Capítulo 5
28 de junho de 2012, quinta-feira
Eram quase cinco da manhã e o céu continuava escuro como a noite. Pela área morta, duas pessoas ― uma baixa e uma alta ―, caminhavam lado a lado. A mais baixa pisava de maneira incerta, encolhida em seu casaco. O mais alto mantinha um ritmo calmo, imperturbável. A dois quarteirões de distância era perceptível a presença de um prédio decrépito, cujas janelas emitiam uma luz amarelada e frágil ― um ponto de vida em meio ao abandono.
Mourana deixou o ar sair entre seus lábios frios. Ela crescera em um lugar normal, uma casa comum com uma vizinhança comum. Quer dizer, tão comum quanto possível.
Ela mal conseguia lembrar o momento em que sua vida se transformara nesse cinzento e assustador silêncio. Todas as tardes, ela ia por essa rua rumo à cidade, todas as manhãs, ela vinha por essa rua rumo ao seu pobre lar.
— Qual teu nome? — a voz assustou Mourana.
Ela olhou para o lado, para cima, onde os olhos do homem esperavam por sua resposta. Sinceramente, ela também não lembrava o nome dele, então, não se sentiu ofendida. Entretanto, o que a fez parar antes de gesticular, foi a estranha sensação de tê-lo falando diretamente com ela em uma situação fora das investigações.
Ela gesticulou e, assim que ela achou que a legenda apareceu para Sombra, o mesmo assentiu.
— Eu sou Sombra. — Mourana franziu o cenho, mas balançou a cabeça, mostrando que entendeu. — Mais cedo, eu não devia ter explodido.
Mourana não moveu um dedo, apenas olhando para a rua a sua frente. Ela não estava chateada com ele, apesar disso.
— Eu ainda não disse. — Sombra falou novamente, quando ambos pararam em frente ao prédio dela, os olhos do homem investigando a construção diante dele. — Mas eu agradeço que tu tenha aceitado ajudar. Eu sei que não queria, mas valeu.
Mourana olhou para ele até ver sinceridade nos olhos escuros do homem. Ela assentiu, não negando a afirmação dele e deu um sorriso fraco.
— Tchau. — ele acenou com a cabeça, ao que ela repetiu suas ações e virou para entrar no prédio.
Enquanto subia as escadas de cimento na lateral do prédio, Mourana mordeu o lábio ao lembrar da cena na boate. Toda a noite parecia fora da realidade, os ataques e, logo em seguida, a reunião com Asafe, e Sombra sobre coisas fantasiosas.
Coçando a cabeça em exasperação, ela parou no seu andar e adentrou o corredor até parar em frente à sua porta. Sacando as chaves, ela ouviu o som de passos cambaleantes.
— Vizinha. — uma voz embriagada soou nas suas costas.
Ela olhou para trás para seu vizinho de porta, um homem por volta dos trinta anos, gordo, beiçudo, desleixado e com o cheiro carregado de álcool. O homem correu os olhos nebulosos de cima a baixo em seu corpo com um sorriso de lado, amarelo. Uma risada sórdida escapou de seus lábios.
— Vizinha. — a língua do homem embolou. — Eu viiiii, hehehe, seu namoradinho lá embaixo. Eu vi...
Mourana engoliu em seco e virou-se para a porta, enfiando a chave na fechadura.
— A vizinha com certeza deve gostar muuito daquele tipo. Hmruum. Um cara graaande. Hahahahah.
Mourana bateu a porta atrás de si, trancando todas as fechaduras extras logo em seguida. Ela arfou, seu coração batendo acelerado e suas pupilas dilatadas com a sensação de perigo. Aquele homem, era como se ele estivesse pronto para pular em cima dela a qualquer momento.
— Chegou cedo. — uma voz veio de suas costas.
Pulando com o susto, Mourana virou para ver Evelyn parada atrás do balcão a encarando com as sobrancelhas arqueadas.
— Tudo bem? — a outra mulher inspecionou, percebendo os olhos assustados da amiga.
Mourana suspirou em alívio e lançou um olhar de repreensão para Evelyn, uma mão sobre o peito.
— Algumas coisas aconteceram e eu saí mais cedo.
Evelyn soltou um "hm" e se virou para o fogão onde a água fervia.
— O que você faz acordada a essa hora? — Mourana perguntou, sentando-se diante do balcão e chamando a atenção de Evelyn.
Evelyn sorriu para ela.
— Eu queria fazer o café pra você e... vou pra uma entrevista de emprego também. — ela disse animada, seus olhos brilhantes se iluminando ainda mais. — Se eu conseguir, vou poder ajudar com o aluguel do próximo mês.
