Capítulo 32 - Astúrias
https://youtu.be/wIft-t-MQuE
"A areia tinha um tato estranho quando sentida daquela maneira, nunca na sua vida Oceana pensara que iria ter aquela sensação, aquele sentimento único da areia molhada naquilo a que os humanos chamam dedos. Ela nunca pensara sequer em tê-los quanto mais poder andar? Andar...o que se pode dizer sobre andar? Nós não damos valor pois é um mecanismo tão natural e instintivo que nem nos apercebemos da sorte que temos, mas para esta sereia foi como um milagre num inferno sem fim.
Ela queria conhecer o seu pai, poder abraçá-lo e ouvir a sua voz...era um dos seus maiores desejos, mas Oceana sabia pelo que lera no diário da mãe que Alexander já não morava na sua casa. Aliás, por aquela altura o seu pai já devia estar bem longe desta tal aldeia que Maré falava. No entanto, ela queria mais do que tudo conhecer a mítica terra de que todos falavam, com que todos apenas imaginavam. Por um milagre ela era filha de um humano e por esse milagre ela podia ser livre. A sua mãe não lhe tinha arruinado a vida, pelo contrário, ela tinha-a salvo. Quem sabe ela não conhecesse um rapaz rico e bonito e conquistasse o seu coração? Ou talvez até viesse a ter mais. Para Oceana a quantidade era uma mera escolha.
Olhou para o diário da mãe que graças a Poseidon não se perdera quando desmaiou e seguiu os traços que Maré tinha escrito para ir ter á aldeia. Experimentou cada sentido humano, cada cheiro que eles podiam sentir, cada relevo em que eles podiam tocar...ela amava de coração ser sereia, mas aquela realidade ainda era um sonho demasiado grande para ela poder acreditar.
Finalmente chegou a uma pequena povoação, no entanto não era nada como a sua mãe descrevera, talvez tivesse sido em tempos, mas já não era mais. As casas eram muito mais do que quinze, e as pessoas também. Crianças corriam daqui para ali e tanto se viam sorrisos como rostos semicerrados à espera do primeiro ataque. Sim, porque a aldeia não tinha mudado apenas pelas pessoas...a aldeia tinha mudado pelos homens armados que patrulhavam cada lugar e mediam cada gesto que os habitantes faziam.
Ela tinha de perguntar, aquela vontade insaciável de fazer perguntas e de perceber onde estava e os porquês de tudo o que estava a ver tinham de ser saciados. Uma coisa era certa, ela não ia perguntar de todo informações aos homens de barba grossa e trajes mais adormentados do que a própria aldeia em si. Nem todos exprimiam rostos amargos e rudez no olhar, mas a bainha da espada à cintura de cada um era o suficiente para que Oceana não quisesse trocar palavra com eles.
As pessoas não eram propriamente controladas ao pormenor, os olhos destes superiores estavam, por vezes, mais entretidos a olhar o nada do que propriamente para os deslizes das pobres gentes, o que fazia com que o ambiente fosse suportável de se viver. A maior parte fazia os seus afazeres diários, mulheres levavam jarros com água do poço para uma grande roda no outro lado da aldeia que se conseguia ainda ver nitidamente daquele ponto. Os homens que existiam e que não pertenciam ao grupo de soldados forasteiros, ou estavam nas pequenas bancas de comércio servindo ou então chegavam, provavelmente, da praia onde Oceana chegara com redes de peixe nas mãos.
Um deles vinha tão preocupado em olhar para os homens avantajados que chocou contra Oceana. Os seus cabelos mel sobressaíam aos seus olhos avelã, mas mesmo assim não lhe tiravam a beleza que ele já possuía. Ele era magro demais para a idade que aparentava ter, a mesma que Oceana provavelmente. O sorriso foi o suficiente para a ladra de corações atacar.
-Desculpa, não tens familiares que tenham saído daqui em tempos?
-Não, eu não tenho ninguém, na verdade apenas vim com o meu pai para aqui porque a nossa aldeia foi arrasada quando os salteadores chegaram.- o seu olhar tornou-se estranhamente frio enquanto percorreu os soldados postos em cada casa e em cada banca de comércio. Ao que parecia, então estes homens não eram mesmo dali, o que se percebia pelas suas características aparentes, mas então qual era a história daquela terra?
