Mao - II
Dando um passo atrás e vendo a grande escala das coisas, o período milenar do império de terror de Sarkan não foi dos mais devastadores. Sim, foi desumano, e motivo de muitas mortes sem sentido, torturas horríveis, exploração, fome e energias negativas deturpando o consciente coletivo, mas apenas a raça humana sofreu durante esse regime. A sociedade criada pelo ser humano antes de Sarkan tomar posse do poder era extremamente falha e não afetava apenas os humanos, mas também os animais e o próprio planeta Terra de uma forma profundamente nociva, a ponto de quase extinguí-la. Uma sociedade fundada e evoluída sob um estado de consciência alerta, vigia; consequentemente criando um sistema controlado pela lógica, e assim abrindo portas para que este mesmo fosse manipulado por quem tivesse mais poder e dinheiro — cujo assunto nem entrarei para não me perder.
Em parêntesis, a diferença entre a lógica e a emoção deve ser comentada, meu leitor, pois essas sutilezas que passam despercebidas fazem toda a diferença quando refletidas. Com a lógica e a razão, o ser humano pode justificar qualquer ação ou evento, não importa o quão abominável possa ser, apenas baseando-se nos seus próprios valores morais e subconscientemente julgando. Guerras, genocídios, preconceito, desigualdade, destruição, poluição, desmatamento, manipulação, exploração... Tudo por um motivo. Por um país, por uma ideologia, por pensamentos pessoais ou até mesmo por Deus. O raciocínio legitimiza os atos mais desumanos que o ser humano pode cometer.
Já a emoção, não. A emoção acolhe, entende, ajuda. O sentimento empatiza e se relaciona, se indigna com a exploração do homem e a desigualdade segregadora, e fará todo o possível pra criar uma comunidade onde todos sejam iguais e felizes juntos. Afortunadamente, no decorrer da história humana já vimos e ainda veremos surgirem civilizações crescendo baseadas nesse estado de consciência empático, mas desgraçadamente não era o caso do ser humano no século XXI e o sistema que o controlava antes do imperador começar seu domínio.
Sarkan unificou o mundo à força em apenas um governo, o seu império ditatorial. Nas primeiras décadas as coisas iam bem, e alguns até veneravam seu novo líder — ainda que a grande maioria já o odiava desde o início por motivos que mais para frente serão revelados. Positivamente, o planeta estava salvo. Sarkan ordenou que todo o resto da humanidade vivesse na imensa capital de Vedas e seus arredores, que construiu no centro da grande Floresta de Mogu.
Fora da mítica floresta, a vegetação voltou a crescer e a natureza voltou a florescer. Junto com a fauna e a flora que voltavam à saúde e harmonia divina, povos aborígenes se desenvolviam e conviviam naturalmente com o todo. Viviam pacificamente, desde que seus interesses não entrassem em conflito com os de Sarkan e não se aproximassem da Floresta de Mogu. Os mais ousados até fugiam e tentavam a vida com esses povos, mas era uma alternativa extremista, graças ao próprio preconceito do homem.
Mas com o passar dos séculos, Sarkan pouco a pouco ia perdendo sua humanidade, e sua regência ia cada vez mais beirando a atrocidade. Tributos mensais altíssimos que deixavam os povos mais pobres na fome total, e caso recusados, tortura e pena de morte. Crianças abduzidas para serem treinadas pelo exército ou utilizadas em experimentos do próprio imperador. Controle militar totalitário sobre todos os habitantes, sem liberdade de expressão nem livre arbítrio. Realmente, um governo marcado pelo ódio de seus cidadãos.
Ódio esse que durou séculos, e ainda que muitas tentativas de revolução vieram e foram, no fundo ainda havia esperança de que essa era distorcida acabaria, e o ser humano, coletivamente, sonhava com isso.
~ ☮️ ~
Mao percebia esse ódio claramente por cada cidade que passava. Desde que encontrou Óli em um vilarejo rural, passaram juntos por outros dois vilarejos, um deles dizimado e abandonado, e uma pequena cidade desnutrida pela fome e o ódio que a permeava — naquelas condições precárias não havia espaço para a empatia — enquanto iam de caminho à cidade de Ek Chuak. Mao dizimava qualquer cão do exército e bandido que via pela frente sem pensar duas vezes, após trocar algumas palavras arrogantes e extorquir informação e recursos, o que fez seu nome correr cada vez mais pela boca do povo. Em alguns dias, já estavam os dois em uma das estradas que os levaria à cidade mercantil.
"Até que enfim estamos chegando, Mao!" Disse Óli enquanto olhava para o horizonte na ponta dos pés, "já consigo ver Ek Chuak daqui."
"Sem pressa, meu caro Óli," respondeu calmamente. "A jornada durará o que tem que durar."
"Você diz isso mas passou metade do caminho reclamando."
"Isso e o tédio são coisas diferentes!" Contestou com o punho cerrado no ar. "Pelo menos apareceram aqueles bandidos pra me divertir um pouco."
"... seu conceito de diversão é um pouco macabro, Mao."
Óli percebeu que o fluxo de pessoas era bem maior naquela estrada. Várias famílias voltavam dali enquanto eles iam. Já Mao percebeu que carregavam objetos estranhos, utensílios coloridos e ornamentais, de aparência custosa — estranho comparado com a miséria que presenciou até chegar ali — e também mantimentos de todos os tipos levados em bolsas e cavalos magros.
