Capítulo 6
28 de junho de 2012, quinta-feira
Asafe suspirou levemente, aliviado. Ele não podia negar que tal ação inesperada os tinha livrado de algo pior. O que o fez pensar: “Como é possível que, em um lugar tão aleatório, houvesse tal esconderijo? Ou mais, como a jovem mundana, Mourana, sabia?”
Ele virou-se para encarar a escuridão atrás de si, nenhum sinal visível da mulher de olhos redondos. Se ele fosse um bruxo, evocar um pouco de fogo seria fácil; se fosse uma fada, poderia apenas encandecer a si mesmo. Mas ele não era nem um e nem outro, e evocar elementos naturais era impossível para ele.
Ainda bem que a tecnologia existia.
Ele tirou o pequeno celular do bolso e ligou a lanterna. Dois degraus abaixo estava o topo da cabeça pequena e cheia de cabelos revoltos da escolhida. Ela cobriu o rosto com as mãos por causa da luz repentina.
Asafe olhou para além dela, onde um túnel escuro de degraus continuava, descendo e descendo. Um pouco de sopro frio corria, algumas vezes mais alto, outras mais baixo e imperceptível. Havia um final para o túnel, isso era certo. Mas até onde o mesmo levava?
Mourana acenou uma mão para chamar a atenção de Asafe.
— Nós podemos continuar. Seguir o túnel. — ela explicou.
Asafe a encarou desconfiado e em avaliação.
— A senhorita sabe onde acaba o túnel?
Mourana acenou com a cabeça e, sem esperar que o homem dissesse mais alguma coisa, começou a descer as escadas.
A respiração da mulher estava desregulada por causa da fuga anterior, seu coração lutando para se acalmar. Suas mãos foram para os bolsos da jaqueta querendo que o feiticeiro não percebesse que estavam trêmulas. Descendo pelo túnel, a sensação de déjà vu cresceu mais e mais, deixando sua garganta seca. Toda a situação trazia lembranças desagradáveis, das quais ela pensara que nunca mais vivenciaria.
Estava enganada.
Pouco eles desceram e os degraus, enfim, acabaram. Via-se um caminho levemente mais largo no túnel à frente.
— Mesmo tendo vivido por décadas nessa cidade, devo admitir que a existência destes túneis me eram completamente desconhecidas. Eu me pergunto, como a senhorita sabia? — Asafe inquiriu suavemente, acompanhando Mourana lado a lado e iluminando o caminho terroso adiante.
Mourana permaneceu quieta por alguns segundos ― seus olhos não visíveis de cima por Asafe ― e encarando algum ponto desconhecido na escuridão distante.
Asafe não disse nada.
Com uma respiração profunda, Mourana chamou a atenção do feiticeiro antes de gesticular:
— Seis anos atrás, quando eu me mudei para cá, pra morar com meu pai, fomos atacados... — ela fez uma pausa com as mãos no ar antes de continuar. — Fomos atacados por aquelas criaturas.
Asafe parou no lugar, surpreso. Então... Isso explicava o porquê de a mulher não ter sido tão resistente quanto ao mundo místico antes.
Mourana parou também, ficando de frente para ele.
— Nós estávamos na área morta quando aconteceu, então ninguém podia ajudar. Aquelas coisas nos perseguiram. Meu pai sabia sobre os túneis, e onde ficavam as saídas e entradas. E, naquele dia, tentamos escapar por um deles... Exatamente este aqui. Eu... Ele foi puxado por uma daquelas coisas antes de conseguir entrar, então... elas mataram ele. — uma brisa correu entre os dois, trazendo desconforto ao coração velho de Asafe, e deixando os dedos de Mourana rígidos. — Eu não podia fazer nada e eu não entendo o que aconteceu, mas, de alguma forma, elas roubaram a minha voz. Eu não sei como, fui atingida antes de me trancar no túnel e, quando acordei, tudo o que eu podia fazer era aquele barulho que machuca as pessoas.
Asafe ficou estático por um minuto. Isso queria dizer que, antes, ela podia falar? Então, não parecia haver erro sobre ela ser a escolhida, entretanto, o problema aumentara. Se haviam feito questão em lhe roubar a voz ao invés de matá-la, queria dizer que, quem quer que comandasse as criaturas, tinha exatamente a intenção de tornar a profecia impossível de ser completada.
E, agora, as criaturas retornaram, a fim de acabar com tudo de vez.
