Basile - IV
"Desde a visita de Yesod já não posso dizer que sou o mesmo. Minha perspectiva de realidade se abrangeu completamente quase sem eu perceber. Assim como quando desvendei os misterios da matéria escura, as coisas voltaram a fazer sentido no que antes era um universo de segredos. Ainda assim, é a primeira vez que as coisas se encaixam tão naturalmente... tudo é questão de perspectiva, e observar o mesmo conhecimento através de diferentes concepções é a chave para o verdadeiro entendimento.
Tudo está conectado, pois tudo é energia.
Um pensamento tão simples mas tão complexo, que pode passar batido ou nos trazer profundas reflexões. No fim das contas, eu não existo como sou. Faço parte do Todo, mais uma pequena gota no que é o infinito oceano da consciência universal, a Fonte de criação de todas as coisas, de onde todas as probabilidades quânticas se tornam possíveis, e por qual nossa realidade física se manifesta. Sendo assim, o pensamento também é energia, e assim molda nossa realidade constantemente. Será esse o segredo da minha telecinese? Talvez. É algo que ainda tenho que descobrir dentro de mim mesmo.
Apenas sei que conectar-se com essa essência desbloqueia todo nosso potencial inerente. Somente ao refletir sobre essas questões universais me sinto ainda mais lúcido, e me surgem inspirações intensas a cada momento de silêncio. Desde revelações sobre a natureza cósmica até todo tipo de invenções extraordinárias. Não imagino que essa inspiração provenha de mim, e sim do meu religamento com essa Fonte cósmica de pura informação e totalidade.
Meu novo objetivo, após toda essa confusão, será dar continuidade ao projeto da Torre de Wardenclyffe, idealizado pelo gênio Nikola Tesla, para produzir energia gratuita e infinita para todos, utilizando o campo eletromagnético da Terra.
Vivemos em um momento decisivo na história da raça humana. Uma transição de eras. E agora que entendo isso, não desejo mais que influenciar positivamente nessa transformação."
~ ⚛️ ~
Fazia tempo que Basile não despejava pensamentos em seu caderno, mas dessa vez sentiu uma forte necessidade de se expressar e não se aguentou, mesmo que já estivesse se expressando até o esgotamento ao longo dos últimos dias. Aquele caderno de desenhos era seu fiel companheiro – assim como muitos outros já foram – e escrever ali o transmitia paz e tranquilidade.
"Você está bem, Basile?" Se aproximou um homem preocupado.
"Sim, apenas descansando um pouco." Os últimos dias realmente haviam sido corridos, então foi totalmente compreendido. "Não se preocupe."
"Ok. O avião acabou de chegar," avisou o homem enquanto se ia, e Basile agradecia.
"As coisas estão fluindo bem," pensou enquanto se levantava e guardava o caderno e o lápis na bolsa cinza. "Bem até demais."
Ao lado da Floresta de Mogu, justo onde ocorreu o enfrentamento de Basile com o exército da PSA, os protestantes dos dois lados se uniram para levantar o centro de operações da revolução, um grande acampamento que chamaram honrosamente de Base de Mogu. Depois de uma semana de planejamentos em conferência com centenas de pessoas e discursos por stream vistos por milhares ao redor do globo, por onde espalhava suas ideias revolucionárias e mensagens de união, Basile marcou uma reunião na Base de Mogu. Os convidados? Todos aqueles quisessem – e pudessem – aparecer. Todos os que sinceramente buscavam um futuro melhor, uma sociedade unida, uma raça humana coexistindo em paz consigo mesma.
Desde então, todos os dias novas pessoas apareciam ali. De carro, avião, helicóptero e até mesmo a pé. Revolucionários, revoltados com a situação lamentável do ser humano graças ao controle de uma pequena elite que tudo controlava através dos bancos e mega-corporações. Cientistas, fascinados com as engenhosas ideias e invenções propostas pela genialidade de Basile, ansiosos para transcender a ciência a um novo nível, e criar uma sociedade onde o progresso científico não fosse condicionado pelo dinheiro e interesses militares. Visionários, que buscavam um sistema socioeconômico novo, que beneficiasse mais o ser humano como um todo e levasse em conta o bem estar coletivo antes do individual – aí se incluíam muitos economistas e até empresários. Também filósofos, espiritualistas que buscavam a ascenção total da consciência coletiva da raça humana, e um mundo de liberdade, paz e amor, que é nosso por direito.
Pessoas de todos os tipos se reuniam ali. De todas as religiões, raças, classes, profissões, idades e lugares. Cada uma com uma importante perspectiva a ser jogada na mesa, um mundo de experiências e sentimentos e ideologias a ser explorado, e assim, diálogos constantes eram formados entre vários grupos. Os matemáticos e os filósofos, os biólogos e os construtores, os empresários e os revolucionários, os arquitetos e os escritores, os jornalistas e os espiritualistas. Todo tipo de ideia era encorajada a ser vista por todas as perspectivas e compreendida fundamentalmente.
Outros, apenas ouviam as palavras de Basile, que despejava constantemente seu vasto conhecimento universal, tanto físico quanto – agora recém descoberto – hermético, e suas ideias revolucionárias de paz e união, assim como projetos destinados à prosperidade da humanidade. Suas experiências ao ter viajado pelo mundo inteiro, todo o sofrimento que presenciou com seus próprios olhos, as atrocidades e a violência, mas também toda a tenacidade e força de superação, a empatia, o amor e a gratidão.
Após passarem os dias correndo, enérgicos, cansativos, chegou o dia da esperada reunião, e milhares de pessoas estavam presentes para presenciar esse momento histórico, todos querendo contribuir de alguma forma.
Basile seguiu o homem até o avião que havia pousado fazia uns minutos ali perto, e viu um outro de terno bege sentado numa cadeira na sombra de um guarda-sol. Quando se aproximou, o homem se levantou e foi em sua direção.
