Basile - II
As notícias do fracasso da conferência do pequeno gênio se espalharam como fogo na floresta e a represália da mídia e da internet foi pesada, em todo canto do mundo se comentava sobre o fiasco ocorrido no palco da universidade de Cambridge.
Normalmente, eventos científicos não eram tão populares, mas Basile já era grande tópico de conversação e curiosidade entre as massas, o que causou a desilusão em milhões de pessoas; a expectativa era imensa, e o desengano foi maior ainda.
Enquanto dezenas de jornalistas tentavam entrar em contato com o pequeno doutor Bélanger, ele estava de luto em sua casa, para qual voltou de imediato logo após a conferência. O despertar da faísca de seu destino não mudou o fato de que era uma criança desolada, agora recém órfã.
O evento deixou nas sombras por algumas horas o atentado terrorista contra o avião francês onde morreram quase duzentas pessoas, mas não demorou para o mundo se dar conta da gravidade da situação e entrar de luto por mais uma infeliz tragédia causada pela ignorância e o fanatismo humano.
Passaram alguns dias de investigação e, com a divulgação da lista das vítimas, a mídia descobriu listados os nomes dos pais do garoto prodígio, a família Bélanger. Nunca antes a opinião pública sobre uma pessoa mudou tão depressa quanto a de Basile Lachance Bélanger, que foi de expectativa para desencanto para mártir em menos de três dias e, de repente, sua história trágica era cabeçalho de dezenas de portais de notícias.
O jovem Basile decidiu isolar-se em sua casa por um tempo. Se sentia estranho desde aquela fatídica experiência, e não era tristeza nem sofrimento por seus pais — pois já havia chorado o suficiente nos últimos dias — e sim um sentimento esquisito de clareza.
Seus pensamentos fluíam melhor e seu raciocínio estava mais objetivo que nunca. Aquele momento em que sua habilidade se descontrolou em meio a sua frustração desencadeou algo em seu cérebro, ele sentia, só não sabia o que era. Sua recém adquirida claridade o levou a estudar o cérebro humano intensamente, até sentir-se confiante e confortável o suficiente para usar seu poder telecinético nele.
Não foi uma tarefa difícil, mas sim muito assustadora, pois qualquer erro de cálculo poderia causar danos cerebrais irreversíveis. Após muitas semanas de estudo e alguns dias de prática, ele aprendeu a controlar seus pensamentos e cadeias de neurônios telecineticamente, assim como estimular partes específicas de seu cérebro, aumentando incrivelmente sua velocidade de raciocínio e desenvolvendo a capacidade de buscar informações precisas em pequenos detalhes de memórias no fundo do seu subconsciente, expandindo ainda mais as capacidades do seu já extraordinário cérebro. No início dos experimentos, qualquer pensamento exigia muito esforço para ser amplificado, mas com o passar dos dias e das semanas, Basile foi acostumando-se com o processo até este tornar-se tão simples e natural quanto respirar.
Com sua mais nova lucidez recém descoberta, decidiu abandonar o mundo acadêmico para sempre. De alguma forma, sabia que seu papel a cumprir não era nesse entorno, e sim em uma peça muito maior do quebra-cabeça. Como tributo à paixão que um dia sentiu pelo mundo científico, publicou seu livro titulado "Matéria Negra e o Efeito Bélanger" — livro este que o premiaria com um diploma PhD honorário e o prêmio Nobel de Física de 2015 (cuja cerimônia não compareceu), entrando para a história como o cientista mais jovem a receber tal gratificação — conciliando a gravidade com as outras três interações fundamentais e explicando por fim o mistério da matéria escura, como estudá-la eficientemente e prevendo que, nos próximos cinquenta anos, a tecnologia evoluiria o suficiente para poderem manipulá-la e experimentar com ela, usando um extenso e engenhoso cálculo que nomeou "o efeito Bélanger" em homenagem aos seus pais.
Feito isso, sem mais explicações e após mudar completamente o rumo científico da época, o menino desapareceu do mapa.
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Nossa história continua em um futuro não muito distante, no ano de 2030; mas antes de continuarmos, algumas coisas antes precisam ser esclarecidas. 2030 era um ano extremamente temido pelos habitantes do planeta Terra, pois ele marcava o início do fim do ecossistema.