-Lamento.- foi apenas o que disse, Oceana não sabia o que era não ter casa, não sabia o que era ser-lhe retirado tudo, e ela não podia dizer mais. Ou porque não queria, o que também era uma verdade, ou então porque simplesmente não podia. O rapaz sorriu e apanhou novamente o balde de peixe para se ir embora.
-Onde vive a nobreza?- perguntou então na esperança de encontrar algum lugar próximo para onde o seu pai pudesse ter ido.
-A nobreza? Porque perguntas tal coisa? Queres dar-te com essa gente?- ele expressava uma emoção que Oceana não conseguia reconhecer aos seus olhos. Pelo menos, não por agora.
-Quero apenas saber onde vivem. Preciso de rever uma pessoa que em tempos viveu aqui.
-Bem, eu não te posso ajudar muito. Nós não sabemos o que existe além desta aldeia. Os nossos conhecimentos são escassos por aqui, mas pelo que oiço posso dizer-te que o único povo que nos resta sem estar sobre o poder dos muçulmanos está nas Astúrias. Quando a grande invasão começou refugiaram-se aí, mas com o tempo que passou acho que já conseguiram conquistar terras mais a sul, ainda assim como nada nos chega aqui é tudo o que sei.
-Onde ficam as Astúrias?
-É uma região no norte antes do mar engolir terra. Foi o único lugar que estes nobres homens- disse acrescentando um tom sarcástico -não conseguiram conquistar como seu. Pessoas como nós e alguns membros de maiores relíquias ainda vivem nas povoações ao longo do sul e até essas tais Astúrias. Eu nunca lá fui, mas dizem que é lá que os que podem vivem. Sorte a deles, nós não podemos sair. Se estás à procura de alguém da nobreza, não te garanto que lá esteja, mas é o maior palpite que te posso dar.
-Muito obrigada, a sério, eu não posso pedir ajuda mais valiosa que a tua.- Oceana disfarçou o seu tom sarcástico e sorriu roubando-lhe um beijo de seguida. Os olhos do rapaz brilharam mais que os alforges do nobre soldado, nada a que ela já não estivesse habituada. Era sempre assim, um olhar e eles permaneciam, um riso e eles tremiam, um beijo e eles caíam...Claro que ela queria mais ajuda, algo mais específico, alguma maneira de chegar lá em vez de apenas palpites, mas enfim, ela era inteligente e ia conseguir encontrar o seu pai. O seu pai, inteligente, nobre, rico, humano. Tudo o que a sereia que já tinha, tudo o que podia querer. Que sorte!
***
As vantagens de se ser sereia, de se ser uma princesa sereia não se resumiam apenas a uma única, é verdade, mas a capacidade de nadar à velocidade quase alcançável da luz era uma das melhores, com certeza. Oceana sabia qual era o Norte, e pelo que o rapaz dissera, ela encontraria a terra prometida no fim do abismo por isso era só nadar até deixar de ver o muro de pedra que nenhum humano conhecia.
Alcançando terra novamente, secou a sua cauda com um dos seus poderes e as suas lindíssimas pernas fizeram-se aparecer diante si. De certo, não podia ir naqueles preparos ver a realeza, por muito que não tivesse nada de mau a esconder, não era digno, e Oceana era acima de tudo uma rapariga digna. Não foi muito difícil pensar no que havia de fazer porque ao contrário do clima calmo e pobre do Sul, aquele novo horizonte revelava uma praia curta que jazia no fundo de um precipício. De lá de cima ouvia-se bastante alarido e confusão, mas o som dos cascos dos cavalos, seres lindos a seu ver, era sinal de que, ou iria encontrar um nobre apenas cavalgando por ali, ou o mais certo e o que ela esperava naquela zona, uma carroça de um comerciante cheia de roupas para si.