Mourana sorriu para a dancinha da amiga.
— Você não precisa se preocupar tanto, tudo bem? — Mourana a assegurou.
Evelyn assentiu.
— Eu sei, Mou. Mas eu não quero tirar proveito de você. Não como Elisa fazia. — Mourana levantou as mãos, seu olhar contrariado, mas Evelyn a interrompeu. — Eu sou muito grata a você, você sabe, né?!
Mourana deixou os ombros caírem com um suspiro. Ela balançou a cabeça concordando.
— Então... — Evelyn deu a volta no balcão e parou na frente da amiga, seu sorriso amplo no rosto. — Assim que eu conseguir o emprego, a gente vai sair e vamos nos divertir. Okay?
Mourana hesitou por um momento. Ela tinha pensado em falar com Felipe, o dono da boate, para saber se ele precisava de alguém que ajudasse na limpeza de forma integral. Ela precisava de algum dinheiro a mais, afinal. E não é como se ela nunca tivesse feito isso antes.
— Mou. — a mulher de cabelo liso chamou, insistindo. — Por favor, você também precisa descansar.
Mourana remexeu os lábios. Era só por um dia, que mal poderia ter?
Ela assentiu e ganhou um abraço apertado de Evelyn.
— Isso aí! — a outra exclamou, correndo para desligar o café no fogão, onde fervia.
Depois que todo o líquido estava no coador, Mourana chamou sua atenção novamente.
— Você está melhor?
Evelyn deu um sorriso apertado.
— O que eu posso fazer? Eu não vou morrer só porque um cara me deu um pé na bunda. Aliás... — ela sorriu de lado, mordendo o lábio inferior, seus olhos brilhando. Debruçou-se sobre o balcão e falou baixo para Mourana, como se contasse um segredo. — Eu conheci outro cara. E, eu juro, dessa vez ele não é nada perigoso. — assegurou, quando Mourana lhe lançou um olhar. — Ele trabalha num escritório e é perfeito! O sorriso dele é tão bonito, ele é como... Ele é como um raio de sol! Eu juro que ele me trata tão bem. Eu tenho saído com ele tem um tempo...
— Que tempo? Você não terminou com Alex tem uma semana? — Mourana gesticulou freneticamente, exasperada.
— Bem... — Evelyn olhou para baixo, hesitando em falar, seus dentes a mostra. — Na verdade, eu conheci ele tem algumas semanas... — Mourana bufou. — Ah, Mourana, qual é?! Ele é muito melhor que o Alex, eu não sou tão burra assim. Talvez com ele, eu possa finalmente ser feliz.
— Por que você ficou tão triste quando terminou com o Alex então? — Mourana inquiriu.
— Porque eu não esperava... O que me segurava a ele era eu pensar que ele gostava de mim. Mas não era assim... — os olhos de Evelyn permaneceram no balcão, desanimados. — Eu só faço merda, eu sei.
Mourana não respondeu, porque ela estava concordando internamente. Assim, ela ganhou um tapa no braço da amiga indignada.
— Você devia me defender! — Evelyn gritou, então riu.
Mourana riu sob sua respiração.
Bem, essa amiga que só fazia merda, era a melhor coisa que ela tinha.
•••
28 de junho de 2012, quinta-feira
Evelyn tinha acabado de sair, deixando Mourana sozinha no apartamento.
Depois de um banho e uma discussão longa por SMS com o dono da boate, ela estava exausta. Encostada na cabeceira velha de madeira, ela folheava o livro que Asafe tinha dado para ela. Depois de um tempo, mais e mais imagens surgiam nas folhas vazias. Às vezes, Mourana conseguia sentir cheiros e brisas, às vezes, as imagens se mexiam como que em câmera lenta.
Mourana, naquele instante ― dentro do quarto preenchido pelo som do ventilador pequeno e estridente cuja iluminação vinha dos raios fracos de sol que deslizavam por debaixo da porta ― encarava fixamente a mulher no livro.
Seus cabelos azuis reluziam, iluminando fracamente o campo de visão de Mourana. Os olhos da mulher jovem encaravam Mourana de volta, firme, determinada e encantadora. De alguma forma, Mourana sentia que aquela mulher era muito forte, mas muito vulnerável também.
Ao redor da mulher, folhagens se amontoavam, prendendo-a em seu cerco. Nas folhas, olhos esverdeados atiravam adagas afiadas para fora da página, advertindo a quem quisesse se aproximar da mulher.
Mourana não conseguia desviar os olhos da imagem.
