Capítulo Único
O sinal toca e um alívio preenche os membros do corpo de Alice, a sensação era tão linda que ela gostaria de guardar num pote para quando a aflição chegasse.
Ah, ela estava chegando com muita frequência ultimamente, assim sorrateira e silenciosa, como uma doença antes de dar os sintomas, para depois perceber que todo seu emocional, psicológico e espiritual estavam corroídos.
A sensação de alívio não era assim tão boa. Era passageira, para depois todas as preocupações sentarem em cima dela.
Ela poderia até escutar um "Upa,Upa, cavalinho! "
Todas aquelas séries de deveres sobre o ENEM desencadeavam nela uma série de perguntas normais para pessoas da idade de Alice, mas, para ela não saber nada, nem uma setinha indicando o que fazer da vida era loucura.
E se fosse só sobre a carreira profissional que iria tomar a responsável por seus "cochilos" de toda a tarde, ela já teria meio caminho andado.
E qual caminho afinal?
Alice olhou para as ruas, ela da calçada observava o movimento dos carros, rápidos, com pressa para chegar em algum lugar.
Ela sentiu um desejo de pedir um táxi para onde tudo na vida já estava dando certo porque ela já tinha se cansado dessa fase.
Na calçada o movimento apressado continuava, uma sincronia tão grande que pareciam todos estar indo para o mesmo lugar, todos pareciam ocupados com suas coisas super importantes sem nem parar olhar o dia lindo que estava.
Todos importantes para alguém e alguma coisa, e ela perdida na imensidão de conflitos pela sua cabeça, todos tinham uma vida, um nome, uma idade, algo que os caracterizassem. E o que Alice tinha? Nada além de caos e ninguém precisa mais do que o seu próprio caos.
Ninguém precisava de Alice e do seu caos. Aliás, quem era ela para que alguém a escutasse?
Naquele mar de gente Alice foi xingada por estar parada ali, atrapalhando o curso. No meio sem saber para onde ir, não porque não sabia o caminho, já o conhecia de cor, mas porque não conseguia fazer nada.
A garota sentiu a mão coçar por um papel e uma caneta, então começou a correr para casa, deixando o rapaz que tinha falado com ela ainda mais atordoado.
A ansiedade agora era boa, não era aquela que a fazia dormir por horas e horas e acordar pior ainda. Era mais uma euforia, uma alegria de ter tido uma ideia. Poderia muito bem gritar Eureka pelas ruas.
Apesar de ser um pouco paradoxal, afinal não tinha descoberto mada ainda.
Ainda. A esperança de que algo na vida dela poderia dar certo a animava mais e mais, e a correria atraía olhares enviesados.
As pessoas não estão acostumadas a ver uma esperança e alegria misturadas em uma pessoa só. Por isso se fecham ou a chamam de louco.
- Que pressa é essa menina tá louca? - a mãe perguntou quando a garoto chegou sem nem dar boa tarde.
- Acho que sim, mãe.
No quarto, tudo estava arrumado, um belo contraste com a sua mente.
Só achou uma nota fiscal mas a pressa e alegria eram tantas que não precisou de mais nada.
Euforia estava percorrendo pelo seu sangue junto com uma adrenalina que juntas faziam o seu coração bater mais rápido, era uma sensação ótima.
Tinha tanto tempo que Alice não escrevia que a saudade estavam tão nítida.
A caneta foi passando pelo papel e deixando uma marca apressada, os sentimentos em formas de rabiscos, porque realmente eram isso.
Depois de colocar seus sentimentos em um papel e desabafar um muito com ele, um pouco de alívio preencheu Alice.
Porém, sentia que algo precisava ser feito, talvez ninguém precisasse do caos dela, mas, ela precisava colocar aquilo em algum lugar para se sentir liberta.
Entrou no Instagram. Criou uma conta. Tirou foto do seu pequeno caos empapelado. Postou.
Nunca teve coragem por fazer grandes coisas e aquilo era grande coisa. Seus sentimentos era grandes, gigantes e pesados, não sabia se seriam bem recebidos ou se queria entrega-los, por isso, desligou o celular para não desistir da ideia.
Se jogou na cama e começou a chorar.
Um choro de alívio e ansiedade misturados. Alívio por ter feito alguma coisa e ansiedade por medo de aquilo não ter sido nada.
A ansiedade era tanta que apertava seu peito, mais precisamente o seu coração, como em Once Upon a Time na hora que arrancava o coração e apertavam até virar poeira.
A menina achava que ela era um amontoado de poeira do coração e que o vento tinha levado algumas partes por isso se sentia tão estranha.
Estava sufocada. Pela pressão da sociedade, da família que a via dormindo e achava que ela não queria nada com nada e dos amigos que não entendiam muito bem a situação.
No final, era uma ninguém sem nada além de um perfil no instagram com uma única foto.
Ela olhou com seus olhos cheios de lágrimas - e seu coração cheio de temor - para a sua estante com seus livros.
Meio escondido pelos outros e um pouco rasgado, cheio de poeira, estava um livro grosso.
Alice, o caos ambulante, pegou o livro e se lembrou da época em que ele era seu livro preferido, em que todas as tardes ela corria para ler pelo menos um versículo.
Pegou um pano e limpou o livro. Há quanto tempo ela no pegava nele? Muito, claramente.
Sentou na cama, cruzou as pernas e colocou com delicadeza a sua Bíblia em cima do seu colo.
Foi folheando e sentindo aquelas folhas finas com carinho e sentiu algo apertando o seu peito.
Se continuar sentindo isso é melhor ir procurar um cardiologista, pensou.
Apertando não do jeito da ansiedade, mas, como a saudade aperta.
Até aquele momento ela não tinha reparado que deixou Deus de lado na sua caminhada, porém ele nunca se esqueçeu dela e continuou atrás dela mesmo sem percebeu.
Não tinha percebido que sentia falta do colo do Pai. Já nem sentia mais o direito de chamá-lo assim.
Porque realmente não tinha. Ele como Deus amoroso a transformou em filha e ela simplesmente saiu de casa.
Parou em Filipenses e viu um versículo grifado.
- Não se preocupem com nada, mas em todas as orações peçam a Deus o que vocês precisam e orem sempre de coração agradecido - leu em voz alta e as lágrimas voltaram aos olhos.
- Deus, se não quiser me ouvir eu entendo. Mas acabei de ler que posso te pedir o que preciso - ela respirou fundo e olhou para o teto do quarto - e o que eu preciso agora é me encontrar. Saber quem eu sou. Tentei por tanto tempo sozinha e estou mais atolada na merda do que eu tava.
Ela se inclinou um pouco e chorou mais. Mas a cada palavra que falava sentia uma paz dentro dela que não conseguia explicar, uma paz que parecia fazer carinho, a puxava para perto e sussurava : vai ficar tudo bem.
E ela acreditava.
- O Senhor me conhece tão bem, não poderia me mostrar quem eu sou, porque agora eu sou um caos ambulante e eu não gosto disso.
- Quero voltar para casa, Pai. Quero sentar no seu colo para Tu acariciar meus cachos e falar comigo o que eu tenho que ouvir. Eu preciso de me encontrar, mas, me encontrar em Ti.
A paz que sentiu foi tão grande que deu a ela a certeza de que tudo iria ficar bem, mesmo sem saber que tudo era esse, já que não tinha nada.
Ela não sabia totalmente quem era, mas agora já estava no caminho.
Não iria descobrir como os outros descobrem, como ela tentou, experimentando de tudo para achar algo que se identifique.
Iria contra a massa, na contra mão e pela primeira vez, não temeu bater de frente.
FIM
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