"Ek Chuak é uma cidade rica, Óli?" Perguntou ao pequeno.
"Rica? O único lugar rico desse mundo é o distrito central da capital de Vedas, onde vive o maldito Sarkan," disse e cuspiu no chão ao mencionar o nome. "Mas ouvi falar que Ek Chuak é um centro comercial, talvez por isso tenha tanto movimento."
Com a mão no queixo, Mao apenas pensava.
~ × ~
Não demorou muito mais para que chegassem no grande arco de entrada da cidade, onde havia gravado diversas inscrições antigas e, em seu topo, a figura de um deus negro com uma lança em uma mão e na outra uma bolsa. Ao lado do arco, uma placa dizia "Ek Chuak, cidade dos mercadores." Olhando ao lado, nas duas direções, se viam outras estradas conectadas com a cidade, que se estendiam até o fim do horizonte. Aquele era um dos pontos centrais do império e a cidade mais economicamente importante.
"Entramos? Ouvi falar coisas interessantíssimas desse lugar, Mao," comentou Óli.
"Já estamos aqui." Respondeu meio ríspido o homem, e começaram a caminhar. Era amigável com conhecidos, mas não gostava de comentários e perguntas óbvias.
A cidade não era luxuosa, mas tinha seu charme. As ruas lotadas de gente indo e vindo com os produtos mais variados, comprando, vendendo, trocando, conversando; altas risadas eram ouvidas de dentro dos bares. Certamente uma vista bastante diferente das cidades pelas quais havia passado Mao antes. As casas e estruturas pareciam uma mescla de concreto e barro, com detalhes em mármore de várias cores diferentes, desde casebres velhos até edifícios de vários andares, arquiteturas bastante flexíveis, assimétricas, e algumas bastante complexas apesar da aparência simplista.
Quanto mais se aproximavam do centro — após perguntarem como se chegava lá — mais aumentava o trânsito de pessoas, até o ponto de quase não conseguir se mover livremente sem esbarrar em alguém. No meio do labirinto de gente passavam carroças cheias de mercadorias de todos os tipos, e nas calçadas, estandes cheios de gente olhando, enquanto as vozes soavam alto: "artefato raro da gruta de Baba Yaga a preço de trigo!" "Maçã gigante do bosque de Wan fresquinha!" "Minério de ferro branco bruto! Polir como desejar!" "Oferta de jarros de formigas Inídeas! Acabe com as pragas da sua plantação pela metade do preço!"
Mao não sabia explicar, mas aquele cenário o agradava de certa forma, e um sorriso foi esboçado naturalmente em seu rosto. Era como se a atmosfera hostil causada pela opressão de Sarkan nem existisse ali, e não era constantemente lembrado de seu ódio e ambição. "Ei, você! Que tem dentro dessa bolsa?!" Isso até dar de cara com um grupo de quatro soldados abordando um velho mercador, e ser puxado de volta para a realidade.
"N-nada, oficial," respondeu apreensivo o velho, "apenas cristais artesanais."
Apesar da certa distância, com sua visão aguçada, Mao conseguiu ver de relance um punhado de cristais dentro da bolsa do velho, e se surpreendeu.
"Me dá essa bolsa!" Gritou o soldado enquanto puxava com força a alça da bolsa do velho, que a segurava como se sua vida dependesse disso.
"Não, por favor, são só cristais! São meu ganha-pão, por favor!"
Sem paciência nem tolerância, o soldado puxou de seu cinto um bastão retrátil vermelho escarlate, que parecia arder por si só, e foi dar um golpe nas costelas do velho pra que soltasse a bolsa, mas acabou sentindo ele mesmo um forte golpe na cara que literalmente o lançou pelos ares enquanto seu corpo girava como um boneco aerodinâmico, e ao cair, sentiu sua coluna quebrando e sem nem tempo de gritar, perdeu a consciência.
Todos imediatamente pararam o que faziam e aquela avenida tumultuada e incessante agora estava silenciosa, e todos os olhares miravam apreensivos o homem de compridos e presos cabelos negros e vestes orientais, que devolvia a bolsa ao velho e dizia: "aqui está. Logo quero te perguntar mais sobre isso," e o velho boquiaberto apenas acenou com a cabeça.
Os outros três soldados, completamente surpresos, logo caíram na real e se exaltaram juntos. "Q-quem é você?!" Perguntou um deles.
"Finalmente, minha pergunta favorita," disse sorrindo arrogantemente o homem. Em um piscar de olhos, agarrou com a mão direita a cabeça do soldado que o dirigiu a palavra, que nem com toda sua força conseguiu escapar do aperto intenso que quase rachava seu crânio. "MAO! ESSE É MEU NOME!" E arremessou o militar no chão com tanta força que afundou sua cabeça na terra batida, e logo sangue jorrava do buraco enquanto seu corpo já era imóvel.
De repente o silêncio se converteu em gritos de comemoração e aplausos. Já estavam todos hartos do abuso militar que rolava da parte do exército, e ver alguém obliterando-os como se nada era colirio para os olhos do povo.