"Basile!" diz ele.
"Naseem," responde sorrindo e o abraça forte.
"Que reboliço tu anda causando pelo mundo, hein" disse o homem retribuindo o abraço, e logo tirando os óculos de sol, "não mudou nada."
"Posso dizer o mesmo!" E sorriu o jovem cientista.
Naseem Khalid era dono da maior empresa de robótica da época, a Cyberlab, que dominou o mercado global com seu robô-ajudante, o Homebot, um pequeno robô com fortes braços esticáveis que ajudava em qualquer tarefa, barato e acessível a todos os públicos. Antes disso tudo – e quando Basile o conheceu – era apenas um gênio hacker procurado mundialmente por diversos ataques contra governos corruptos, mega-corporações e vazamentos de informação.
Foi com a ajuda dele que Basile reverteu a catastrófica Crise de 24, uma grave crise econômica causada pelas condições de vida extremas e a descomunal inflação do petróleo e o combustível fóssil – que havia sido monopolizado pela PSA – graças ao aquecimento global. Naseem descobriu a localização do servidor principal das reservas federais e bancos centrais, e se infiltrou em todos eles com Basile, em uma operação que durou dias a fio, para manipular o fluxo monetário distribuído para os bancos subsidiários e as mega-corporações de diversos mercados, e também os números da própria bolsa de valores. Nos jornais e na mídia apenas o alívio era expressado graças à solução milagrosa para a crise, que surgiu naturalmente. Mas para os poucos que realmente manejavam as coisas, Basile Bélanger era o único culpado, e uma ameaça direta aos planos da ordem illuminati.
Naseem aproveitou o embalo para criar sua própria empresa, a Cyberlab, com a intenção de revolucionar o mercado com novas tecnologias acessíveis a todos, e também se infiltrar no ninho de cobras para conhecer a fundo esse mundo. E depois de seis anos sem contato, seguindo seus respectivos caminhos, eles se encontravam outra vez ali. No meio do olho do furacão.
"Eu sabia que você era capaz disso," disse Naseem, "quando quisesse. Disso e muito mais." E pôs o braço ao redor dos ombros do jovem. "Sério, tu é como um deus na Terra."
"Não exagera que não é pra tanto. O crédito não é só meu, irmão, é de todos nós," respondeu sorrindo. "Vamo lá." E começaram a andar até o acampamento. "Mas vem cá, você descobriu mesmo o ponto de encontro deles?"
"Se eu descobri? Eu estive lá!"
Batendo papo, logo chegaram ao acampamento. Muitos se impressionaram em ver Naseem Khalid ali, já que era o magnata da robótica e um dos homens mais ricos do mundo. Sua presença transmitia ainda mais confiança para a nova aliança, principalmente quando começou a discutir seus projetos de robôs construtores versáteis e econômicos, e a sustentabilidade de novas criações, uma tecnologia natural, orgânica e intuitiva.
Aquele encontro foi esencial para a humanidade naquela época. Um momento onde todos tinham a mente aberta para novas possibilidades, onde a maioria oprimida estava disposta a deixar as diferenças de lado e se unir. As esperanças eram poucas naquele mundo avassalado pela mão-negra da manipulação e as condições climáticas e econômicas adversas. Aquilo tudo era uma lufada de ar fresco sobre os corações pesados.
"O potencial do ser humano vai muito além do imposto pelo sistema em que vivemos atualmente. Não temos dinheiro suficiente pra construir edificios e pagar a educação de todas as pessoas do mundo, mas temos professores o suficiente, e alunos o suficiente, com uma grandiosa sede de aprendizado. Entendem essa diferença? O dinheiro é o fator limitante. O dinheiro é o que aprisiona todo o potencial do ser humano em um único objetivo: ganhar mais, prendendo-o em um infinito ciclo de materialismo e consumismo. A própria ciência e a tecnologia, que deveriam servir de impulso para o progresso da humanidade, apenas se desenvolvem com interesses econômicos no meio, e nunca pelo prazer da descoberta, pela curiosidade inerente do ser humano e a busca pelo conhecimento." Basile discursava sentado sobre uma mesa para os milhares de ouvidos que o escutavam. "O dinheiro é o que traz à tona as piores características do ser humano: o individualismo, a competitividade, a ganância, o egoísmo. O completo oposto do que verdadeiramente somos: a raça humana, uma sociedade composta por vários indivíduos que coexistem uns com os outros, que necessita as habilidades de todo o conjunto para funcionar. Precisamos extinguir o dinheiro da equação, e criar uma sociedade baseada na empatia, na igualdade, na liberdade e nos recursos que nosso planeta nos dá, que é o que verdadeiramente contém um valor real e é herança natural de todos nós seres humanos. O último homem do mundo pode ter todo o dinheiro que quiser, milhões e milhões de dólares, mas sem recursos ele morrerá de fome, e sem os outros ele morrerá de solidão." Ele respirava e continuava. "Graças à tecnologia, hoje podemos fazer disso uma realidade se quisermos. Com a avançada robótica, grande parte dos trabalhos pode ser automatizada, na agricultura, construção, produção e manutenção. Como os gregos, podemos viver nossos dias como desejarmos e desenvolver qualquer faculdade de pensamento, apenas que ao invés de escravos, temos a tecnologia para suprimir as necessidades básicas. A palavra utopia é um eufemismo para o que verdadeiramente podemos alcançar. O dinheiro, e os interesses econômicos de bancários multimilionários, são o que nos bloqueiam de utilizar nosso próprio conhecimento a favor da humanidade inteira."