Com a sorte que a princesa tinha, os seus desejos em menos de nada foram realizados e um vestido cor de pérola já assentava no seu corpo escultural. Os seus dotes foram usados para encantar o cocheiro e levá-la ao mais rico lugar daquela região...ela podia não encontrar nada sobre o seu pai, podia estar a entrar num beco sem saída, mas o lugar mais sumptuoso daquelas terras movimentadas não devia ser deixado de ser visto. A viagem durou alguns dias, semanas até, mas valeu a pena. Pelo que ela percebera, tinha andado mais para sul, não tanto quanto nadara.
Um enorme palácio achava-se à sua frente, sem dúvida um palácio digno de se viver. Ela nunca tinha visto tamanha beleza sem ser debaixo d'água. A magnificência dos jardins por onde caminhava faziam-na sentir em casa, faziam-na sentir ainda mais poderosa com as roupas que usava, aquelas sedas, aqueles costumes invulgares para seres com cauda. Ela não sabia ao certo o que havia de procurar, por isso o mais alto membro do poder poderia ajudá-la com assuntos de nobres. Oceana tinha assim de adotar um nome de nobreza, caso contrário nunca ninguém a deixaria entrar onde quer que fosse.
Por agora ela apenas podia andar e tentar achar a sua sorte vinda de qualquer beco que aquele lugar tivesse. As roseiras perfeitamente esculpidas davam sentido ao seu sangue e poder à sua personalidade abrasadoramente fria. O seu olhar prendia-se nos plebeus que passavam de um lado para o outro atarefados nos corredores de fora do palácio, mas os seus olhos esperavam encontrar algo mais. A cada minuto que estava na Terra, cada vez se sentia mais humana, mas ligada àquela realidade e a como mesmo nunca lá tendo vivido, o seu sangue de alguma maneira fazia com que a sua habituação fosse fácil e atormentadora.
-Desculpe, minha senhora.- Oceana virou-se e encarou quem a sua mente desejava há muito. -Qual o seu nome?- pois, qual nome? Oceana tentou pensar em algo rápido e lembrou-se da dama a quem deveriam chegar as suas roupas. Ela sabia que com aquele nome não conseguiria chegar ao seu pai, mas se soubesse onde estavam os livros com os nomes de cargos altos facilmente chegaria ao seu nome. Era tudo uma questão de tempo.
-Maria Helena, marquesa de Oviedo.- disse sorrindo mal vislumbrou os olhos do rapaz de cabelo bronze e trajes inconfundíveis à sua frente. Tinha dado de caras com um nobre, não apenas de aspeto, mas de título. Ele beijou a sua mão suavemente e levantou-se da sua posição ajoelhada. Oceana sorriu entre dentes, que sorte tinha tido, e preparou-se para lançar o seu charme.
-O que a trás por cá?-
-Ah sabe, nada de mais. Poder ver a sua beleza com os meus olhos já é motivo suficiente para a minha vinda.- o seu olhar sedutor por detrás do leque que acenava fê-lo ficar com os olhos brilhantes e as pupilas dilatadas.
-Fico radiante com tal elogio. Não é comum fazerem-mo sabe?- o seu tom sarcástico assentava perfeitamente com a personalidade de Oceana e a jovem rapariga pensara ter descoberto o seu às de espadas.
-Na verdade existe outro motivo pelo qual estou aqui. Procuro um homem, um nobre penso eu. Pensei vir em seu encontro pois apenas o senhor pode dar-me aquilo que eu procuro.- sorriu-lhe mordendo o seu lábio intencionalmente vendo que estava a fazer com que o príncipe caísse nas suas falas. -Não me refiro apenas a este assunto como é certo.
-Será com todo o gosto que a acompanho.- o nobre fez um gesto para que ela colocasse o seu braço entrelaçado no dele e saiu do jardim, deixando que ele a acompanhasse pelos aposentos reais.
***
Qual a vossa opinião sobre a Oceana? O que acham que vai sair daqui? Só vos digo que quando tudo parecer que está claro como a neve...é porque é neve do verão.
Se gostaram não se esqueçam de deixar a vossa estrelinha e o comentário que eu tanto adoro. Muito obrigada por me acompanharem nesta aventura que só agora é que começa a tomar a sua verdadeira forma.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top