༺I༻

ஜீ፝͜͜͡͡O tempo.

Tudo começa com o tempo.

Desde o primeiro momento somos concebidos com o tempo. Somos feitos puramente de tempo. A vida nada mais é que o tempo, enquanto a morte é a falta desse mesmo tempo.

O tempo pode ser muito bom ou muito cruel com você. Tudo depende da forma como é destinado. O tempo pode dar ou tirar. Com o tempo, você pode conquistar tudo, mas quando o seu tempo acabar, tudo voltará ao vago e desconhecido nada.

Já ouviu falar no ditado que diz que a pressa é a inimiga do tempo? No relógio do tempo, os ponteiros que marcam as horas nunca correm. Eles sempre fazem o mesmo percurso sem se adiantar ou atrasar.

O tempo foi cruel comigo.

Me chamo Sebastian e sou um vampiro com pouco mais de seiscentos anos.

Há tempos tenho esperado incansavelmente pelo meu verdadeiro amor. Daynna. A única humana que já amei e a única que eu jamais machucaria.

Já fazem quase seiscentos anos que estou à sua espera na minha fortaleza. Tenho uma amiga bruxa cujo o nome é Blair, que rastreou a chegada de Daynna nesse mundo em sua reencarnação.

A reencarnação funciona dessa forma. Alguém pode morrer hoje e reencarnar amanhã ou pode demorar mil anos, quem sabe até mais para voltar à terra. As almas vão e vem o tempo todo em um trânsito infinito.

Não me restou mais nada a não ser esperá-la. Essa é a consequência de ser imortal. Ver as pessoas que ama passarem de uma maneira efêmera, enquanto se martiriza com o grande e terrível dilema: "É melhor ver as pessoas que ama partirem ou simplesmente transformá-las numa aberração sanguinária sedenta infinitamente de sangue?".

Durante boa parte de minha vida diuturna, estive repousando dentro de um caixão em meu cômodo aposento, como um urso em hibernação. Queria estar pronto para a chegada dela. Orientei Blair à me acordar quando Daynna, naquela vida, tivesse chegado à sua maioridade, portanto foi o que ela fez.

Agora, ali estava eu, parado em frente a uma enorme janela de vidro com transpassados metálicos verticais e horizontais que se encontravam formando pequenos quadrados, que se localizava no meu quarto com vista para o jardim que eu mesmo mandei cultivarem no vasto quintal da minha humilde mansão. Via o jardineiro regando as rosas que desabrochavam naquela ensolarada primavera. Ele costumava conversar com as rosas como se elas pudessem ouvi-lo de alguma forma e às vezes o escutava cantarolando algo na sua língua nativa.

Sabia que o jardineiro por nome de Enzo, cantava aquela canção em italiano. A canção era algo sobre o seu amor ser tão bonito como aquelas rosas na primavera. Ele tinha uma voz grave e carregada. Também era bastante entoada. Eu gostava quando ele cantava aquela canção, pois me fazia lembrar tudo o que vivi com o meu único e verdadeiro amor. Daynna. Ela era a rosa mais linda da minha primavera.

Ficava horas vendo Enzo aparar os arbustos enquanto cantava as suas canções. Ele me dissera que todas as músicas que cantava foram feitas por ele mesmo para a sua amada Rosa, como se chamava sua mulher, que morrera há alguns anos num acidente de carro. Enzo sobrevivera e ficara viúvo em seus cinquenta e três anos. Dava para ver pelo modo como ele agia, sempre alegre, sem nenhuma escuridão aparente, que ele amiudadamente mantinha Rosa viva em sua memória com as canções e os poemas que fizera para ela em vida.

Vê-lo falando da sua amada, me fazia lembrar de Daynna. De como éramos apaixonados e dos nossos vários beijos intensos e adocicados. Como sua boca parecia um morango na época da colheita. Como seus olhos pareciam uma expansão do céu à noite, cheio de estrelas cintilantes. Como eu amava o seu perfume de rosas silvestres. Seus longos cabelos cor de sangue ondulando em ondas rasas até sua cintura. Adorava passar a mão pelo seu cabelo enquanto fitava seu rosto pálido de bochechas coradas. Aquelas leves sardas pintando seu nariz pontudo e parte de seu rosto. Amava cada pedacinho seu. Cada átomo de seu corpo. Sua alma tão alva e bela. Sua essência.