A ganância humana acabou devastando todas as florestas do planeta em busca de recursos naturais, estes que já haviam se extinguido. Todo o oxigênio do planeta vinha de dois lugares: o oceano e a anciã Floresta de Mogu. Uma floresta milenar intocável e a última reserva verde do planeta em que as gananciosas mãos humanas simplesmente não podiam tocar. Isso pois na floresta residia um guardião temido por todos: Mogu, um gorila gigante e intangível que não permitía que ninguém entrasse em sua floresta por motivos ambiciosos, e o tempo — e o número de vítimas — ensinou os humanos a manter-se fora daquela floresta gigante e cheia de mistérios.
Mas, infelizmente, nem tudo é eterno, e graças à intangibilidade do corpo do guardião, com o passar dos anos, cientistas descobriram que sua existência se dissiparia no ano de 2030, e esse seria o fim de Mogu, e com ele, o fim de sua floresta, o coração do planeta.
A população estava dividida entre os que eram a favor e os que eram contra a exploração da Floresta de Mogu, pois apesar dos recursos naturais serem necessários para continuar com o estilo de vida da época, aquela era literalmente a única floresta relevante do planeta, e perdê-la traria consequências catastróficas para a natureza — que já estava bastante frágil — mesmo assim, muitas empresas esperavam ansiosamente pela chegada desse ano, o ano em que impérios corporativos se ergueriam sobre os incalculáveis recursos da floresta. Mesmo com as promessas de regulamentação de extração, todos sabiam que uma vez que mãos humanas tocassem aquele lugar, já não haveria mais volta para o planeta Terra.
Graças a isso, 2030 foi o ano em que Basile Lachance Bélanger, já adulto, decidiu voltar aos olhos públicos. Muitos rumores sobre seu paradeiro se espalharam com o passar dos anos, mas ele sempre desaparecia sem deixar rastros quando qualquer suspeita era levantada.
Descobriu que a melhor maneira de desenvolver seu poder era estimular sua imaginação e expandir seu conhecimento, então passou os últimos quinze anos viajando pelo mundo, conhecendo novas culturas e desbravando lugares inexplorados, tendo como única companhia um caderno de desenhos em branco.
Explorou as mais profundas zonas do oceano, catalogando espécies marítimas extremamente peculiares e desvendando todos os mistérios das águas inexploradas. Visitou o centro da Terra, onde temperaturas chegavam até 6000°C e quanto mais se aproximava do núcleo, mais densa era a força da gravidade, a qual estava estudando a fundo. Também explorou o sistema solar, um tanque de oxigênio era o tudo o que necessitava para suas viagens extraterrestres. Flutuar no vácuo do espaço era a sensação mais relaxante que havia sentido em sua vida, e acabou tornando-se um vício. E nenhum lugar melhor para ampliar seu conhecimento sobre a matéria escura que no próprio espaço-sideral, não?
Seu tempo, entretanto, não foi gasto apenas consigo mesmo. Sua natureza altruísta fazia com que se sentisse na obrigação de ajudar os necessitados. Suas habilidades não eram úteis somente para si, e ajudar os outros era algo que fazia sempre com um sorriso no rosto.
Visitava os países mais pobres e alimentava os famintos e curava os doentes. Desde o mais simples resfriado até o câncer e a AIDS. Um diagnóstico e um exame de sangue — para conhecer o código genético do paciente — era o que precisava para livrar-se de qualquer doença com sua telecinese, removendo-a molécula por molécula. A quantidade de vidas salvas por Basile nesse período é imensurável, e apesar de seus atos benevolentes não serem documentados, a palavra corria de boca em boca, e seus feitos se transformariam em lendas e seriam contadas por séculos por vir.
Agora, quem necessitava sua ajuda era a própria Terra. Planeta ao qual amava do fundo do seu coração; seu berço, seu lar. A Floresta de Mogu era o último lugar a ser visitado pelo viajante. Sabia que um dia chegaria a hora em que se vería obrigado a ir até lá, e sendo o lugar mais misterioso e exótico do planeta, resolveu deixar o melhor pro final.
~ ☮️ ~
"Floresta de Mogu," pensava ele pouco antes de adentrar o lugar, olhando de baixo para a imensa barreira de árvores que iniciava a floresta e a separava de um deserto africano como uma fronteira, cada uma medindo no mínimo cinquenta metros de altura; "a cereja do bolo que é o planeta Terra. Por fim nos damos as caras." Pousou a mão sobre a base do tronco de uma das árvores e inspirou profundamente. Era a primeira vez na vida que respirava um ar tão puro e natural. Com um sorriso esboçado no rosto e seu caderno de desenhos em mãos, ele adentrou a floresta.