Dentro de tantas investigações dia e noite, Asafe não tinha, de fato, parado para pensar na última perseguição que tiveram com as criaturas invisíveis. Às vezes, os Bons Mestiços morriam por causa dessas perseguições. Os Invisíveis, como apelidaram, apareciam de repente e matavam descontroladamente. Ninguém sabia de onde eles vinham, nem sua origem. Era como se tivessem surgido do nada.
— Meus pêsames pelo seu pai. Alguma vez, depois daquilo, as criaturas voltaram a perseguir você?
Mourana balançou a cabeça, suas mãos geladas voltando para dentro da jaqueta.
Eles voltaram a caminhar.
— Tenho que dizer, é um acontecimento muito suspeito. A senhorita disse que seus pais não têm relação com o mundo místico? — Mourana concordou. — Então, de repente eles aparecem e atacam humanos. Não me parece algo precipitado, eles não costumam ir atrás de humanos. — Asafe estreitou os olhos em direção ao túnel escuro à frente, pensativo. — Terei que falar com Sombra sobre isso mais tarde. Tudo bem para você?
Mourana pensou um pouco antes de concordar novamente. Ela já estava nisso de qualquer maneira, esconder coisas assim não parecia justo, levando em conta a sinceridade dos dois homens.
Os dois caminharam uniformemente pelos minutos a seguir. Antes que completasse uma hora de caminhada, o túnel abriu em uma bifurcação. Mourana liderou na frente pela direita e logo eles estavam subindo um lance de escadas apertado, novamente. Dessa vez, a porta que levava ao túnel estava entreaberta e nada bloqueava o caminho. Os dois subiram para uma casa abandonada e, com cuidado, saíram da construção precária. A rua do lado de fora estava tão vazia e suja como sempre.
Asafe olhou ao redor e contemplou o fato de que, mesmo tendo visto tantas coisas, ainda havia sempre algo que ele não conhecia. A sensação de novidade era boa, e ele quase agradeceu à mulher por isso.
Secretamente, ele enviou um aviso à Sombra, e inquiriu à mulher.
— A senhorita precisa ir ao trabalho, acredito eu. Quando será sua folga, eu posso saber?
Mourana o encarou. Ela estava pensando em usar suas folgas para limpar a boate, a fim de conseguir um pouco mais de dinheiro.
— É alguma coisa importante? — ela perguntou, um pouco convencida a adiar seus planos ainda mais.
Asafe deu de ombros sutilmente.
— Gostaria que a senhorita nos acompanhasse até à Biblioteca da CVO. Talvez você consiga encontrar algo que não somos capazes de perceber.
— Como eu poderia? — Mourana suspirou uma risadinha, ainda assim, ela concordou. Que mal faria, afinal? E ela tinha que admitir, estava um pouco curiosa para saber como seria essa CVO da qual eles falavam. Seria de estilo antigo? Moderna? Gótica, como nos filmes de ficção? Ela não podia evitar ficar na expectativa.
De acordo, Asafe a acompanhou até a rua da boate onde ela trabalhava e, então, separaram seus caminhos.
Mourana chegara em cima da hora, então não houve muito tempo para lidar com os rostos azedos de seus colegas de trabalho.
Dizer que ela estava confortável após os eventos da noite anterior seria uma grande mentira. Alessandra, Douglas e Daniel continuavam lançando olhares zombeteiros para ela, esbarrando "acidentalmente" e ignorando quando ela tinha que se dirigir a eles.
“É como se eles tivessem decidido retaliar de vez”, Mou pensou. Mas, retaliar contra o quê?
No momento que Mourana se virou em direção ao depósito, para repor uma das garrafas, Daniel, que vinha daquela direção, esperou que ela se aproximasse, antes de puxar a maçaneta abruptamente, batendo a porta diretamente no seu rosto. Ao retirar o braço da maçaneta, ele ainda, "sem querer", bateu o antebraço contra a mulher mais baixa, fazendo-a cair.
Risos soaram ao redor dela, enquanto Mourana sentia seu nariz, dolorido pela pancada, escorrer sangue. No chão, cobrindo o rosto vermelho de vergonha e sangue, Mourana apertou os dentes. Eles não estavam passando dos limites?
Ela se levantou devagar, não ousando olhar para os outros ao redor. Com a mão ainda cobrindo metade do rosto, ela tentou correr em direção ao depósito, mas um grito a deteve.
— Mou?