Com um suspiro, Mourana deixou o livro cair sobre suas pernas quando a mulher no papel virou para olhar algo além dela. Talvez... fossem coisas demais para lidar?
Não, ela nem tinha começado a ajudar de verdade, como poderia estar cansada, quando Asafe e Sombra eram os únicos que estavam realmente correndo de um lado para o outro atrás de tudo? Ela só estava cansada do dia. Era só isso.
Às três da tarde, Mourana se levantou. Enquanto comia o almoço rápido que tinha esquentado, ela mandou uma mensagem para Evelyn, perguntando sobre a outra. Aparentemente a amiga tinha estado andando pelo centro, olhando ao redor.
Mourana lavou seu prato, colher e copo. Encostada ao balcão, ela olhou em volta para o seu apartamento.
Tudo igual.
Nada diferente.
PA!
O baque repentino fez Mou saltar, seu coração acelerando. O som tinha vindo de cima, então só podia ser Evandra derrubando alguma coisa.
Mourana suspirou.
Toc. Toc. Toc.
Novamente o barulho repentino assustou Mourana e, dessa vez, vinha da sua própria porta. Mourana estalou a língua e se repreendeu por estar tão desprevenida.
Com passos calmos, ela foi até a porta e espiou pelo olho mágico. Era uma mulher alta — em comparação a ela — e extremamente magra, seus ossos pontudos e desajeitados. Os cabelos opacos e quebradiços estavam amarrados com um prendedor e seu rosto enrugado estava coberto por maquiagem pesada.
Mourana franziu o cenho. Ela sabia muito bem quem era a mulher e, também por isto, hesitou em abrir uma fresta da porta, duas correntes mantendo um pingo de segurança.
A mulher do outro lado virou seus olhos nebulosos e avermelhados na sua direção.
— Tu tem sal? Me dá um pouquinho aí. — a mulher se engasgou, sua garganta seca e arranhada.
Mou, de cenho franzido, balançou a cabeça e a mão para a mulher. “Não tem”.
— Ei. — a mulher bateu na porta, fazendo Mourana se sentir ainda mais desconfortável. — Só um pouquinho. Me dá na colher. Só uma colher. Sal na colher. Ei!
Mourana lutou para segurar a porta, enquanto a mulher do outro lado batia e empurrava a mesma. Ela continuou balançando a cabeça e, com uma das mãos, tentava fazer a mulher sair logo dali.
— Açúcar! Sal na colher. Ei, tu tá mentindo pra mim. O que custa uma colher de sal? É só um pouco de sal. Abre essa porta. — a mulher começou a empurrar a porta, tentando quebrar as correntes. Mourana, menor do que ela e assustada, tentou fechá-la, mas sua força não se equiparava a da outra. — Eu vou entrar e pegar o sal. Tu não vai morrer sem sal. Abre a porta. Eu quero entrar. Eu quero entrar!
Mourana ofegou com a força que seus braços tinham que aguentar para evitar que as correntes arrancassem o reboco da parede. As pernas frágeis da mulher vacilaram em cima do salto, e Mourana aproveitou para fechar a porta bruscamente e girar o máximo de trancas possíveis, antes de a mulher retomar o equilíbrio.
Socos e chutes foram deferidos contra a porta, deixando Mourana assustada e impotente. Kellen era vizinha de Evandra, do andar de cima e, apesar de sua postura encurvada e fraca, tinha apenas dezenove anos. Mourana não sabia muito sobre ela, apenas o que fofocavam pelos corredores. Às vezes, Kellen batia nas portas dos outros moradores do prédio, mas era muito raro chegar até a porta da mulher “muda”.
De repente, houve uma comoção do lado de fora. Com o coração na mão, Mourana tentou escutar o que estavam dizendo.
— ... com nojo de mim. — discutia Kellen com a língua embolada. — Quem é você? Eu vou entrar.
A voz da outra pessoa não apareceu, em vez disso, Kellen reclamou ainda mais alto e depois suas reclamações foram ficando mais baixas, sua voz sumindo pelo corredor.
Mourana bisbilhotou pelo olho mágico e viu um casaco preto e pesado de aparência cara. Rapidamente, ela destrancou a porta.
— Boa tarde, senhorita.
Mourana acenou a cabeça para ele, surpresa com a visita inesperada.
— Desculpe vir sem avisar. Eu estive pensando claramente e percebi que falhei em meu dever de ajudá-la a entender as coisas.
Mourana olhou para ele, sem entender bem o que ele queria dizer. Era sobre os assuntos do mundo dele? Sobre as coisas que ela não entendia?