Muitos tinham ideias revolucionárias a serem propostas e debatidas, vindas de diversas áreas do conhecimento da civilização. Os arquitetos apresentavam propostas de cidades autossustentáveis, com designs circulares que facilitavam a locomoção geral e dividia inteligentemente os setores em anéis, integrando todos os aspectos da civilização no design intuitivo, a agricultura, a natureza, o lazer, o aprendizado, todos integrados criativa e eficientemente. Com a estrutura interior certa, os materiais seriam leves e resistentes e todos os edificios transportáveis como peças de lego para facilidade de manutenção. Tudo dependia do planejamento fundamental da cidade em si, um modelo que poderia ser copiado e projetado infinitas vezes. Assim como os professores discutiam os melhores sistemas educacionais possíveis, que influenciassem desde a infância a cooperação, a criatividade, a imaginação e a empatia, eliminando o sistema de provas, notas e vestibulares, de forma que o conhecimento todo fosse acessível e gratuito aos interessados. Programadores e engenheiros planejavam robôs que substituíssem os empregos pesados e fundamentais da sociedade, enquanto economistas e empresários argumentavam se isso era possível ou não, e filósofos debatiam se isso estragaria o ser humano, ou o faria transcender como espécie e sociedade.
O desenvolvimento da energia limpa e grátis era outro dos assuntos mais discutidos. Energia eólica, solar, geotérmica, hidroelétrica, mareomotriz, de fusão, eletromagnética e outras mais. "O objetivo é a extinção do combustível fóssil como fonte primária de energia. Para isso podemos utilizar até ferramentas de colheita de energias renováveis já disponíveis," dizia Naseem. "Por exemplo, com quatro milhões de turbinas eólicas, já alcançaríamos a demanda energética de mais da metade da população do planeta!" Exaltou enquanto apontava para um gráfico. "E você pode achar isso muito, mas na segunda guerra mundial, a raça humana criou mais de um milhão e meio de aeronaves e turbinas em um período de 6 anos," analisava, "e isso com uma tecnologia extremamente antiquada. Com os métodos de produção de hoje em dia tudo seria exponencialmente mais eficiente!"
"E turbinas eólicas e painéis solares no deserto são só algumas das possibilidades. Nosso próprio Basile já nos iluminou com diversas plantas geniais de reatores de fusão," comentava outro dos cientistas.
"As possibilidades são inúmeras," disse Basile, "pessoalmente voto a favor da pesquisa, reconstrução e desenvolvimento da Torre de Wardenclyffe, idealizada por Nikola Tesla," sugeriu. "utilizar o próprio campo eletromagnético da Terra como fonte de energia é um conceito genial. Uma verdadeira pena esse projeto não ter sido levado a cabo em seu tempo. Hoje em dia as coisas seriam muito diferentes."
Enfim, muitas conclusões foram alcançadas naquele longo dia de discussões e reflexões e novas perspectivas. Já faziam dias que todos trabalhavam duro para tornar aquele evento possível, com a construção do acampamento e a manutenção das instalações e todo o resto. Pessoas que antes brigavam umas com as outras, confusas com suas próprias ideologias, ou simplesmente cegadas por elas, incapazes de perceber outra perspectiva. Pessoas que agora se uniam pelo bem maior, e expressavam em seus sorrisos e nas constantes conversações que pareciam não ter fim esses sentimentos.
Após um grande banquete e um histórico brinde por um futuro próspero, justo e pacífico, se foram dormir todos, cansados e contentos.
~ ☪️ ~
Apesar de cansado, Basile não conseguia dormir. Não era muitas vezes que ficava ansioso, mas aquela era uma delas. Era quase inacreditável tudo que estava acontecendo, como se saísse de dentro de um sonho, e de seus maiores anseios. Mas sabia que não seria tão fácil assim, não depois de tudo que fez pelos anos contra os planos da pequena elite ventríloqua. Tinha um pressentimento estranho de que algo aconteceria.
Mirando o baile das folhas que dançavam suaves com o vento, sentiu uma picada no pescoço como a de um mosquito, e o retirou com a intenção para vê-lo. Era um pequeno dardo de titânio com um líquido vermelho dentro, e uma sutil agulha na ponta que goteava. "Merda!"
Uma explosão foi ouvida.
Basile criou uma barreira ao redor do acampamento, mas outra explosão foi escutada, desde dentro. O fogo começava a se alastrar, pegando de surpresa centenas de pessoas que dormiam tranquilas, e acordavam desesperadas. As que ainda seguiam despertas tentavam apagar o fogo e ajudar os feridos.
"Basile!" Naseem gritou, correndo na direção do jovem.
Basile já não conseguia mover seu corpo, mas todavia era consciente. Se levitava e buscava com sua aguçada e embaçada visão algum culpado pelo meio da escuridão. Ele apontava com a mão até o fogo que se alastrava e o extinguia com o pensamento. Seus olhos cemicerravam pesados e seus sentidos se esvaíam pouco a pouco. A última coisa que viu antes de perder a consciência por completo, foi o corpo de Naseem caindo para o lado, um filete de sangue escapando pelo ar, e um homem de preto segurar em seus ombros.
~ ☣️ ~
... tragédia ocorre na base dos rebeldes liderados pelo terrorista Basile Lachance Bélanger. Uma explosão causada pela mistura de substâncias altamente explosivas que causou muita destruição. Centenas de mortos e feridos já foram confirmados e, o próprio líder do grupo, o terrorista Basile, está desaparecido. O que isso quer dizer? O que pretendendiam fazer com essas substâncias? Mais informações...
A voz chiada da televisão se escutava baixo e despertava o jovem cientista de seu sono. Com dificuldade seus olhos abriam e percebiam a sala branca na qual estava. Era imensa e quase vazia, com a iluminação fraca, apenas com uma porta de aço em um dos cantos, uma televisão instalada na parede e correntes que saíam de um buraco no chão e prendiam em suas mãos.
Basile deu voltas no que escutou na TV, e se lembrou do ocorrido. Seus olhos abriram aflitos e ele levantou ansioso, mas caiu por não perceber estar preso às correntes. "Eu sabia.. merda, eu sabia que isso aconteceria," lágrimas escapavam de seus olhos, "por que não me preparei melhor?!"