"Vão ficar aí parados?" Perguntou calmamente Mao aos dois soldados que tremiam de medo ao ver a cena grotesca a sua frente, e dois de seus companheiros provavelmente mortos em instantes. "Eu não ia fazer nada, mas se é assim..." jogou o braço esquerdo pra trás, posicionou os pés rapidamente e em um instante estava de frente ao penúltimo dos oficiais, este que ao olhar nos profundos olhos negros de Mao e sentir sua intenção assassina, quase desmaiou ali mesmo, desperto apenas pelo golpe no estômago que o fez vomitar e cair de joelhos, e então sim, desmaiar. "Você, último cãozinho," Mao virou o olhar ao último dos soldados que apenas o mirava com terror absoluto no olhar, "vá e avise seus superiores que seus dias nesse mundo estão contados, porque o Mao chegou na cidade." E riu presunçosamente. Após um pequeno delay mental, o soldado se virou apressadamente e saiu correndo por entre as massas, gritando em desespero.
O povo ao redor aplaudia eufórico, quase não acreditava em seus olhos. Nem o exército revolucionário confrontava de frente os militares do exército de Sarkan, tanto pelas suas habilidades e equipamentos alquímicos quanto a possível retaliação, e todos clamavam pelo nome de Mao. Óli comemorou junto, já que adorava ver o guerreiro chutar bundas imperiais, e em seguida foi em sua direção.
"Velho, esses cristais em sua bolsa," indagou Mao ao mercador, "são Links, não são? Onde os conseguiu?"
"Era pra ser um segredo," comentou o velho até meio surpreso, "mas depois de ver o que vi, te contarei tudo," respondeu contente o velho, "siga-me por favor."
Mao olhou para trás em busca de Óli, e ao ver que o mesmo ia se aproximando o chamou com um gesto, se virou e acompanhou o velho.
~ ☮️ ~
Após alguns minutos caminhando e muitas voltas dadas por entre ruas e vielas, estavam os três em um distrito residencial da cidade, se metendo entre becos isolados, tanto que nem parecia a mesma Ek Chuak. Em um beco sem saída, se aproximaram de uma porta meio camuflada entre panos sujos, e o velho deu nela sete toques em uma sequência rítmica. Uma viseira se abriu e alguém observou os três, e logo abriu a porta ao reconhecer o velho e a senha. Os três entraram e foram barrados pela mulher que os observou.
"E vocês quem são?"
"Eu trouxe um cara incrível, Trisha," comentou o velho. "Se chama Mao, e o menino... qual era seu nome mesmo?"
"Óli, senhora!"
"Senhora?" Pensou irritada. "Bom, confiamos no julgamento do velho Yin. Cuidado com os degrais," e saiu da frente, revelando uma escada que levava a um subsolo.
O velho Yin desceu primeiro, acompanhado pelos dois logo após. Estava escuro e silencioso, o que criava uma atmosfera de suspense que deixou Óli bem paranoico. Dobrando a esquina e chegando ao fim do corredor, encontraram outra grande e espessa porta de metal, que após repetir o mesmo processo de antes, foi aberta e revelou uma imensa base metálica subterrânea, cheia de gente andando de um lado pro outro, planejando, reparando armas e treinando. A pesada porta de metal abafava qualquer ruído, mas ali dentro quase não se escutava nem a própria voz.
"Bem vindos à base do exército revolucionário," disse o velho.
"O quê?!" Exclamou surpreso Óli. "Ouvi dizer que os rebeldes estavam em Ek Chuak, mas não acredito que chegamos aqui tão cedo, Mao!"
Este nem respondeu.
"Yin, você voltou!" Um homem loiro veio em sua direção e o abraçou. "E quem são esses?"
"Eu sou Óli," interrompeu o garoto bem quando falaria o velho, "e esse do meu lado é o grande guerreiro Mao! Não esqueça esse nome." Mao riu de leve.
"Mao, é? Já ouvi falar de você, muitos rumores sobre sua pessoa. Então você deixa criancinhas te apresentarem no seu lugar?"
"Não me leve a mal, mas não tenho tempo pra isso," respondeu bruscamente o homem. "Velho, sobre esses Links, vai me contar ou não?"
"Espere, espere. Tudo será revelado em seu devido tempo," respondeu calmamente o velho. "Silas, esse homem é impressionante. Derrotou um grupo de soldados do exército como se fossem moscas."
"Olha, muito bem," disse o loiro acenando com a cabeça e genuinamente impressionado, "não achei que ainda existia gente brava o suficiente, ou tola assim."
Uma veia saltou na testa de Mao. "Só esclarecendo que posso destruir esse lugar e todos aqui facilmente."
"C-calma, Mao," falou Óli exaltado, sabia do que o homem era capaz e ainda não conhecia os limites de sua paciência, "o exército revolucionário é a última esperança da humanidade contra a tirania de Sarkan! Pelo menos ouça o que eles têm a dizer."
"Foi uma piada, Óli."
"Hahaha, interesante," disse o homem. "Me chamo Silas, o atual líder do exército revolucionário. Mao, se o velho Yin se interessou em você, então deve ser um homem e tanto."
"Isso sim é verdade," respondeu com um sorriso no canto da boca.
"Humilde, hein," comentou rindo o loiro. "Nossa, fazia tempo que não ria aqui embaixo. Parece que já não há tempo nem motivos pra isso," e soltou um suspiro. "Pelo menos nossa última missão foi um sucesso."
