Capítulo 8

O restante da quarta passou em um piscar de olhos, eu não parava de pensar na Lígia, ainda conseguia escutar os seus gemidos em meus ouvidos, o toque da sua boca na minha e o seu gosto maravilhoso.
A quinta feira veio e passou lentamente. Brenda estava sem falar comigo e eu não entendi nada dessa mudez dela, acho que ela esperava que eu pelo menos contasse a verdade do que rolou no dia anterior. Também não vi a Lígia em lugar nenhum, nem nos elevadores da vida.
A sexta feira chegou majestosa. Eu já acordei animada, teria aula com a
Lígia novamente e logo no primeiro horário. Me arrumei, tomei café da manhã, escovei os dentes e fiquei na sala esperando, tentando conter a ansiedade.
— Meu Deus, Alex. Você já está arrumada? Só vamos sair daqui a trinta
minutos. – Mamãe passou pela sala e me viu sentada no sofá.
— Eu sei mãe, é que hoje eu me arrumei rápido. – Dei um sorriso.
Cheguei à faculdade e sentei-me no lugar de sempre. Brenda chegou uns minutinhos depois e sentou na minha frente.
— Bom dia. – Falei, mas Brenda não respondeu. — Porque você está agindo
assim, Brenda? Dá pra parar de besteira?
— Você mentiu pra mim, Alex. – Brenda se virou e me encarou. — Não
precisava ter contado aquela mentira da secretaria, podia ter falado a verdade.
— Fala sério, Brenda. Você está com raiva disso? – Fiquei séria. — Se você já
sabia com quem eu estava, porque tá fazendo esse showzinho? Isso é coisa
de criancinha.
— Você me traiu com ela. Achei que estávamos namorando? – Brenda disse
com lágrimas nos olhos.
— Opa, espera aí. – Fitei-a surpresa. — Desde o começo era um namoro falso,
você sabia que eu poderia ir atrás dela a qualquer momento. – Falei baixo só
para Brenda me escutar.
— Mas eu achei que você ia levar a sério esse namoro. – Suspirei.
— Namoro falso, você quer dizer. – Brenda já estava começando a confundir as coisas.
— Que seja, Alex. – Ela agora estava brava. — No momento em que você
decide ser a minha namorada, o certo é não se envolver com mais ninguém,
isso é traição. – Fiquei olhando-a muito pasma e preocupada também.
Será se Brenda tinha batido a cabeça em algum lugar? Que conversa era aquela? Era como se ela acreditasse que estávamos namorando de verdade.
O máximo que eu deveria fazer seria levar essa conversa toda na esportiva.
— Tá bom Brenda, foi um deslize meu. A carne é fraca, o que eu posso fazer?
– Tentei levar na esportiva. — Mas agora é sério, eu não quero mais, ok?
— Tá terminando comigo? – Brenda me olhava sem acreditar, ainda com
lágrimas nos olhos. Na verdade eu é que não estava entendendo nada. — Não
faz isso comigo, Alex. – Ela agora falava alto e todos da sala nos olhavam. —
Eu te amo! – Ela estava chorando para valer agora.
Caio entrou na sala e eu olhei para ele, pedindo ajuda. Brenda tinha enlouquecido do nada.
— O que houve? – Ele perguntou, vendo Brenda se acabando de chorar.
Balancei a cabeça sem saber o que dizer.
— Por favor, Alex. Não termina comigo, eu prometo ser uma ótima namorada.
Não deixa ele me machucar. – Brenda falava desesperada e agarrava as minhas mãos com força.
— Acho melhor você levar a Brenda para a secretaria, sala dos professores ou
algo assim, Caio. Ela não está nada bem. – Falei assustada. Caio também
olhava para Brenda sem saber o que fazer. — Caio? – Chamei mais alto.
— Certo. – Ele puxou Brenda delicadamente. — Vem Brenda, você precisa se acalmar, depois você e a Alex conversam.