"Basile Bélanger," uma voz grave e claramente manipulada soava pela sala inteira, "você foi um grande empecilho pros nossos planos, mas sua história acaba aqui."
Seus ouvidos atentavam a todos os detalhes possíveis. Seus olhos chorosos agora expressavam nada menos que a ira mais pura.
"Não pensou que ia escapar ileso depois de tudo que fez, não é?" Disse a voz. "Você perecerá o resto de seus dias nessa cela especialmente construída para outros como você. Não é o único psíquico no mundo, pode ter certeza."
"Quem são vocês? A Nova Ordem Mundial?!"
"Que nome mais antiquado. Acha que sabe de tudo? Acha que sabe ao menos de alguma coisa? A desilusão do tolo é outra ilusão. Você apenas vai apodrecer aí, e sua revolução será massacrada como todas as outras foram." Um leve riso foi escutado. "Depois de tudo, foi bom ter tido essa conversa. Adeus, Basile Bélanger." E a voz sumiu junto com a interferência sonora.
"AHHHHH!!!" Basile deu um grito de raiva que ecoou como a expressão de sua alma. "Malditos sociopatas. Isso não ficará assim." Tentou quebrar as algemas com a mente mas não conseguiu, era de um material extremamente rígido. E isso que era capaz de dobrar titânio e até quebrar troços de granito com sua telecinese. Então, vibrou rapidamente as moléculas das algemas, esquentando-as como em um micro-ondas até chegar ao seu ponto de fusão. Logo, as partiu facilmente e levantou.
"Uma prisão para psíquicos, então?" Indagou. Um estrondoso impacto fez a parede amassar como papel alumínio. Outro impacto, e mais três seguidos. A sala, que era um retângulo perfeito, agora estava cheia de crateras. "Imagino do que é feita essa sala para ser tão resistente." Flutuou até a porta e ao tentar destruí-la, teve o mesmo resultado, a porta era de um material ainda mais duro que as paredes. Usou então o mesmo truque das algemas nas juntas da porta, e a retirou de seu caminho.
Se viu em um corredor escuro, com algumas luzes vermelhas, umas quatro portas separadas paralelamente, e no fim do corredor, um elevador. Haviam quatro andares que desciam ao subsolo, e o térreo, cujo botão Basile apertou. Esperou um pouco e a porta se abriu, e então, deu de cara com vários homens sentados em uma mesa, jogando cartas, que agora o encaravam boquiabiertos.
Basile sorriu. Antes que pudessem fazer qualquer coisa, os desarmou e lançou os quatro homens contra a parede. "Por favor respondam minhas perguntas," disse intimidante, "onde eu estou? Onde fica essa prisão?"
Os guardas se calaram. Um até cuspiu no chão, mas viu seu cuspe parar no ar e voltar em sua cara. Pouco a pouco, a pressão contra o corpo deles começava a aumentar, pressionando-os contra a parede, tão intensa que se via no ar. Os primeiros gritos de dor começavam a sair, e a própria parede rachou com a pressão da atmosfera.
O barulho de um osso quebrando foi escutado e um dos homens gritou em desespero. "E-estamos na Prisão Psíquica de Gelo," disse em desespero, "na Antártica," confessou enfim.
"No Polo Sul?" indagava Basile enquanto a pressão diminuía e os homens caíam ao chão e respiravam ofegantes como recém-nascidos. "Me diga, a quanto tempo estou aqui?"
"D-dois dias.." o mesmo homem respondeu arquejante.
"Ok, obrigado pela cooperação." Com um pequeno impacto no queixo de cada um, fez os guardas dormirem.
Saiu pela porta e foi cegado pelo sol.
~ ☮️ ~
Poucas horas demoraram até Basile chegar em seu destino, Manhattan, em Nova York. Mais especificamente, o edifício One World Trade Center – a mais alta construção do hemisfério oeste, construída sobre as ruínas das famigeradas Torres Gêmeas destruídas no início do século XVI por um suposto ataque terrorista, que na verdade foi apenas mais um golpe de manipulação governamental para satisfazer interesses obscuros e econômicos – e observou de cima os quase 550 metros de altura do arranha-céus e sua misteriosa estrutura hexagonal.
"Então é aqui onde se encontram esses vermes illuminatis," pensou Basile ao chegar no lugar que Naseem havia indicado em uma de suas conversas, pois graças à sua influência como empresário multimilionário, foi convidado à uma das reuniões do grupo Bilderberg, cujos cabeças eram banqueiros sionistas. "Chega a ser irônico. E repugnante." Sempre foi tranquilo e pacífico, mas a expressão de nojo em sua cara era notável ao falar daquele grupo. "Não posso permitir que continuem controlando as coisas como bem entendem.. principalmente nesse momento tão importante."
Foi baixando a altitude até chegar ao lado de uma das grandes janelas do último andar. Seu reflexo era o único que podia ver no vidro blindado, e sua expressão agressiva chegou a impressionar ele mesmo. Um poderoso impacto mental foi desferido contra a janela de vidro, que dobrou como se fosse uma placa de metal. Outros dois impactos fizeram o estampido ecoar por todo o andar e afligir seus ocupantes.
Não era tão resistente quanto as paredes da prisão, mas ainda assim não se quebraria com simples impactos. Desenhou com o dedo um círculo no ar, e as partículas da vidraça blindada foram separando-se uma por uma, até completar o aro e fazer o grande pedaço de vidro circular sair de sua frente, revelando uma imensa sala também hexagonal, com vários guardas que o apontavam com rifles automáticos de precisão e uma mesa redonda no centro, onde vários homens de terno sentados o encaravam como se vissem um fantasma.
"B-Basile..."