"Essa missão tem a ver com os Links que o velho leva na bolsa?" Perguntou Mao meio inquieto.
"Sim," disse. "Não sei se você sabe, mas os Links são uma tecnologia nova desenvolvida pelo próprio Sarkan. Conseguimos invadir um de seus laboratórios e roubamos tanto a fórmula de criação quanto alguns moldes."
"Eu sempre me perguntei o que era isso," comentou enquanto mostrava a parte traseira da mão direita, revelando o losango de cristal cor de ferrugem ali preso, afundado dentro da pele. "Desde aquele dia sempre o tive comigo, mas nunca entendi o que era."
"Esse Link... parece um protótipo!" Exclamou Silas. "Desde quando o tem?"
"Muito tempo. Pode me contar mais sobre eles?"
"Na verdade, também não sabemos muito. Os Links são uma tecnologia misteriosa e avançada, intimamente conectada com a consciência e o psicológico do usuário," explicou. "Não tem como saber como foram criados, imagino que pelo mesmíssimo Sarkan, sabemos apenas que com eles, podemos nos conectar com seres de outras dimensões, e receber uma fração de seus conhecimentos e habilidades. Deuses, seres mitológicos, espíritos e até demônios. Quanto mais forte for a conexão, maior a porção de poder recebida."
"Curioso," pensou Mao.
"Por isso as pessoas voltaram a acreditar em deuses antigos?" Perguntou Óli, que já havia se dado conta disso observando as pessoas nos últimos dias.
"Exato, a maneira mais fácil de criar uma conexão com esses seres ou deuses, é simplesmente acreditar. E como os efeitos são reais, as pessoas acreditam muito mais facilmente em suas entidades protetoras," contestou o líder. "Realmente é uma tecnologia revolucionária. Sarkan pode ser um miserável desumano, mas também é um gênio."
Óli revirou os olhos.
"Pensei que essa era uma tecnologia extremamente limitada," comentou Mao. "Como está caindo nas mãos de povo então? De caminho pra cá, vi muitas famílias carregando objetos estranhos, utensílios e recursos. Imagino que feitos com ajuda dos Links."
"Muito observador," falou o velho Yin. "Distribuir os Links é minha missão. Não é a primeira vez que invadimos com sucesso um dos laboratórios de Sarkan, apesar dessa vez ter sido a mais frutífera. Nessa era caótica em que vivemos, o povo é quem mais sofre com as injustiças do império, então nada mais justo que compensá-los com tecnologia do próprio império, não é?" E sorriu.
"É verdade!" Saltou Óli.
"Mas claro, por ainda não conseguirmos criar Links em grande quantidade e ser muito difícil fabricar um estável que seja, criamos utensílios e objetos elementais com eles, e distribuímos para as pessoas," articulou Silas.
"E imagino que armas também," proferiu Mao.
"Também. Apesar dos Links funcionarem bem diferente de armas normais. Temos armas elementais que também conseguimos dos laboratórios de Sarkan, e também em operações em bases militares, mas como o Link depende de muitos fatores incluindo psicológico e crenças do usuário, nem todos conseguem manejá-lo eficientemente."
"Em compensação, os que conseguem, chegam longe com ele," disse Yin levantando o turbante que escondia sua testa, revelando um cristal tetraedro de cor roxa preso entre suas sobrancelhas no meio da testa. "Realmente é uma ferramenta espiritual poderosíssima. Pessoas que já tinham uma conexão espiritual com o universo são mais sensíveis ao Link, por isso acabaram quase todas sequestradas por Sarkan para seus experimentos, e se alistando obrigatoriamente ao seu exército." Yin resolveu não comentar, mas havia sido um deles. Era um mestre esotérico com sua própria escola de iniciação em um longínquo país, e em sua peregrinação foi sequestrado. Com a maestria espiritual do Link, elevou sua consciência a altos níveis de frequência, e assim conseguia 'ler' a alma e a aura das pessoas, sabendo em quem confiar e para quem dar Links e ferramentas. "O próprio general regente de Ek Chuak era um xamã que foi sequestrado, e no mando do império foi corrompido pelos poderes do Link, estudando o voodoo e suas entidades malignas."
"Isso não é problema pra mim," respondeu rápido Mao, "já que de qualquer forma o matarei."
"Sei que você parece um cara impressionante, mas melhor tomar cuidado com esse bruxo, Mao," advertiu Yin.
Ele apenas fitou o velho em seus olhos.
"Mao, imagino que em sua viagem, viu o estado em que estamos sob o comando de Sarkan," disse em tom sério Silas, "os altos impostos, a intolerância do imperador, a submissão das pessoas. Muitos não podem fazer nada contra e morrem por isso. Mas você sim pode mudar as coisas, e agora que chegou aqui, penso que foi por algum motivo." Pausou por um momento e se aproximou do homem. "Gostaria de se juntar ao exército revolucionário?"
Mao baixou a cabeça e pensou um pouco com os braços cruzados. Aparentemente, refletiu bastante a questão. Não era tão empático a ponto de ativamente querer ajudar as pessoas que encontrou, mas aquele estado precário em que vivia a grande maioria realmente não o agradava, e o incomodava de uma maneira profunda e inexplicável. Quanto mais pensava, mais lembrava das coisas que viu nos últimos meses em sua jornada, e cada memória desencadeava outra, até vir em sua mente o motivo pelo qual estava ali, e apenas a lembrança o chocou até fisicamente.