Ela virou em direção à voz desconhecida. De fato, sua surpresa não podia ser disfarçada ao perceber o homem alto e de presença sombria do outro lado do balcão, encarando-a diretamente com olhos gélidos.
Sombra, com o punho fechado sobre o balcão, fez questão de fixar o olhar em Daniel, cujo sorriso sujo ainda se mostrava no rosto. O sorriso logo desapareceu ao encontrar o olhar do outro homem. Daniel levantou ambas as mãos dando uma desculpa esfarrapada.
— As desculpas não são minhas. — Sombra atirou, sua voz grave, soando alta e realmente irritada. — Mas isso a gente resolve depois.
Então, ele voltou o olhar para Mourana, que continuava parada e confusa.
— Vai pra saída. — Sombra disse e se voltou em direção à multidão, desaparecendo logo depois.
Mourana pensou, apenas por um segundo, antes de virar para a outra porta que levava aos vestiários e à saída de funcionários. Daniel tentou impedi-la, segurando seu braço, mas ela se soltou, não querendo de jeito nenhum ficar para escutar o que quer que fosse dizer.
No vestiário, Mourana parou para pegar um pedaço de papel higiênico, e tentar limpar o sangue de seu nariz às pressas. Com outro pedaço limpo, ela o pressionou contra a narina machucada enquanto praticamente corria para a porta que levava ao beco.
O ar frio e desconfortável bateu contra seu rosto e ela percebeu que não tinha pegado o casaco. Era por volta de duas da manhã, na rua ao lado o movimento de pessoas não era muito intenso, mas ainda era possível ouvir risadas altas e reclamações.
Mourana suspirou, abaixando o olhar para os seus pés e, de repente, se perguntou se Sombra tinha visto sua humilhação. Ela queria acreditar que não, embora fosse muito provável.
— Tu é paga pra ser a piada deles?
Mourana levantou a cabeça rapidamente, trazendo uma onda de tontura. Ela não tinha ouvido os passos de Sombra, mas ela devia estar surpresa?
Com os olhos envergonhados, a mulher balançou a cabeça, não conseguindo manter o contato visual.
Sombra bufou. Ele seriamente queria acreditar que a ― tão famosa – escolhida, não era tão facilmente intimidada, no entanto, parecia que ele teria que manter um olho nela. Ou, então, qualquer outra noite ele poderia simplesmente vir e encontrar seu cadáver jogado no tambor de lixo.
— Eles não vão te deixar em paz se continuar assim.
Mou trocou o peso de pé, levemente indignada. Ela queria isso? Ela parecia gostar de se sujeitar a isso?
— Tu deveria revidar ou pelo menos brigar um pouco.
Mourana olhou para ele com olhos contrariados. Ela levantou os ombros e a mão livre se levantou ao lado de seu corpo com a palma pra cima. Como?
Foi a vez de Sombra suspirar contrariado. Ele ainda tinha que se acostumar com a ideia de que a mulher não podia simplesmente brigar ou discutir. E ele duvidava seriamente que ela, de um metro e cinquenta e oito, tinha forças pra derrubar os três colegas de trabalho, abusivos.
— Assim é difícil... — ele murmurou para si mesmo, ganhando um olhar afetado da mulher. — Eu vim de passagem, mas parece que eu devia ficar e te vigiar.
Os olhos escuros da mulher ficaram ainda mais arredondados. Ela balançou com a cabeça em negação e, querendo se comunicar, jogou o papel higiênico com um pouco de sangue na lata de lixo ao lado.
— Você não tem que fazer isso. — ela gesticulou. — Eles não vão me matar. Talvez logo se cansem disso.
— Não tenho dúvidas de que eles te matariam, se pudessem. — Mourana parou, sua expressão em choque. — Não me olha assim. Viver nesse lugar de merda por tanto tempo já devia ter te feito aprender que ninguém liga pra vida de ninguém. Tu, com essa aparência e sem voz... Eu sugiro que procure outro emprego rápido.
Mourana ainda estava tentando digerir o que ele tinha dito. Ela sabia da falta de caráter das pessoas daquela cidade, mas ela realmente não tinha pensado que seria assassinada. Não era muito exagerado? Ainda... por que de repente Sombra estava falando tanto?
— Você está zangado comigo? — ela gesticulou, um pouco incerta. Ele levantou uma sobrancelha para ela. — De repente.... De repente falando tanto e... — ela sacudiu as mãos em direção à porta que levava à boate, sem saber muito bem como continuar. — E me dizendo essas coisas...
