo ao meu humilde cantinho nesse plano existencial." Me aproximei e o abracei forte, "me chamo Cornelius, e parece que sou seu conselheiro espiritual."

"Muito prazer, Cornelius!" Ele instantaneamente abriu um sorriso, que retribuí. Mesmo que não o conhecesse completamente de todas as perspectivas, perceberia que é um bom homem em seus olhos. "Estou buscando respostas, mas não as encontro... O que posso fazer para ajudar as pessoas? Qual é meu papel nesse mundo? Eu sinto como se uma voz dentro de mim me dissesse para seguir em frente, mas não sei a direção..." estava notavelmente angustiado.

"Meu amigo," pousei a mão em seu ombro, "pode ter certeza que você ajudará muitas pessoas nessa encarnação. Você tem uma grande missão a cumprir nesse plano, maior do que você imagina... Tempos turbulentos e decisivos tanto para a humanidade quanto para o universo estão de caminho, e você está no olho do furacão."

Vi a expressão dele mudar de inquietude para surpresa total enquanto ouvia minhas palavras. Sabia que no fundo, a magnitude dessas revelações o assustou. "Não precisa se preocupar, tudo ao seu tempo," disse tranquilamente, "você está passando por um processo complexo, iluminador... aconselho que escute as vozes que sente dentro de ti, isso é sua intuição falando, e a intuição é uma das propriedades mais importantes da consciência, é o universo se comunicando com você. Utilize dessa intuição e esses conhecimentos para fazer o que acha que é certo. Não tenha dúvidas, se escute."

Ele ouviu atentamente e suspirou. "Obrigado," me respondeu com uma expressão serena.

"Outra coisa de suma importância, sei que você está ocupado com suas próprias crises existenciais, mas tenho um favor a pedir," lhe disse.

"Claro, o que seja."

"Bom, é um pouco embaraçoso pedir assim, sendo seu espírito guia e tudo, mas o assunto urge. Nos planos de maior frequência desta dimensão, se encontra a Pedra Filosofal. Preciso que você a encontre."

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