"Foi mal, mas recuso. Entendo o estado doentio que estão as coisas, e até gostaria de ajudar," respirou um momento, "mas meu objetivo é um só." Seus olhos mudaram de repente e em suas pupilas se via um brilho distinto, uma chama, e em sua expressão uma mescla de adrenalina com ódio. "Conseguir o que nenhum conseguiu. Esse mundo... não, esse universo," levantou a mão direita e a cerrou num punho, "nessa mão eu o terei. Esse desejo, essa ambição sem fim, esse é meu único legado." Fechou os olhos e baixou a mão. "Matar Sarkan e acabar com essa raiva será apenas um prêmio de consolação."
O punho de Mao continuava fechado, tão forte que sua pele não aguentava e sangrava. Em suas veias o sangue corria mais rápido e seu coração batia mais acelerado, e em sua mente pouco a pouco memórias do passado ressurgiam e um sentimento de euforia agressiva tomava seu consciente.
Ele, deitado na neve sem poder se mover. Ao seu redor, os cadáveres de sua família e todo seu clã. No ar o cheiro de ferro impregnava suas narinas e uma risada sádica era o único que escutava. Logo passos leves em sua direção. Com toda a força que lhe restava levantou a cabeça, e com a visão turva viu duas silhuetas, uma imensa como um colosso, de onde vinha a risada, e a outra se agachando ao seu lado e deixando em sua mão direita um losango de cristal transparente, que queimou em sua pele. Uma voz sutil e cálida em seu ouvido disse "viva, por favor, viva," e logo um grosso e potente tom "vamos embora, Bishop." Enquanto se distanciavam, o último que viu antes de perder a consciência foi um grande báculo dourado com duas serpentes circulando-o na ponta.
Sarkan havia dizimado o clã de Mao por seus próprios interesses. Os Azai, uma tribo nômade de guerreiros descendentes de clãs orientais que passavam suas artes marciais de geração em geração, que haviam recém atravessado o oceano após uma viagem épica e esgotadora, e chegado na floresta de Mogu. Exploradores instintivos e guerreiros poderosos, ambiciosos e temidos por muitas tribos dos continentes naturais, como eram conhecidos. Mas contra a fúria do imperador não perduraram. Mao foi o único sobrevivente, e o evento o deixou traumatizado e catatônico por dias, semanas sem fim. Talvez os efeitos do Link em seu corpo, talvez seu próprio subconsciente ou até mesmo seu próprio potencial, mas uma revelação surgiu na mente do menino como uma epifania. Após uns dias sem comer nem se mover, à beira da morte, viu sua família e amigos ao seu redor e um sentimento positivo foi preenchendo seu corpo enfraquecido pela fome e o frio. Sentiu como se todas as emoções e desejos de seu clã fossem impregnadas em suas células, como se estivesse se tornando outra pessoa, e desde aquele momento, se converteu na personificação dos ideais de seu clã. Subconscientemente, virou o guerreiro perfeito. Bravo, ousado e invencível. Qualquer limite físico desde então foi facilmente superável através da vontade pura e consciente, e nenhum medo considerável.
Os eventos ressurgiam na mente de Mao como uma torrente de informação que o deixou perplexo, como se sua mente tivesse bloqueado essa memória, mas ao mesmo tempo era ciente dela em todos os momentos de sua vida. Óli achou um pouco estranho aquele comportamento, sendo a primeira vez que o viu tão abalado, e empurrou de leve sua mão. "Mao, você tá bem?"
"Esse miserável, Sarkan..." ódio era detectado em sua voz trêmula. "Eu certamente o matarei."
O velho Yin observava Mao atentamente, e sentia dele emanar a energia mais pura e mesclada que já havia sentido. Instintiva, agressiva, emocional. Como uma criatura selvagem a ser admirada. E após um pequeno momento de silêncio, até meio constrangedor, o líder dos revolucionários interrompeu. "É uma pena que não possamos contar com sua habilidade, Mao, mas espero que complete seu objetivo. Para nós, ver esse verme morrer seria a maior alegria, e o primeiro passo para o retorno verdadeiro da humanidade."
Aquela sensação ia passando e Mao voltava ao seu estado natural e harmônico. Ficou ali com Óli mais um tempo, conversando com os rebeldes e conhecendo mais a sociedade da época, a revolução e até mais sobre os Links. Poucos dali conseguiam manejar bem, ou até mesmo estabilizar os Links com seus pensamentos. Naquela época negra da história, já restavam poucos fiéis a qualquer divindade ou acreditadores na santidade da natureza ou da alma, principalmente no exército revolucionário, onde estavam todos em constante contato com a bruta realidade. Ainda assim, alguns voluntários com afinidades espirituais se juntavam com cientistas para estudar e treinar com os Links.
Mercadores rebeldes contrabandeavam livros milenares sobre as mitologías de diversas civilizações perdidas e anciãs, e ali os espirituais estudavam as crenças mitológicas milenares. Óli começou a estudar sobre deuses antigos e se interessou principalmente na mitologia grega e a família divina de Apolo e principalmente o deus da medicina Asclepius e seus filhos. Se interessou tanto que pediu emprestado livros sobre o mesmo, para levar em sua jornada.