— Eu tô sendo sincero contigo e dizendo o que eu acho. Neste momento, tu é extremamente importante pra um monte de gente, inclusive pra mim. — Sombra falou sem rodeios. — Tua segurança é uma preocupação válida. Eu não devia negligenciar isso.
Mourana não mudou sua expressão de surpresa. Ela realmente não sabia como lidar com as coisas que Sombra dizia. Ela não tirava a razão dele, claro, mas como exatamente ela devia agir?
Deixar o emprego? Mas onde ela acharia outro? Tinha sido difícil o suficiente conseguir esse e fora graças a uma conexão. Ela não teria tanta sorte na próxima.
— Eu... Eu não estou feliz em continuar aqui também, mas eu não tenho outra opção.
Sombra apertou os lábios para a aparência ainda mais cansada da mulher. A falta de vivacidade nela o deixava desconfortável.
— Asafe tem uma boate, se você quiser trabalhar lá não seria difícil de arranjar.
— Eu não quero me aproveitar de vocês. E quando isso tudo acabar? Eu vou ficar sem nada?
— Não se preocupe com isso, não somos ingratos e nem imbecis.
Eu não disse isso, o rosto de Mourana dizia.
Sombra suspirou. Ele enfiou a mão dentro de seu sobretudo e tirou um lenço de tecido, esticando-o em seguida na direção a Mourana. A mulher ficou estática, incrédula com a ação do outro de limpar resquícios de sangue ao redor de seus lábios.
— Volta pro trabalho. — e deu as costas.
Mourana engoliu em seco. Ela deveria reagir ou...?
Voltando para dentro do estabelecimento, Mou fez questão de passar pelo depósito e pegar o reabastecimento. Assim que ela chegou ao seu posto, ignorando os olhares de lado de seus colegas de trabalho, sua surpresa, mais uma vez, ficou evidente em sua expressão. Sombra estava sentado em uma das banquetas do outro lado do balcão, braços cruzados e olhos semicerrados. Ele realmente vai me vigiar? Achei que tinha sido apenas um comentário...
Mou não conseguiu conter um sorriso leve quando abaixou a cabeça para ajeitar as coisas em sua estação.
•••
2 de julho de 2012, segunda-feira
Na segunda-feira à tarde, Mourana deu uma desculpa para Evelyn e saiu. Quando ela estava prestes a descer as escadas de cimento e estreitas, o som de berros foi ouvido. Um pouco assustada, ela virou para ver Kellen aos prantos do outro lado do corredor.
Kellen sumia por muitas vezes, as outras pessoas do prédio diziam que ela saía para se drogar e se prostituir e, durante esse período, nem conseguia lembrar onde morava. Quando estava no prédio, de alguma forma, ela sempre causava problemas, batendo nas portas alheias no meio da madrugada; pedindo dinheiro ou comida; gritando sozinha pelos corredores; caindo das escadas e atrapalhando a passagem dos outros.
Muitas vezes havia reclamações levadas até o síndico, mas este sequer considerava. Claro, havia fofocas sobre isso e teorias também.
Uma vez Mourana ouviu alguém dizer que Kellen era filha do síndico ou então sua amante, ou ainda, filha de um amigo de infância. De fato, ela sabia que nenhum dos outros realmente tinha conhecimento sobre esse fato. Como todos os outros, Kellen não tinha base e seus precedentes eram um mistério.
Neste momento, ela provavelmente estava tendo outra crise de abstinência. Alguns dos vizinhos saíram para tentar controlá-la, sendo chutados pelos saltos pesados da mulher e estapeados.
O vizinho da frente de Mourana ficou na porta observando a confusão com uma expressão de nojo. Logo, ele viu Mourana, fechou a porta atrás de si e caminhou em sua direção, seu andar arrastado, e sobrancelhas cobrindo os olhos muito escuros com pupilas dilatadas.
Mourana virou as costas para continuar descendo as escadas, ignorando o homem diretamente.
— Vizinha... — a voz esganiçada do homem chamou, baixo. Mourana continuou descendo as escadas. — A vizinha não aparece muito por aqui. Eu queria te conhecer melhor. Pra gente ficar bem próximo.