"Como escapou da Prisão Psíquica?" Se perguntavam aflitos. "E como chegou aqui tão rápido?! "
"ATIREM!"
Os disparos soaram pelo ar por vários segundos, até os rifles engasgarem por falta de munição, e como de praxe, as balas todas pararam na frente de Basile como em uma parede invisível, e caíram ao chão uma por uma como uma chuva de projéteis.
Basile apontou para os guardas e moveu sua mão esquerda de um lado para o outro, e os guardas todos ao mesmo tempo recarregaram seus rifles com novos cartuchos de munição, contra a vontade de seus próprios corpos, e logo, os apontavam para as próprias cabeças. Lágrimas de desespero escorriam por suas bochechas enquanto seus dedos se aproximavam do gatilho, e sem hesitação alguma, disparavam. As balas quase perfuravam seus crânios, mas eram paradas antes disso, deixando apenas um filete de sangue escorrer pela pele cortada. Já era o suficiente para fazê-los desmaiar de choque graças ao terror psicológico da morte súbita.
Os homens observavam enquanto Basile levitava até eles com os braços semi-levantados e os olhos cheio de animosidade, alguns aterrorizados, outros sem reação alguma. Haviam 13 homens ali, alguns já bem conhecidos e investigados por Basile, outros nem tanto, cada um descendente de sua respectiva linhagem elitista. Rothschild, Rockefeller, Saud, Reynolds, DuPont, Bundy, Li, Onassis, Kennedy, Russell, Freeman, Astor, Merovíngia... desde lordes banqueiros e petroleiros até magnatas da logística e farmacêutica, todas famílias illuminatis sionistas com extremo poder e influência sobre a política e economia a nivel global, e também os verdadeiros criadores da PSA e a Nova Ordem Mundial. As decisões tomadas nessa mesa redonda afetaram a vida de praticamente todos os seres humanos ao longo da história desde sua criação e, inclusive, seguramente, a sua também, caro leitor.
A mesa explodiu em milhares de troços de ébano laminado – madeira rara encontrada apenas na Floresta de Mogu – e assustou os homens de terno.
"Então é isso?" Disse um velho de barba branca sem esboçar expressão alguma, "você simplesmente nos matará e se acabou? Acha que isso vai solucionar as coisas?"
"Donald Rothschild," Basile escarrou em desprezo, "respondendo sua pergunta, talvez." Todos os treze instantaneamente deram de cara com o chão, em uma colisão que quebrou seus narizes e um pouco do solo, e guincharam de dor. "Minha raiva não é só minha, e sim de bilhões de pessoas, acumuladas em séculos de manipulação, guerras, fome, miséria e sofrimento." Seus corpos levitavam do chão e sentavam em suas respectivas cadeiras, e seus olhares fitavam atenta e desesperadamente o rosto de Basile. Pelo menos os de alguns.
"V-você não entende," disse outro velho, gaguejando com dor após a concussão, "a humanidade precisa ser governada, ela n-não sobreviveria por si só."
"Sim," continuou um outro mais jovem, que Basile reconheceu como John Rockefeller, "o homem é ignorante, idiota. Ele se destruiria sozinho sem nós para guiar seu caminho."
Uma veia saltou na testa de Basile, e o outro sentiu seu corpo apertar contra si mesmo.
"Essa ignorância toda é culpa de vocês, seus desgraçados!!!" Basile gritou em fúria. "A ignorância é a consequência, o dinheiro é a ferramenta, e o medo é a fonte," desabafou. "Eu conheço muito bem esse mundo degenerado por vermes sedentos por poder como vocês, e conheço também o verdadeiro potencial do ser humano."
"Potencial? Hahahaha!" O outro gargalhou. "O potencial do ser humano nós já aproveitamos ao seu máximo. Viver pra sustentar o sistema, irrelevante e miserável como é, ESSE é o verdadeiro potencial do ser humano!"
Basile moveu violento o braço e lançou o homem bruscamente contra a parede de vidro ao sentir sua paciência explodir, este que tossiu sangue e urrou de dor ao sentir alguns ossos quebrando com o forte impacto.
"E pensar que tentei conversar com sociopatas."
"B-Basile, me deixe viver," rogou outro que se aproximava, "eu te apoiarei com tudo que precisar em seu novo mundo."
"Al Saud," disse ao olhar para o soberano sheikh petroleiro, e ao lembrar da Crise de 24, apenas afundou sua cara no chão outra vez. "A raça humana não precisa mais de sua influência doentia. De nenhum de vocês. Isso acaba aqui."
"E o que você vai fazer então, seu monstro?!"
Basile levantou a mão direita e os corpos outra vez paralisados dos homens flutuaram pelo ar e seus semblantes agonizaram. Logo, um a um, eram lançados com força até as duras janelas de vidro, e ao chocar, rebotavam até outra, e outra, e batiam no chão, e no teto, e nos troços de mesa e uns nos outros. Os treze homens agora eram um tornado de corpos que se colidiam com tudo como se fossem bonecos de pano, e berravam em dor e desespero, o irônico terror absoluto de ser literalmente controlado sem poder resistir.
Após alguns minutos de tortura e muitas concussões, ossos quebrados e gritos desenfreados, e também uma certa satisfação expressada no rosto de Basile, os treze homens foram enfileirados no ar, e logo caíram ao chão. O controle telecinético de Basile já não estava mais sobre eles, mas jamais conseguiriam se mover com aqueles ferimentos, então apenas gemiam de dor ou tentavam manter a compostura.
O jovem psíquico desceu ao chão e caminhou em direção a eles.
"M-me.. m-mata.." anelou com dificuldade o banqueiro Rothschild. "Vamos, B-Basile, você consegue.." sua voz era fraca, mas sarcástica. Sentiu o pé de Basile pisando em seu rosto e seu corpo apertando contra o chão, seus ossos rachados quase o faziam desmaiar de dor, mas ele aguentava. "Esse é o verdadeiro poder.. controle absoluto sobre os outros.. você sabe muito bem como é.." respirou fundo e gritou, "ME MATA!!"