Nenhum detalhe escapava a vista de Basile. Estimular sua visão telecineticamente era já um truque velho, mas muito efetivo, e também um de seus favoritos, afinal, todo cenário se tornava infinitamente mais precioso quando se prestava atenção nos detalhes. Ele flutuava por entre as árvores, desenhando animais, plantas, frutas e anotando informações em seu caderno.
Não precisava ir longe para se dar conta da quantidade de mistérios que aquele lugar possuía. A própria atmosfera da floresta emanava uma sensação estranha, tão natural e espiritual que chegava a ser tocante. Mas o maior mistério da floresta ainda estava para ser encontrado, e os instintos de Basile o diziam que não estava tão longe.
E realmente não estava. Poucas horas de exploração passaram até Basile enxergar uma aura esverdeada em meio aos exageradamente grossos troncos, e em pouco sentiu sua presença aterradora. Se aproximou com calma, pouco a pouco, dando voltas nas imensas árvores, até finalmente dar de cara com seu objetivo.
"Então é você," ele falou baixinho, enquanto estendia o braço direito e flutuava na frente dele, "o Espírito de Mogu."
Sentia como se seus olhos o traíssem ao obeservar aquele ser colossal deitado entre as árvores que, mesmo titânicas, pareciam normais em comparação com a criatura. Era belíssima. Seu corpo transparente como cristal, verde como o oceano e intangível como o vapor. O sol batia em seu corpo espectral e o penetrava, refletindo um efeito de luz esverdeada semelhante à uma aurora que se espalhava por todo o lugar. Tamanha era sua beleza que uma lágrima furtiva escorreu por vontade própria pelas madeixas de Basile. O espírito esboçava uma expressão cansada e triste, mas ao mesmo tempo solene.
"Esta é sua última semana nesse plano, não é?" Disse Basile pausadamente, "não tenho como saber o que você está pensando em um momento como esse, mas eu vou proteger sua floresta, eu te prometo," ele afirmou enquanto acariciou uma parte do grande rosto do avatar.
Ao ouvir essas palavras, o espírito de Mogu levantou sutilmente a cabeça e olhou nos olhos de Basile. Havia sentido sua presença desde que entrou na floresta, mas não tomou ação alguma por não sentir nenhuma hostilidade vindo dele. Olhando em seus olhos, lembrou-se dos outros dois humanos que um dia iluminaram sua existência. Nunca pensou que, no pouco tempo que sobrava de vida, encontraria outro humano tão impressionante que o lembrasse daqueles dois e, antes de entrar em um sono profundo, sorriu.
Basile pousou e sentou-se no pé de uma das gigantescas árvores cercanas e, sem desviar a visão por nenhum momento nem piscar uma vez sequer, começou a desenhar o milagre que era o colossal Espírito de Mogu, dormindo pacificamente entre as descomunais árvores da floresta.
Desenhou por horas a fio, parando cada minuto para contemplar aquela visão impressionante. De todos os lugares que havia visitado e todas as paisagens que presenciou, aquela era, sem dúvida, a mais emocionante e mais bela, e consequentemente, seu desenho mais perfeito e mais inspirado. Quando terminou, já estava anoitecendo. O espírito de Mogu não dava sinal algum de despertar, então Basile decidiu fazer o mesmo. Bocejou, se espreguiçou e deitou no chão, olhando para o céu. As árvores eram tão grandes que pareciam fazer um túnel até a lua, olhando de baixo.
"Acho que vou precisar de outro caderno de desenhos," pensou Basile enquanto sorria.
Quando se virou para dormir, deu de cara com um pergaminho velho e se assustou. "Que isso?" Ele apanhou o objeto e o observou, não havia percebido antes graças à hipnotizante paisagem já descrita. Era uma espécie de pergaminho ancião, com sinais de estar jogado ali por muitos séculos. "Vamos ver," disse enquanto abria o pergaminho, com extremo cuidado graças ao seu estado, mordia os lábios e lia as seguintes palavras:
Boa noite, Basile Bélanger.
Antes de ler o resto dessas escrituras, preciso que mantenha a calma e a mente aberta.
Eu me chamo Cornelius Baldur Lammet, sou um alquimista, e preciso que me faça um favor...
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