— Eu só vou se a Alex for comigo... Ela quer roubar a Alex de mim... Aquela
mulher... Eu não vou deixar... Não vou... Ele sempre me machuca... Faz coisas... – Brenda tinha um olhar distante e falava coisas desconexas.
Kimi chegou na sala e viu a cena em que Brenda se encontrava.
— Alex, o que aconteceu? – Ela perguntou.
Algumas pessoas já cochichavam na sala. Caio conseguiu tirar Brenda de perto de mim, mas ela continuava murmurando coisas.
— É uma longa história. – Respondi. — Mas resumindo, Brenda sugeriu que
fossemos namoradas de mentira para fazermos ciúmes em outra pessoa, mas
eu não sei o que aconteceu e agora ela acha que somos namoradas de verdade e fica murmurando coisas.
— Isso... Eu já vi isso antes. – Kimi falou. — Acho que ela está tendo um surto
psicótico.
— O quê? – Perguntei sem entender.
— Um surto psicótico. A pessoa pode ter delírios ou alterações do pensamento
devido a interpretações ou distorções da realidade e também alucinações,
percepção de um objeto, imagem ou estímulo exterior que não é real.
— E se não for isso?
— Eu tenho quase certeza que é um surto. – Kimi falou.
— E o que a gente faz agora? – Perguntei assustada.
— Temos que levá-la para a secretaria e pedir para chamar algum parente.
Lígia chegou na sala naquele instante. Percebi que Brenda olhou Lígia com raiva.
— Droga. – Falei e rapidamente me levantei para segurá-la, com a ajuda do
Caio. Se não tivéssemos segurado Brenda, ela teria voado em cima da Lígia.
— O que está acontecendo aqui? – Lígia perguntou assustada, vendo Brenda
querendo avançar nela.
Brenda passava da raiva a uma confusão mental em questão de segundos, perguntava onde estava, onde eu estava e continuava falando coisas sem sentido.
— Ela quer tirar você de mim, Alex, não deixa. – Ela segurou minha blusa com
força. — Não deixa eles me levarem... Eles vão me levar e me trancar... Não
deixa, meu amor... Ele vai fazer de novo e de novo... – Eu não entendia quem
era “Ele” a quem Brenda se referia.
Kimi explicava para Lígia o que estava acontecendo.
— Brenda, me escuta. – Segurei seu rosto delicadamente. — O caio vai te levar até a secretaria, tá bom? Vai com ele.
— Eu não vou sair de perto de você, meu amor. – Brenda se agarrou no meu
pescoço fortemente, já estava me machucando. — Não vou... Ela vai te levar de mim... Eles vão me trancar... Ele vai fazer aquilo comigo... Me machucar...
— Acho melhor você ir com o Caio, Alex. – Lígia falou, mantendo uma distância
segura de Brenda.
Eu e Caio levamos Brenda até a secretaria, durante todo o caminho ela
continuava falando coisas e tinha passado a rir em alguns momentos. Caio voltou para a sala, mas eu tive que ficar porque Brenda não me largava de jeito
nenhum. Os pais de Brenda chegaram depois de quarenta minutos, junto com
uma equipe de paramédicos. A essa altura eu já estava toda arranhada, com a blusa rasgada, com o pescoço doendo e com o braço machucado tentando fazer com que Brenda não se furasse com um estilete que estava em cima de uma mesa que havia lá.
Quando Brenda viu o pai, ela se desesperou mais ainda.
— Alex, não deixa eles me levarem, por favor? Não deixe ele tocar em mim. –
Brenda falava desesperada e agarrava uma parte da blusa que ainda estava
inteira.
— Brenda, me escuta. – Tentei deixar a voz calma. — Vai ficar tudo bem, ok?
Você precisa ir com eles.
Enquanto eu falava com ela, um dos paramédicos deu uma injeção nela.
Provavelmente era um sedativo ou algo assim. Em poucos minutos, Brenda já
estava mais calma.
— Por favor, Alex... Não deixa eles me levarem... Ele vai me machucar igual às
outras vezes...
— Nós vamos nos ver em breve, tá bom? Vai com eles. – Retirei devagar as
suas mãos da minha blusa e os paramédicos levaram Brenda.