A fúria nos olhos de Basile era sentida por todos e emanada como gravidade no ar que caía forte sobre seus corpos. Alguns já não sabiam quanto mais aguentariam aquela forte pressão que surgia do nada e arrasava ainda mais seus ferimentos internos. A mão direita de Basile foi fechando as poucos, mas a pressão não aumentou. Logo, ele deixou cair seu braço mole e a atmosfera voltou à naturalidade, para o alívio dos homens que respiravam com dificuldade. Uma lágrima furtiva desceu pelos olhos raivosos de Basile. Todo o sofrimento. Toda a miséria. Toda a fome. Toda a ignorância. Todo o preconceito. Toda a corrupção. Toda a manipulação. Ele podia acabar com tudo naquele momento. Mas, simplesmente, não conseguia.
A raiva que sua lágrima expressou não era pelos homens, e sim por si mesmo.
Era incapaz de matar outro ser humano.
"Hahahahaha!" O velho riu outra vez. "Essa é a maior diferença entre nós, Basile Bélanger! É por isso que nós controlamos, e vocês obedecem! Desse jeito, nada mudará! Vamos, me mate!"
O jovem caiu de joelhos decepcionado consigo mesmo. "Eu achei que conseguiria. O fardo da humanidade não é pesado o suficiente, Basile?!" Ele se torturava em pensamentos.
Para ele, isso era algo impossível. Afinal, antes de mais nada, Basile amava o ser humano.
Suas viagens e seus encontros com pessoas de todo o tipo, sofredores, enfermos, famintos e sonhadores na mais dura miséria que sorriam felizes e desfrutavam da vida como ela vinha, jogando bola pra disfarçar a fome, e dividindo o pouco que tinham e aprendendo uns com os outros. Que choravam ao agradecer a Basile por curar seus entes queridos, por alimentá-los, por ouvir seus males e simplesmente tratá-los como pessoas de verdade. Tudo que aprendeu desses seres incríveis, toda a sabedoria que adquiriram através das injustiças que passaram; tudo que a necessidade e a sobrevivência nas trevas ao redor do mundo os ensinou; a união e o amor, a fortaleza e o potencial de um ser humano injustiçado. Aos olhos de Basile, o ser humano era o animal mais incrível de todos, o mártir do planeta Terra, e ele era simplesmente incapaz de acabar com a vida de um ser ao qual amava tanto, não importa o quão degenerado fosse.
Ele se levantou, limpou as lágrimas e inspirou. Sua raiva havia passado e sua expressão já era tranquila como de costume. "Não, eu não vou te matar," disse. "Talvez eu seja fraco, pois ainda acho que vocês merecem a mais dolorosa e tortuosa das mortes, que eu mesmo poderia proporcionar com um simples pensamento. Mas não o farei."
Basile levitou do chão, e os treze homens o seguiram, junto com os guardas desmaiados.
"O que você vai fazer, seu monstro?" Perguntou o velho enquanto cuspia sangue.
"Tive uma ideia. Logo você verá, verme," e sorriu.
~ ✝️️ ~
Uma viagem rápida e silenciosa sobre os oceanos – com alguns joguinhos mentais e provocações dos dois lados – levou o grupo até o continente de gelo, a Antártica, e junto com o frio congelante, à entrada da oculta Prisão Psíquica de Gelo, escondida por entre duas das já poucas geleiras que haviam espalhadas por ali.
Basile entrou pela grande porta de aço da base, camuflada no gelo, e um por um jogou os homens pela entrada na base apertada, e os posicionou em fileira enquanto observava o lugar com mais cuidado. Agora já mais calmos depois da viajem que eles perceberam o quão humilhante era aquela situação, indefesos e totalmente subjugados, e seu ódio por Basile culminava na frustração de não poder fazer nada contra ele.
Os documentos se abriam na frente de Basile, que os lia enquanto outros se aproximavam ao sair de dentro das gavetas. Aprendeu um pouco a história e propósito do lugar, e também sobre alguns de seus prisioneiros e carcereiros, e sua estrutura.
A Prisão Psíquica de Gelo havia sido criada nos anos 70, com a previsão do irremediável fim do Projeto MKUltra conduzido pela CIA. Projeto esse que tinha como intuito o controle mental de indivíduos, tortura psicológica extrema e desenvolvimento forçado de habilidades psíquicas. Um imenso projeto que envolveu por décadas mais de 80 instituições, incluindo hospitais, farmacias, manicômios, indústrias e até 45 universidades, com mais de 150 pesquisas subsidiárias dos mais diversos temas, entre eles: padrões de comportamento individual e em grupo; estados mentais em situações extremas como ansiedade e ataques de pânico induzidos por humilhações, ansiedade e até estupro; destruição psicológica com uso excessivo de psicotrópicos como LSD e indução subconsciente; até o sequestro de crianças para estudos de habilidades psíquicas e a natureza vibracional da consciência do ser humano através da deprivação sensorial forçada. Apenas mais um dos terríveis experimentos justificados pela racionalidade egóica humana e o interesse daqueles no poder.
Como consequência – uma delas – diversos psíquicos das mais variadas características surgiram pelo mundo, e a prisão foi criada para sua captura e pesquisa. Basile folheava os documentos enquanto se apavorava com os detalhes, até parar em um dos prisioneiros, e ao ler um pouco seu historial, decidir por fim.
Entrou no grande elevador de prata com a elite illuminati e os guardas, e desceram até o quarto andar do subsolo. As portas se abriram e revelaram o mesmo corredor escuro, iluminado pelas luzes vermelhas de lâmpadas instaladas sobre portas de aço grafeno e nanotubos de carbono. Foi até a quarta porta, e liquefez as juntas dela. Após abrí-la, sentiu uma intensa e macabra energia ser emitida de dentro da sala, totalmente escura, que quase o levava à insanidade. Conseguiu ver apenas duas pupilas vermelhas em um vulto sentado, encarando-o atentamente.