Mourana apenas balançou a cabeça e abriu espaço para ele entrar.
— Espere um pouco. Eu vou me vestir para o trabalho e nós saímos. Aqui... — ela suspirou e balançou as palmas das mãos no ar como se dissesse que “não” sem dar maiores explicações.
Asafe assentiu e sentou-se no sofá pacientemente.
Pouco tempo depois, Mourana veio e os dois saíram rumo à cidade.
— As coisas são sempre tão agitadas? — Asafe indagou, as mãos nos bolsos.
Mourana pressionou os lábios e deu de ombros. Elas não eram, mas não havia muita calma também.
— Você queria me contar alguma coisa? É sobre as investigações? — Mourana inquiriu, logo depois levando suas mãos novamente para os bolsos.
Asafe olhou-a de soslaio, sua altura o permitindo ver o topo da cabeça da mulher cujos cabelos volumosos eram domados num rabo-de-cavalo. Em seu íntimo, ele ainda achava difícil acreditar que tinha conseguido encontrar a pessoa da profecia. Parecia surreal, até mesmo para ele.
Asafe tinha vivido por séculos e séculos e visto mais do que se mostravam nos livros de história. Haviam pouquíssimos tão velhos quanto ele e muito pouco tão sábios. Entretanto, dentre os mais velhos, ele não era o mais poderoso. Ele conhecia feitiçaria antiga e moderna, mas suas habilidades eram limitadas. E ― entre os mais poderosos ― estranhamente, ele fora aquele capaz de encontrar a esperança.
Parecia realmente muito pouco convincente.
Ele soltou um suspiro, sua postura nunca deixava de ser ereta e alta.
— A senhorita deu uma lida no guia rápido sobre as dimensões, eu suponho. — Mou assentiu. — Há alguma dúvida?
Mourana olhou em volta. O bairro abandonado sempre do mesmo jeito.
— Eu não entendi onde os Bons Mestiços se encaixam. Quero dizer, não há nada escrito sobre eles.
— Isso é porque evitam manter registros sobre eles. Você pode encontrar a história na Biblioteca da Central de Vigilância Ordênica, mas há apenas teorias do surgimento deles. Assim como vocês não sabem como apareceram, para alguns de nós é o mesmo. — Asafe fez uma pausa antes de terminar. — A teoria diz que Ísis os criou.
Mourana pensou um pouco.
— A Suprema do Etéreo Místico?
Mourana tinha lido algo sobre ela. A Suprema era uma deusa, entretanto, ela não realizava desejos nem atendia às orações. Sua principal função era manter o mundo dos mortos e dos seres místicos estáveis. E ela era a única capaz de fazer isso. Ísis não aparecia com frequência, e sua imagem era desconhecida, mas seu poder era tamanho, em caso de extrema necessidade, ela sempre viria socorrer os justos e estabelecer novas leis mortais. Não havia dúvidas sobre sua existência, assim, muitos se consideravam seus seguidores fiéis.
— Sim. Ísis esteve no mundo dos mortos desde muito antes de ele se tornar o que é. As teorias falam sobre vazio, ou que sua essência pura formou uma nova dimensão impenetrável. Ela nunca se reportou e ninguém pode obrigá-la, então, quando os seres místicos começaram a fazer o uso dos teletransportes e causar confusões no mundo dos humanos, ela colheu a essência de cada ser místico existente, juntou-as e deu à luz ― ela mesma ― aos que conhecemos como Bons Mestiços. Assim, a única missão de vida dos Mestiços sempre será proteger e controlar atividades de seres místicos aqui.
Mourana ouviu atentamente, tentando digerir calmamente.
— Então... Quem nasce como Bom Mestiço nunca poderia escolher uma profissão diferente? — ela questionou com o cenho franzido.
Asafe sorriu de lado para o pensamento simplista da mulher.
— Eles foram criados com este propósito, assim, seu único ímpeto sempre será esse. Assim como humanos foram criados para apreciar a obra divina.
— As coisas não são mais assim. A maioria dos humanos esqueceu disso há muito tempo.
— Mas nós não somos humanos. — Asafe parou e virou-se para ela calmamente, os olhos pretos brilhando na luz baixa do entardecer. — Nossos instintos sempre serão mais fortes do que as vontades, nossos valores mais importantes do que a tentação. Se nascemos para exercer determinada coisa, então só estamos satisfeitos com aquilo. É simples. Rebelião não é natural em todos os seres.
Mourana manteve um olhar reticente no rosto.
