Salvador em Ruinas
O som do mar ainda era forte nas noites em Salvador, mas o cheiro de sal misturava-se agora com o de morte. As ruas outrora vibrantes estavam silenciosas, com exceção do arrastar lento de corpos que não deveriam mais estar de pé.
Em um prédio abandonado próximo ao Pelourinho, três amigos observavam a cidade.
— Eu nunca pensei que ia sentir falta do trânsito na Avenida Sete — disse Victor, encostado à janela quebrada, segurando um facão manchado de sangue.
— Eu preferia o barulho das festas no Largo do Cruzeiro. Pelo menos dava para dançar sem medo de morrer — respondeu Larissa, enquanto afiava uma faca improvisada.
— Dá para os dois pararem? Se nos ouvirem, não vai ter Salvador para lembrar — retrucou Diego, o mais cauteloso do grupo. Ele mexia numa mochila, verificando os suprimentos: água, arroz e algumas latas de feijão, uma pilha que diminuía a cada dia.
Os três eram inseparáveis desde o colégio, mas a vida tinha os afastado antes do apocalipse. Larissa havia se tornado instrutora de capoeira, Victor era mecânico, e Diego trabalhava em um escritório de contabilidade. A tragédia, no entanto, os uniu novamente.
— Temos que sair daqui amanhã — disse Diego, fechando a mochila. — Este lugar está ficando perigoso.
— Ir para onde? Todo lugar é perigoso agora — Larissa retrucou, mas seu tom revelava cansaço, não teimosia.
— Tem aquele mercado na Liberdade. Aposto que ainda dá para encontrar algo lá — sugeriu Pedro.
Diego suspirou.
— É arriscado, mas não temos escolha. Amanhã, ao amanhecer.
Com o sol tingindo os céus de Salvador de um laranja vibrante, os três desceram pelas escadas do prédio, atentos a cada som.
— Victor, vai na frente. Você é o mais barulhento mesmo — provocou Larissa, tentando aliviar a tensão.
— É, mas sou eu que vou salvar vocês se der ruim — respondeu Victor, levantando o facão com um sorriso.
Eles caminharam pelas ruas cheias de carros abandonados e vitrines quebradas. Ao longe, gemidos ecoavam. Um zumbi solitário cambaleava próximo a uma esquina, e Larissa deu um passo à frente.
— Deixa comigo. — Ela avançou com precisão, cortando a cabeça da criatura antes que qualquer alarme fosse dado.
— Você realmente gosta disso, hein? — Victor comentou, impressionado.
— Alguém tem que fazer o trabalho sujo.
Quando chegaram ao mercado, o silêncio era inquietante. Lá dentro, prateleiras vazias e sombras dançavam sob a luz que entrava pelas janelas quebradas.
— Rápido. Pegamos o que dá e saímos — disse Diego, puxando Larissa.
Enquanto procuravam mantimentos, Victor encontrou algo incomum: um rádio velho, ainda funcionando. Ele ligou, e estática encheu o ambiente antes de uma voz surgir brevemente:
"Se você está ouvindo isto... ainda há esperança. Estamos em..."
A transmissão cortou antes que pudessem ouvir mais.
— O que foi isso? — Larissa perguntou, aproximando-se.
— Não sei, mas pode ser um sinal de sobreviventes organizados. E se tiverem recursos? — respondeu Victor, empolgado.
— Ou pode ser uma armadilha. Não podemos confiar em nada agora — disse Diego, sempre o mais desconfiado.
Antes que pudessem discutir mais, o som de algo caindo ecoou pelo mercado. Os três congelaram, e então ouviram passos — muitos passos.
— Temos companhia! — sussurrou Larissa, pegando a faca.
Os zumbis começaram a aparecer, primeiro poucos, depois uma multidão. Diego liderou o caminho para uma saída lateral, mas o grupo foi cercado antes de alcançar a porta.
— Larissa, segura o lado direito! Victor, me ajuda aqui! — gritou Diego, tentando abrir espaço.
A luta foi frenética, mas o cansaço e o número esmagador começaram a cobrar seu preço. Quando tudo parecia perdido, um som de motor ecoou do lado de fora. Uma caminhonete surgiu, atropelando os mortos e abrindo caminho.
— Venham! Agora! — gritou um homem desconhecido, ao volante.
Sem pensar duas vezes, os três correram e pularam na caçamba do veículo. Enquanto se afastavam, o mercado desaparecia no retrovisor, junto com a horda que quase os devorou.
— Quem é você? — perguntou Victor ao motorista.
— O nome é Josué . E vocês têm muita sorte de eu estar passando por aqui.
Larissa e Diego trocaram olhares. Era difícil confiar em estranhos agora, mas não tinham outra escolha.
Enquanto a caminhonete atravessava as ruas desertas de Salvador, Larissa olhou para o rádio nas mãos de Victor.
— Precisamos descobrir quem estava na outra ponta disso.
— E se for um caminho para nossa salvação? — perguntou Victor, com esperança.
Diego, no entanto, não parecia tão otimista.
— Ou para a nossa morte.
Continua...
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