Quando Mourana, enfim, chegou no fim da escada, aonde a grade de ferro ― que dava para a rua ― ficava. Ela não tardou em levar a chave até o cadeado que trancava as correntes, as quais prendiam a grade. O odor de álcool e suor azedo do homem fez Mou enrugar o nariz quando ele se inclinou contra suas costas, o bafo de sua boca batendo contra sua orelha. Mourana se encolheu em direção à grade, brigando com o cadeado emperrado.
— Pra onde você tá indo? É aquele cara grande de novo? — ele sussurrou perto do ouvido de Mourana, toda sua presença pesada e enjoativa fazendo as mãos de Mourana tremer.
O cadeado, enfim, se abriu e ela puxou as correntes. As grades foram abertas brutalmente por outra pessoa que a puxou para a frente. Ela arfou, temerosa.
O cara bêbado riu.
— Outro?! A vizinha não tem mesmo medo de caras grandes. Eu posso dar a certeza de que me aguentaria. — ele ri através de sua garganta escoriada, engasgando-se em seguida.
— Eu aconselho o senhor a manter suas piadas aversivas para si. — uma voz grave e clara soou por cima da cabeça de Mourana. Ela suspirou ao reconhecer a voz.
Levantando a cabeça, Mourana pôde ver claramente Asafe ― cujos olhos, completamente pretos, estavam sempre brilhando felinos ― encarando ao outro homem mais baixo fixamente. Mourana nunca o vira tão intimidador.
Era verdade que, apesar de menos forte que Sombra, Asafe ainda era muito bem construído, com músculos firmes, levemente marcados através de seu terno preto. Talvez algumas pessoas se assustassem com sua aparência completamente negra: cabelos pretos raspados, pele preta e reluzente, olhos completamente pretos e vestes idem. Era como se ele fosse uma sombra andante, facilmente possível de se esconder em qualquer lugar, mas, ao mesmo tempo, sua presença e postura eram nobres demais para ser despercebido. Ele era bonito e parecia gostar de fazer a si mesmo parecer diferente de todo o resto.
Apesar de tudo, Mourana nunca o vira de uma forma que não fosse gentil. Esta era a primeira vez que ela percebera que, de fato, Asafe podia ser muito mais assustador do que Sombra.
O vizinho bêbado torceu os lábios oleosos no meio de uma barba suja, resmungando. Mesmo com medo, ele ainda era orgulhoso e narcisista o suficiente para ignorar toda a situação e zombar internamente. Ele virou de costas e subiu as escadas.
Asafe voltou o olhar para a mulher colada ao seu lado que, com um pedido de desculpas, soltou seu braço e deu um passo para trás.
— Este homem a vem importunando? — ele perguntou, sério.
Mourana balançou a cabeça. Ele definitivamente a deixava desconfortável, no entanto era a primeira vez que ele ousara se aproximar tanto dela.
Asafe a encarou em descrença.
— Sombra estava certo, parece que a senhorita atrai os piores cenários possíveis. Eu virei buscá-la para o trabalho a partir de agora.
Mourana levantou as mãos para protestar, mas, sendo sincera consigo mesma, ela realmente gostaria de alguma segurança. Então, por fim, ela abaixou as mãos novamente, colocando-as dentro dos bolsos traseiros da calça.
Os dois começaram a caminhar, indo para o norte, onde ficava a civilização real.
— Eu soube sobre as situações em seu trabalho. — Asafe disse, sua voz tão suave como sempre, quando falava com Mourana. — E concordo com Sombra em lhe dar uma lugar em minha boate. O único problema seria sobre a sua adaptação com as... circunstâncias. Mas acredito que a senhorita será rápida em se adaptar.
Mourana se sentiu um pouco fora do lugar.
Ela conhecia os dois homens há pouco menos de um mês, ainda assim, mesmo que não confiasse plenamente em ambos, estava começando a ter um senso de pertencimento. Não, eles não podiam se comparar a Evelyn. Mas Mourana sempre se sentia segura perto deles, e a constante presença ao seu redor a fez se acostumar com eles estando sempre de olho. Isso a fazia esperar que eles aparecessem.
Ela segurou um sorriso com a constatação de que, aparentemente, tinha conseguido dois novos amigos.
Ela olhou para Asafe, que sorriu em sua direção.
— Certo. Eu irei fazer alguns ajustes. Daqui há um mês e meio, um dos meus funcionários terá que sair de qualquer maneira. Antes disso, eu a levarei para fazer uma experiência.
Mourana assentiu, talvez com mais veemência do que deveria.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top