— Bons Mestiços sempre escolherão a vigilância; fadas sempre serão egoístas; sereias sempre serão bondosas e feiticeiros sempre se acharão os donos da razão. É por isso que somos tão avessos a humanos: vocês podem ser moldados; podem mudar a si mesmos; podem se rebelar e trair. Enquanto ordem, os Bons Mestiços conhecem sua importância, e para eles não há nada mais honroso do que nascer assim. Não houve e não haverá ninguém que queira ser outra coisa. Somos simples assim.
Mourana deixou seu olhar cair, um pouco envergonhada. A voz de Asafe nunca subira um décimo, calmo e firme, como sempre. Mesmo assim, Mourana sentia que tinha dito algo idiota.
— Apesar disso, há muitos Bons Mestiços que não gostam de mencionar sobre Ísis. Acho que eles gostariam que a mãe de sua ordem pudesse ser um pouco mais... presente.
Mourana balançou a cabeça em entendimento. Eles voltaram a caminhar pelas ruas da área morta.
— É bom que tenhamos falado sobre Ísis. Em um dos documentos...
Um grito vindo do topo de um prédio a um quarteirão na frente, um grito gargarejante soou no meio do lugar morto.
Asafe enrijeceu seus ombros, parando vigilante e puxando Mourana para trás de si. No céu, tudo continuava o mesmo, escurecendo cada vez mais.
Outro grito.
Uma parte do telhado do prédio despencou e, embora Asafe não pudesse ver o que era, ele imediatamente agarrou o braço de Mourana e começou a correr em direção à rua lateral. Mourana não precisou olhar mais do que dois segundos para ver as mesmas criaturas de antes e se esforçar para acompanhar o feiticeiro na corrida.
Os gritos ecoavam pelas ruas novamente. Mourana sentiu a mesma sensação desesperada de antes. As coisas eram grandes, mas desengonçadas demais. No meio da corrida, ela ousou virar a cabeça para ver duas das criaturas sobrevoando atrás deles, como se nos observassem, esperando a hora de atacar.
Sem qualquer defesa eles eram alvos fáceis demais.
Voltando-se para a frente e vendo que o objetivo principal de Asafe parecia ser apenas fugir, ela tomou um pouco de coragem e parou abruptamente, fazendo o homem, que ainda segurava seu braço, parar surpreso depois de arrastá-la aos tropeços por alguns passos.
— O quê? — Asafe começou, seus olhos arregalados em indignação, e foi interrompido pela mulher que o puxou em direção a uma das construções abandonadas. — Não é uma boa ideia!
Mourana abriu a porta apenas ao girar a maçaneta e se empurrou para dentro arrastando Asafe consigo. Ela fechou a porta antes de correr para o interior da construção, que parecia um antigo restaurante. No outro cômodo, ficava uma cozinha suja e depredada. Nenhuma saída.
Do lado de fora, as criaturas berravam e se batiam contra as paredes e teto, entretanto o teto de alvenaria era duro de ultrapassar e a ausência de janelas dificultava o arrombamento. O cimento velho seguraria as coisas por muito pouco tempo, mas era o suficiente, ainda.
— Este lugar é uma armadilha de rato, eu espero que a senhorita saiba disso, Mourana Castelo. — Asafe a repreendeu.
Mourana não lhe deu ouvidos e apenas entrou diretamente na despensa, derrubando todas as latas com comida vencida e conservados no chão.
— Senhorita Mourana. — Asafe a chamou da porta, exasperado e confuso com a atitude da escolhida. — Senhorita Mourana!
Mourana derrubou uma das estantes. Asafe arfou escandalizado. Não era momento para vandalismo, do lado de fora as criaturas começaram a cavar buracos e não levaria muito tempo até que conseguissem entrar.
Atrás da estante, uma porta de um metro e meio se revelou.
Asafe, enfim, emudeceu olhando para Mourana, confuso. Como ela sabia sobre aquela porta em um lugar escolhido aleatoriamente? Ou não fora aleatório?
Mourana virou para ele e fez alguns movimentos, apontando para Asafe e a fechadura. Ela queria que ele destrancasse.
— O que aconteceria se eu não fosse capaz de fazer isso? — Asafe perguntou depois de um suspiro, passando por cima da estante e estendendo a mão para a fechadura. A porta abriu com um rangido.
Mourana deu de ombros em resposta e apenas entrou diretamente pela porta. Asafe olhou para a entrada da despensa enxergando apenas a cozinha, mas os barulhos de tijolos caindo começou a soar. Ele atravessou a porta, fazendo a estante voltar ao seu lugar de origem, e esconder a passagem. A porta foi trancada novamente.
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