Ele afastou o olhar e novamente, um por um, jogou os homens dentro da cela, que imploravam por perdão e misericórdia. Todos eles sabiam qual seria seu destino após serem jogados ali, na famosa cela #4 da telepata insana, Karina White.
~ ☢️ ~
Karina White foi a descendente de um casal de sobreviventes do Projeto MK, grandes psíquicos que, após todo o conflito, se isolaram nas montanhas e viveram uma pacífica vida espiritual em comunhão com a natureza. Sua filha, no entanto, demonstrou habilidades telepáticas desde o primeiro momento de seu nascimento, quando seus pensamentos subconscientes abstratos de sobrevivência foram projetados fortemente na mente de seus pais. Ela cresceu, aprendendo a controlar seus dons com a tutela amorosa deles, mas as realidades multidimensionais que experienciou, e seu contato com todo tipo de entidade obsessora atraída pela alta frequência de seus pensamentos, acabaram levando-a à loucura ainda na infância. Essa insanidade então era exteriorizada, manifestada na mente dos desafortunados ao redor sem controle, condição telepática também conhecida como Síndrome Hashimoto-Applebaum. Seus pais acabaram suicidando-se após constantes surtos psicóticos esquizofrênicos, e cada um que passava por aquela floresta tinha o mesmo destino trágico em questão de minutos. Após uma investigação dos misteriosos acontecimentos, ela foi capturada pela CIA e presa na Prisão Psíquica de Gelo, onde passou o resto de seus dias.
Agora, com trinta e poucos anos de paranoias, fantasias e surtos psicóticos presa naquele quarto escuro, ela sorria como uma criança ao ver os homens caindo um por um dentro de sua cela. Ela não estava mais sozinha!
Basile fechou a porta e, sem remorso, ouviu os gritos desesperados dos homens sendo abafados, e logo calando-se.
Ele se foi dali consciente do destino deles, e do que havia feito. Mas quem no mundo poderia saber o que se passava na mente daquela telepata? O que sentia? Que tipos de realidade ela projetaria? Quantas vidas aqueles homens não viveriam, repetidamente, milhões e milhões de vezes, até sua própria mente já não mais aguentar e quebrar em mil pedaços, até ser reduzida ao nada, um fragmento de consciência? As experiências mais horripilantes e inimagináveis, as mais psicóticas, sádicas e amedrontantes – e algumas até prazerosas – navegando nos mares de seu mais profundo subconsciente, e ainda pior, no dela?
Mesmo com os ossos quebrados, o impiedoso John Rockefeller sentiu a impulsiva necessidade de se levantar e caminhar até a mulher. Sua vontade vinha de seu mais profundo ser, mesmo que seus olhos chorassem em terror com o vulto negro de olhos vermelhos e pele rasgada que via em sua frente. Ela abriu os braços magros e o abraçou, e ele caiu gentilmente com a cabeça em seu colo.
Ela estava genuinamente feliz. Depois de tanto tempo, nunca pensou que algo assim aconteceria. Uma pessoa de verdade entrou por aquela porta! Não só uma, mas um montão! Aquele sentimento gostoso e libertador de já não estar mais só a preencheu e a iluminou. Seu sorriso mais sincero era esboçado em seu semblante.
Semblante esse que era observado com o mais absoluto terror pelo homem que tremia encarando a pele em carne viva de arranhões suja de sangue seco, e aquele sorriso de orelha à orelha que mostrava os dentes rachados, sujos e afiados. Os olhos arregalados, venosos e vermelhos o encaravam incrédulos. Finalmente, ela teria com quem brincar. Estava tão feliz que queria que aquele momento fosse eterno.
E eterno ele foi.
Ah, que sentimento magnífico e inesquecível foi aquele para Karine White.
~ ♥️️ ~
Basile chegou na Base de Mogu e foi recebido com comemorações, aplausos e abraços. Havia desaparecido por quase três dias após as explosões, e todos estavam aflitos e preocupados, e evidentemente tristes pelos que haviam perecido em mais uma injustiça contra a liberdade de todos. Após um longo descanso e almoço, ele contou o que aconteceu, explicou a situação a todos. Mal sabia ele que Naseem havia hackeado o sistema de gravação único do 1WTC e gravado seu encontro com os líderes illuminati. Seu ato de misericórdia e compaixão, empatia até pelos mais monstruosos dos homens, emocionou e inspirou milhares de pessoas, mesmo as que ainda o consideravam um terrorista graças à manipulação da mídia.
"E para onde você os levou, Basile?" Perguntou um dos homens após ouvir a história.
"Para um lugar onde eles não podem machucar ninguém," disse. "Acho que o único lugar onde eles podem até ajudar alguém, talvez.." dizia com certo pesar, mas sua consciência estava limpa. Havia selado a entrada da Prisão Psíquica congelando parte do oceano Antártico por cima dela. Nunca seria encontrada.
Muitos foram dormir. O dia seguinte seria ocupado agora que Basile havia retornado. Mas mesmo cansado, Basile não conseguia dormir. Ler aqueles documentos secretos o deixou curioso com o verdadeiro potencial de suas habilidades psíquicas.
Ele se levantou e foi em direção à Floresta de Mogu. Mesmo flutuando cautelosamente, "onde você pensa que vai, Basile?" Ouviu a voz interrompê-lo. Era Naseem. "Vai desaparecer outra vez?"
"Nao se preocupa, irmão." Se voltou ao homem. "Só estou pensativo, e conheço um lugar muito bom para se pensar nessa floresta."
"Ah é? E sobre o que você está pensando?" Perguntou, curioso.