Após algumas horas, se despediram e prometeram não contar para ninguém sobre aquele lugar. O velho Yin os explicou mais ou menos onde estava a base militar do general voodoo, chamado Bakulu, e se foram os dois em seguida. Se despediram da guardiã Trisha — uma das poucas dali que manejava o Link — e voltaram às ruas em busca da base militar de Ek Chuak.
~ ☪️ ~
Enquanto andavam, sabiam que só precisavam encontrar algum soldado e ele mesmo os levaria até a base. Depois da cena polêmica do centro comercial, era muito possível que estivessem atrás deles como loucos. O velho Yin disse que o quartel estava ao oeste direto de Ek Chuak, fora da cidade, a alguns quilômetros e vinte minutos de caminhada, mas não sabia exatamente onde era.
Poucos eram os que se atreviam a passar por aquela estrada, que antes era uma das mais usadas do reino, pois conectava Ek Chuak com a capital de Vedas, e isso graças aos abusos cometidos pelo general Bakulu. Este era considerado por todos como louco, até mesmo psicopata, pois usava de sua autoridade para sequestrar pessoas sob falsas acusações ou simplesmente por resistir ordens absurdas, e praticar sua magia negra nelas, torturando-as no processo. E os rumores têm seu fundamento na verdade, como costuma ser, pois o psicológico de Bakulu foi terrivelmente corrompido por Sarkan, enquanto experimentava os efeitos do Link com entidades etéricas malignas. Demônios, espíritos possessivos, monstros mitológicos e outros mais. A mente de Bakulu não aguentou e isso acabou levando-o à insanidade total. Com o fim dos experimentos, Bakulu — que já era um médium extremamente espiritual e sensitivo para as habilidades do Link — acabou deixando-se possuir por dezenas de entidades que lutavam por seu lugar em sua psique, mas ironicamente, sua loucura alimentava seu ego protegendo-o de certa forma, e isso era transmutado em uma impulsividade psicótica. Com seus conhecimentos ocultos, relações íntimas com entidades paranormais e pesquisas sádicas de magia negra com o Link, acabou ganhando a posição de general diretamente de Sarkan, e ali continuava fazia anos.
Chegando cerca do portal oeste da cidade, onde não havia quase ninguém, apenas uma área residencial extremamente pobre, encontraram um grupo de cinco soldados vindo em suas direções. Estes que de cara também os perceberam, já que era raro passar alguém por ali, e se indagaram.
"Vestes estranhas e orientais, cabelo negro," listou um deles.
"Só pode ser, é o tal Mao que o general tá buscando."
"Ouvi dizer que ele massacrou o oitavo batalhão, tomem cuida-" e foi interrompido por um cascalho arremessado que acertou sua cara com tanta força que caíram os dentes da frente e perdeu o equilíbrio.
"EI!" Gritou Mao, "vão ficar cochichando aí ou me levar até sua base?!" Perguntou intimidador enquanto se aproximava deles. "Ou vou ter que matar algum de vocês pra isso?"
~ ✝️ ~
Os grandes portões de ferro verde da base militar se abriam para Mao e Óli, escoltados cordialmente pelo batalhão que tremia de nervoso com a presença e aura assassina do homem. Foi a primeira vez que sentiram essa sensação de terror e impotência. Uma ironia até, pois finalmente provavam do seu próprio veneno uma vez na vida.
Passavam por entre dezenas de batalhões que os encaravam com ódio no olhar, mas ao mesmo tempo o desviavam quando seus olhos se encontravam com os do guerreiro, e a atmosfera era tensa. Em alguns minutos, chegaram no edifício principal de três andares onde ficava o laboratório do general Bakulu, e ouviram uma voz fina, meio distorcida e claramente insana os gritar do terraço do edifício:
"Bem vindos ao meu humilde lar!" Levantava os braços ao ar. "Mao, é um belo nome. Eu gosto. É um nome potente e que joga com as palavras. Sabia que os nomes são muito importantes? Pois nomes definem a existência de algo, validam sua essência. Meu nome? Bakulu, um prazer," e se curvou de leve. "Coincidentemente é o nome de um velho demônio banido de todos os planos, que se invocado causará caos no cosmos tamanha sua negatividade. Ou era outro? Talvez parecido."
"Você fala demais," respondeu Mao. "Gosta de escutar a própria voz repugnante?"
"RUDE! Rude rude rude rude rude rude rude rude!" Ele gritava com as mãos na cabeça e os olhos arregalados. "Depois de toda minha hospitalidade! Por quê?! Os mais interessantes sempre são os mais ousados?!" Em sua face uma expressão de raiva, tristeza e confusão, e lágrimas escorriam pelos seus olhos. "Esperem um pouco mais, por favor," e batia na própria cabeça duas vezes. "Logo os saciarei."
"Esse cara aí não tá bem da cabeça não, Mao," comentou baixinho Óli.
"Na minha experiência, esses aí são os piores de todos."