— Meu Deus, olha o estado em que você ficou? – Uma das funcionárias da
secretaria falou, olhando os arranhões nos meus braços, pescoço e a blusa
rasgada do lado direito.
— É, eu vou... Hum... – Eu ainda estava sem reação. — Eu vou pra sala.
Saí da secretaria e fui para a sala. Lígia estava dando aula, mas parou de falar quando eu entrei.
— Como ela está? – Perguntou.
— Eu não sei. Os pais dela chegaram e levaram-na.
— Ela fez um estrago grande em você, hein? – Flávio disse, rindo. — É melhor
nos dar esse presente e ficar sem a blusa logo.
— Não vou aceitar esse tipo de comentário na minha aula, senhor Flávio. –Lígia ralhou. Flávio ficou sem graça.
Lígia chegou mais perto de mim e cochichou.
— Eu tenho duas blusas no meu carro, quer ir lá pegar? Você não pode ficar
com essa blusa rasgada. – Lígia reparou no meu sutiã à mostra e suspirou.
— Tudo bem professora, eu empresto meu casaco pra Alex. – Caio pelo visto
ouviu o que Lígia me falou.
Vesti o casaco do Caio, mas não o fechei por conta do calor, era mais
para não mostrar o meu sutiã que aparecia.
— Professora, porque acontecem esses surtos nas pessoas? – Uma garota
perguntou.
— Eu não sou a pessoa mais indicada para falar sobre isso. – Lígia respondeu,
dando um sorriso. — Mas, esses surtos psicóticos podem ocorrer devido a
diferentes causas, como: consumo excessivo de álcool ou outras drogas,
alguns medicamentos, depressões graves, fortes impactos emocionais e outras coisas. – Lígia continuou falando. — Nesses casos, recomenda-se não
confrontar a pessoa, mantendo sempre uma atitude tranquila até que ela possa
receber ajuda especializada. Além disso, aconselha-se a vigiar o indivíduo,
para não haver risco de fuga ou agressão, afastando de seu alcance objetos pontiagudos que ofereçam risco.
Eu não sabia que a Lígia entendia tanto de surtos psicóticos.
— Ainda bem que aquela louca foi embora. – Adivinhem quem falou isso? É, ele mesmo, Flávio. Ele sorria, achando graça no que tinha dito.
— Sai da minha aula agora. – Lígia falou muito brava.
— Mas por quê?
— Agora. – Lígia apontava para a porta.
Enquanto Flávio arrumava sua mochila, Lígia voltou a falar.
— Isso não é brincadeira, é coisa séria. – Ela ainda continuava uma fera. — E
isso vale para todos vocês, antes de fazerem piadas e comentários infelizes,
procurem saber mais sobre as pessoas ao seu redor. – Lígia olhava cada um nos olhos. — Ninguém sabe a dor que o outro passou e ninguém sabe as lutas que o outro lutou. Isso atinge a todas as idades, gêneros, etnias e grupos sociais. Qualquer um está propenso a ter um surto.
Flávio estava saindo da sala quando Lígia o chamou, ele a olhava com
raiva, eu diria até com ódio.
— Cuidado com o que diz. A palavra tem um poder enorme de modificar as
emoções e os sentimentos. Da mesma maneira que ela eleva, ela também pode rebaixar. Um excelente conselho, senhor Flávio: "Se não tiver nada de bom a dizer, é melhor ficar calado".
Flávio saiu, batendo a porta com força. Confesso que me deu uma vontade de gritar e bater palmas para Lígia, ela foi foda demais. Será se quando estivermos namorando, ela iria me dar muitas lições de moral assim?
Depois de um tempo, Lígia voltou a dar a aula normalmente.
Depois que a aula terminou, Lígia saiu que nem um furacão.
— O barzinho amanhã miou, né? – Caio perguntou. As pessoas saiam para o
intervalo.
— Parece que sim. – Falei.
— Alex, conta o que aconteceu entre a Brenda e você? – Kimi perguntou.