"Sobre a mente, pensamentos.." respondeu. "Minhas habilidades só afetam a realidade física porque a consciência em si possui uma natureza não-local. A consciência individual é coletiva em seu fundamento, coletiva com tudo e todos, através dos campos eletromagnéticos e morfogênicos," divagou. "Se tudo é energia, o pensamento também é energia, também é um tipo de frequência emitida por uma certa vibração. Ou seja, nossos pensamentos estão constantemente manipulando a realidade ao nosso redor, que também é vibração. Então, nossa realidade é literalmente uma criação nossa, um reflexo subconsciente de nosso interior!" Disse impressionado. "É uma pena que não nos demos conta disso. O potencial realmente está dentro de nós todo esse tempo. Sermos conscientes disso mudará tudo," sorriu. "Bom, isso também significa que se eu conseguir manipular as frequências e as vibrações, minha telecinese será infinitamente mais eficiente, e será muito mais fácil de manifestar qualquer coisa físicamente, já que não precisaria visualizar átomo por átomo, e sim apenas o conjunto, a frequência emitida, a vibração energética, já que a consciência por si só já emite essas propriedades naturalmente," continuou quase assustado. "Conseguir manipular essas vibrações seria outro nível de criação. Me pergunto se há um limite para minhas habilidades. As vezes tenho medo de mim mesmo, do que sou capaz de fazer," pausou, "do que somos capazes."
"Com isso não precisamos nos preocupar, já que tu é o cara mais honesto e gente boa que eu conheço," respondeu Naseem. "E sua teoria realmente é interessante."
"Pois é. Também não adianta ficar remoendo a realidade. Agora mesmo, preciso aprender a sentir e ver com meus próprios olhos a energia universal, e a forma como ela interage consigo mesma para manifestar essa realidade. Por isso tô indo pra esse lugar," explicou. "Qualquer dia te levo lá."
"Beleza, então," Naseem sorriu e o abraçou. "Espero que chegue nas conclusões que busca. Boa noite, Basile."
O jovem se despediu e levitou floresta adentro.
~ ⚕️ ~
Enquanto flutuava sobre as árvores, deitado no vento, ele observava as estrelas atentamente, e as desenhava com paixão em seu caderno. Todos os padrões que enxergava deixava apenas fluir com a intuição, e se esbanjarem em forma de nébulas e constelações e quasars. Percebia em todas as coisas a sequência Fibonacci e a proporção áurea, e esses padrões cósmicos se infiltravam nas folhas brancas em forma de grafite.
Logo, sentiu aquela vibração tão característica percorrer seu corpo através do próprio ar, o que o tirou de seu transe de inspiração e o fez perceber que já estava em seu destino. Olhou para baixo e viu a Pirâmide de Buda outra vez.
Desceu até ela e sentou-se no centro do símbolo da Flor da Vida talhado no topo. Cruzou as pernas uma sobre a outra, alinhou a coluna e começou a induzir um profundo estado meditativo.
Tentou se concentrar nas sensações, e se deixar levar por todo aquele intenso momento de conexão. Sentia uma forte energia vibrar por todo seu corpo e estender-se até fora dele. Percebia as coisas muito mais claramente do que antes, de uma perspectiva totalmente nova.
Conseguia sentir as coisas.
Sentia a cor das flores emanando, o som das plantas vibrando, a presença dos animais fluindo, e o vento colorido se mesclando com todas as formas. Cada coisa, cada peça daquele infinito quebra-cabeça tinha sua própria voz, sua própria característica e sua própria frequência que a tornava única, que a dava uma identidade e uma forma, e pairava pelo ar, todas interdependentes umas das outras. Basile sentia isso em um nível fundamental, e sentir a sí mesmo nesse estado elevado de consciência foi uma das experiências mais incríveis pelas quais passou. Foi como conhecer a si mesmo e sua verdadeira essência imortal.
De repente, sentiu uma sensação estranha em seu corpo físico. Estava tão disperso conscientemente que demorou até para abrir os olhos. A superioridade de seu estado de consciência o permitiu ver seu próprio corpo ali sentado, com apenas um detalhe faltando: sua cabeça.
De trás sua, um homem com uma espada ensanguentada em mãos sorria. Sua visão rolou, e ele observava do chão enquanto aquele homem encravava a mão em seu tórax pelas costas, e selvagemente arrancava seu coração do peito. Procedia levá-lo até sua boca, e enquanto a visão de Basile finalmente embaçava, o homem deu um bocado nele.
Aquele homem era Sarkan.
Príncipe de Baal Shem, uma sociedade tribal espiritualmente avançada que vivia na Floresta de Mogu pacificamente, e ao ver seu Deus morrer diante de seus olhos, resolveu ter vingança contra a humanidade.
Apesar de não existir uma relação direta entre a Faísca do Destino e o corpo físico, apenas a intensidade da situação, seu extremismo, aquela pura emoção selvagem e doentia, e o próprio destino daquele homem, fez com que ele absorvesse a Faísca de Basile para si. Sentiu seu corpo vibrar como um choque, e ele gritou e riu para os céus.
Era o início do Império de Terror de Sarkan.
A consciência de Basile se esvaiu aos poucos, e ele não se arrependeu de nada. Tampouco tinha o que temer. Afinal, nada mudou, tinha fé no ser humano e seu infinito potencial. Se sentia em paz, mais livre do que nunca. Com um um olhar de tranquilidade, pouco a pouco, seus olhos perderam o brilho.
Aquele era o fim do homem, o gênio cientista e psíquico, Basile Lachance Bélanger.
A incrível revolução na consciência coletiva do ser humano, uma das poucas na história, que foi a Revolução de Bélanger, se foi rápida como veio. Foi de suma importância e permaneceu no consciente coletivo em diversos aspectos, mas, infelizmente, após aquele encontro, outro homem estava destinado a tomar as rédeas da humanidade por um bom tempo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top