"E CONTINUAAAAA! Mao, vir aqui foi seu pior erro!" O general abría um baú e buscava algo ali. Após encontrar o que fosse, riu leve e macabramente, e proferiu: "Link On: Kalfu!" Se percebia um ponto em seu pulso esquerdo brilhar vermelho por entre a túnica preta que vestia, e o branco de seus olhos ficava completamente negro. "Kalfu, esse é o experimento de hoje," falava com um antigo Deus da Lua, que respondia transmitindo uma energia densa por todo seu corpo e que deixava sua pele cinzenta como se estivesse podrida, e emanava uma aura sinistra.
"Então você invoca demônios com seu Link?" Referiu Mao. "Interessante!" Ele deu um impulso e saltou velozmente na direção do bruxo, girou duas vezes no ar e acertou um chute exorbitante em suas costelas que o lançou contra a parede como se nada, e o impacto a demoliu em cima dele.
"Fácil assim?" Pensou Mao. "Senti até seus ossos quebrando."
Os escombros foram jogados pro lado e debaixo deles saiu o general. "Normalmente não sinto nada, mas o impacto foi tão potente que danificou meu corpo em escalas astrais." Ele se levantava como se nada tivesse acontecido, apenas sua túnica suja e rasgada. "Impressionante!"
"Mas como?!" Pensou Mao, e ao ver que se levantava normalmente, correu em sua direção instintivamente e posicionou o braço esquerdo para golpear o general no plexo solar -
"PARE!" Gritou o bruxo e o corpo de Mao se paralisou bruscamente, o que o deixou surpreso e um pouco agoniado. O general revelava um boneco de palha negro amarrado com laços vermelhos nas pontas, e um coração desenhado com sangue.
"Isso é magia voodoo?" Indagava Mao. "Realmente não consigo me mexer," ele fazia força mas estava paralisado. "E aquele sangue é meu?" Ao se dar conta, sentiu uma leve ardência em sua perna.
"Percebeu?! Percebeu, percebeu?!" Disse rindo Bakulu, "quando você me deu aquele chute tão espetacular, roubei seu sangue, e o ritual estava completo! Fácil assim! Hahahaha!" E ria histéricamente, levava uma espécie de lâmina curvada na mão esquerda, que Mao percebeu logo em seguida.
"Seu merda!" Saltava uma veia na testa de Mao e seu sangue corria veloz de raiva.
"Hihihi. Link On: Barão Samedi." Um segundo Link, agora escarlate, brilhava acima do primeiro no pulso de Bakulu. Ele era conectado com grande parte das entidades vudú, desde haitianas e angolanas à africanas. Sua pupila ficava vermelha, e refletia claramente as partes do corpo de Mao que mirava. "Qual bracinho quer perder primeiro? O direito? Não, o esquerdo, com o que quis me bater." Segurou com força o braço esquerdo do boneco, cujo aperto Mao sentiu claramente em seu corpo, e pouco a pouco foi torcendo-o na direção contrária da junta, até se escutar um forte estralo, o osso do braço de Mao se quebrando.
"Merda," pensou. "Sem poder me mexer e sem um braço. Nunca pensei que isso aconteceria."
"Nenhum grito?" Se perguntou desapontado o bruxo. "Entediante. Entediante, entediante, entediante. Mas admirável!" Gritou. "Sendo assim," segurou o braço direito e o torceu com força no boneco, que fez o osso de Mao soar alto enquanto imitava o movimento. Mao sentiu intensamente, mas a dor não o afetava para nada.
"MAO!" Bradou Óli. "Que tá fazendo?! Revida!"
"Você calado!" Um soldado deu uma rasteira no garoto.
"Que tenacidade. Incrível, Mao. Você me desperta uma vontade profunda." Segurou a cabeça do boneco e a girou de um lado pro outro, e a cabeça de Mao acompanhava o movimento. "Vontade de conhecer seu limite."
Mesmo tendo perdido os dois braços, Mao mantinha a calma. Um controle absoluto sobre o corpo alheio devia ter alguma desvantagem. A fragilidade do boneco? O bruxo devia estar segurando-o? A distância?
"Ainda não vou te matar. Sua morte será lenta e agonizante. Não esqueço que você matou alguns dos meus homens. E antes disso, estava precisando de uma cobaia nova mesmo, então você chegou na hora certa," disse o militar enquanto concentrava energia no boneco e caminhava na direção de Mao, enquanto que esse deslizava pelo chão para trás, até chegar na beira do terraço. "Espero que sobreviva, logo começaremos nossa diversão no laboratório." E jogou o boneco de cabeça para baixo no chão, que alcançou o solo logo em seguida, mas já o corpo de Mao foi jogado violentamente pelos três andares e caiu de cabeça no chão, o que chegou a levantar uma cortina de poeira com o impacto.
"Perdi a conexão?" Sentiu Bakulu. "Então ele tem uma resistência mágica mais alta do que imaginei." Normalmente, a magia de controle voodoo do bruxo alcançava todo o quartel militar, e dependendo da pessoa, até Ek Chuak. "Preciso me aproximar e rápido." Pegou o boneco do chão e correu para a ponta do terraço para ver o corpo de cima, mas a visão estava complicada pela cortina de poeira.
Mao tinha a cabeça quase enterrada no chão. Sentiu algo em suas mãos e conseguiu levantar logo após. Estava grogue e desequilibrado, mas ao menos conseguia se mexer. Deu um salto pra trás para afastar-se do edifício, deduzindo que sim havia uma distância limite para o controle, e caiu rolando ao aterrizar.