Contei tudo para os dois, desde o dia em que conheci a Lígia e o meu sentimento por ela, até o plano da Brenda, terminando no que aconteceu hoje
na sala. É claro que eu não falei o que rolou na sala na quarta feira.
— Meu Deus, eu juro que não sabia que você gostava de mulher, Alex. Ainda
mais da professora Lígia. – Kimi parecia chocada.
— Espero que estejamos numa boa ainda. – Falei.
— Claro que estamos numa boa. – Ela sorriu.
— Confesso que estou bem preocupada com a Brenda. – Comentei.
— Ela vai ficar bem, com o tratamento ela logo volta à ativa.
— Mas demora muito esse tratamento? – Caio perguntou.
— Depende da crise que a pessoa tem, eu acho. – Kimi respondeu. — Tem crises que podem durar semanas, crises leves podem ser atendidas em ambulatórios, já em casos graves, internação psiquiátrica é a melhor solução.
— Isso é sério mesmo. – Caio falou.
— Como vamos descobrir onde ela está? – Perguntei. — Quero vê-la.
— Eu não sei se poderemos vê-la agora, entende? – Kimi me deu um sorriso
triste. — Ainda mais você, Alex. A Brenda estava falando seu nome direto, se ela ainda estiver assim, o médico pode achar que não é uma boa ideia você se
aproximar dela, levando ela a ter outra crise e muito pior.
— Mas vocês dois podem tentar vê-la. – Falei com esperança. — Toma, vou
passar o número do celular dela, se alguém diferente atender, você diz que
quer saber notícias dela.
Kimi ligou três vezes, estourou de chamar e caiu na caixa postal.
— Nada. – Ela falou com um suspiro. — Vamos tentar outra hora.
— Sabe o que eu não entendo, a Brenda ficava dizendo toda hora que “Ele ia
machucá-la”, quem é ele? – Perguntei me dando conta desse fato só agora.
— Eu não sei. Talvez faça parte do surto. – Caio respondeu.
— Não sei não, é porque vocês não viram como ela ficou quando o pai dela
chegou. Ela ficou mais do que desesperada, não queria deixá-lo chegar perto.
Ela só se acalmou mais depois que injetaram o calmante nela, e mesmo assim quem chegou perto foi a mãe dela. – Falei pensativa.
— Você não está pensando que o pai dela... – Kimi deixou a frase no ar.
— Eu realmente não sei Kimi. – Encarei-a. — Achei tão estranho o jeito que ela ficou quando o pai chegou, o desespero, o medo nos olhos dela. – Logo lembrei do que a Lígia havia falado. — A Lígia tinha dito que esses surtos podem acontecer também por causa de fortes impactos emocionais. E se o pai tiver feito alguma coisa na infância dela?
— Mas se ele faz ou já fez alguma coisa com ela, nunca saberemos. – Caio
entrou novamente na conversa.
— Vamos esperar ok? – Kimi suspirou. — Talvez a Brenda estivesse confusa e
falando coisas sem sentido naquela hora.
Eu ainda achava que tinha alguma coisa errada em relação à Brenda e ao pai dela.
Depois da aula, fui para casa.
— Alex, chegou uma encomenda para você. Eu coloquei no seu quarto. – Dona
Maria avisou.
— Tudo bem Maria, obrigada. – Falei indo em direção ao meu quarto.
Entrei, coloquei minha bolsa em cima da mesa do computador, tirei o casaco do Caio e peguei a encomenda em cima da cama. Não havia remetente, só havia meu nome escrito. Abri e me deparei com uma mídia de DVD. Era muito estranho, quem me enviaria um DVD?
Escutei a campainha tocar e fui abrir, já que Dona Maria estava ocupada
terminando o almoço e Dylan estava no quarto dele.
— Lígia? – Falei, estranhando a presença dela ali. — O que houve?
Lígia me olhou com uma cara assustada e brava ao mesmo tempo.
Levantou a mão e nela estava um DVD parecido com o que eu tinha recebido.

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