"Merda, merda merda merda," reclamou o general. "Eu não devia ter feito isso."
"Pela primeira vez você disse algo que não seja loucura," se ouviu a voz arrogante e o homem longe enquanto a poeira baixava.
"Sem problema. Sem problema, sem problema." Riu o general insanamente. "Link On: Baba Ya-" um forte impacto na mão direita o interditou, e o fez soltar o boneco à força. "Quê?!" Ao prestar atenção, viu algumas britas nas mãos de Mao, e as tinha posicionadas como uma bola de gude entre os dedos.
Só com o impulso do dedão, lançou outra pedrinha que acertou o ombro direito do feiticeiro e o jogou pra trás. "Como pode ter tanta potência o lançamento só com o dedo, com os dois braços quebrados?!" Se perguntou o militar desesperado. "Deve ter achado elas enquanto caiu do prédio," e voltava ao centro do terraço, saindo da linha de visão do guerreiro.
"Tarde demais," proferiu ele. "Não ter me matado enquanto podia foi o maior erro de sua vida!" E com um forte impulso, saltou diretamente para cima, e logo ao conseguir ver a cara feia de Bakulu, começou a girar rápidamente o corpo no ar. Seus braços estavam ambos quebrados, mas a força centrífuga da rotação veloz fazia eles esticarem sozinhos. Ele mirou atentamente enquanto girava, e soltou as quatro pedras restantes uma de cada vez, essas que foram disparadas como projéteis, com tamanha velocidade que ao acertar o bruxo, o atravessaram por completo. Uma no pulso, entre os dois Links que brilhavam, outra no estômago, uma no peito, que atravessou seu coração, e a última raspando sua boca, o que desfigura sua bochecha e seu rosto.
"Qu-impos-" a expressão de horror e surpresa e desorientação era clara como a água no semblante de Bakulu. Não sentia dor, pois graças à uma magia negra, ela era transferida a outro pobre coitado, mas sentia seu corpo morrendo aos poucos. "M-meu sangue... minha conexão física a esse mundo..." caiu de joelhos no chão enquanto sangrava por todos os ferimentos, a boca e os olhos, "meu líquido vital derramando sem controle; minha ansiedade passando e minha consciência esvaindo," sua voz ia ficando fraca e ofegante. "As vozes, as vozes. As vozes..." pela primeira vez em décadas, sua mente estava em silêncio total. Ele sabia que iria para o inferno — ou o lugar que representasse isso no plano astral — e que sofreria todo tipo de tortura abominavelmente inimaginável, mas estava tranquilo e calmo. Olhou pela última vez o homem que o sacou daquele plano tão repentinamente. "Mao. É um belo nome." Caiu no chão e morreu de olhos arregalados.
Mao caiu novamente no chão ajoelhado. Era a primeira vez que se feria tão seriamente em uma luta, e apesar da dor não lhe incomodar, soltou um suspiro. "Até me curar completamente dessa merda..." era consciente de que isso aconteceu por se deixar levar e subestimar o oponente. Os Links eram mais poderosos e imprevisíveis do que pareciam. Pelo menos a lição foi aprendida.
"Cuidado, Mao!" Gritou Óli, e o guerreiro escapou de um corte silencioso que o tentava acertar pelas costas. O general havia morrido, mas os soldados todos o miravam confiantes de sua vitória, já que estava tão ferido.
Ele rodeou outra vez, como antes, e deu com o pulso direito no pescoço do soldado que o tentou cortar, cuja traqueia foi partida como um biscoito. "Agora os peixe-pequeno resolvem se mexer?" Ele riu. "Podem vir. Essa é a única chance em suas míseras vidas que vocês têm de me matar, mesmo que bem pequena. Pessoalmente, eu aproveitaria!" E saltou na direção de um bando selvagemente.
Os minutos seguintes foram uma verdadeira carnificina, no sentido mais puro da palavra.
~ ㊗️ ~
Sentados tentando relaxar após a treta toda, Óli tratava — da melhor forma que podia — os ferimentos do guerreiro.
"Dessa vez você exagerou, Mao," disse. "Parecia uma besta selvagem."
"Se eu não tivesse exagerado, estaríamos mortos."
"Esse tal Bakulu realmente era poderoso então?"
"Eu diria perigoso. O potencial desses Links é bem real," disse enquanto olhava para o seu próprio. "No fim, nada mudou, e o matei como disse que faria. Não sei quando será, mas Sarkan tá no fim da lista."
"Acredito em você," disse Óli confiante, mas olhou para ambos os braços quebrados do homem e ficou apreensivo, "só espero que não morra no intento."
Desde aquele dia, o nome de Mao ecoou por todo o continente, e uma nova esperança surgiu no coração sofrido do povo. Ek Chuak havia se libertado de uma pesada corrente que a prendia, e o exército revolucionário tinha muito mais liberdade para agir desde então. Mao havia se tornado um problema que o próprio Sarkan não podia mais ignorar, e estava ansioso para resolver com um sorriso horripilante no rosto.
Mao e Óli agora seguiam a estrada oeste, que levava diretamente à mítica Floresta de Mogu, onde ficava a grande capital de Vedas, e o gigante castelo de cristal em que vivia o imperador. Caminhavam calmamente, pois o caminho era longo, e os desafios cada vez mais aumentavam.
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