― Sebastian? ― me chamou uma voz atrás de mim estalando os dedos próximo ao meu ouvido esquerdo e finalmente saí do transe em que me encontrava.

Meus olhos se focaram novamente e percebi que Enzo já não estava mais lá no cantil das rosas, tomando consciência de que a hora já era avançada, portanto ele já havia terminado o seu trabalho por aquele dia. Virei-me e fitei o rosto que me encarava com olhos exacerbados. Era Blair, minha melhor amiga bruxa, com o seu olhar repreensivo como se encarasse um completo irresponsável. Enzo estava logo atrás dela anunciando a sua partida para casa. Com um gesto de cabeça, concordei que ele se fosse, então dessa forma o senhor seguiu caminho, deixando para trás apenas Blair, que alçava uma sobrancelha, semicerrando os olhos em seguida, e eu.

― Você estava pensando na Daynna novamente não estava? ― perguntou ela já certa da resposta.

Confirmei com um gesto de cabeça.

― Estava pensando nela em sua essência mais pura!

― Ih, senta que lá vem história! ― disse ela revirando os olhos.

Blair era uma ótima amiga, mas acho que já havia a enchido demais com as minhas histórias sobre Daynna. Ela estava lá comigo há bastante tempo e já não aguentava mais me ver falando da mesma coisa sempre. Ela nunca chegou a conhecer Daynna pessoalmente, mas sempre me dizia que era como se já a conhecesse pelo modo demasiado que eu falava dela.

Eu estava vestindo um sobretudo preto que era uma das poucas vestimentas que mais se pareciam com o que eu costumava usar no meu século. Era algo que me cobria completamente e me fazia sempre parecer bastante elegante.

Blair já havia se adaptado ao estilo do século XXI. Ela usava uma camiseta com rasgos nas mangas e o símbolo de uma banda de rock que ela nem sequer conhecia ou se importava em conhecer. Usava uma saia jeans com um repicado nas barras. Nos pés usava uma bota coturno preta de cano alto. Sua maquiagem era exageradamente gótica desde o batom preto até a sombra exagerada ao redor de seus olhos. Ela usava uma gargantilha com espinhos de metal apregoados na tira de couro ao redor do seu pescoço. Seus fios completamente cacheados estava tingidos completamente de violeta como um lírio dos campos.

― Você está ridícula desse jeito! ― disse lançando-lhe um olhar de reprovação logo de imediato.

Preferia a outra Blair a que saíra horas antes sem toda aquela maquiagem exabundante. Aquelas roupas mais compostas que a cobriam devidamente. Não aquelas roupas que pareciam ter saído de um lixão. Quem pagaria por roupas com rasgos? Com certeza poderia rasgar as minhas próprias roupas em casa. Estar em farrapos era moda naquele século? Talvez o ser humano já não tivesse mais o que inventar de fato.

― Não posso aceitar conselhos de moda de alguém que tenha uma alma tão velha quanto a sua que não desapega das modas passadas!

― Se essa é a moda da atualidade, devo apenas sentir pena da humanidade!

― Você é patético sabia? ― alfinetou Blair estreitando os lábios e balançando a cabeça.

Ela caminhou até a cama e sentou-se olhando para as suas unhas aparentemente feitas, pintadas num tom de roxo quase preto que não estavam ali antes até aquela tarde. Ela saíra pela manhã completamente empolgada, ainda usando uma roupa completamente composta, como uma mulher digna se vestiria e voltou para casa como uma prostituta daquele século.

Eu odiara desde de suas roupas até o seu cabelo. Seus antigos cabelos escuros agora foram substituídos por uma cor de violeta que não havia cabimento. Quem em sã consciência pintaria o seu cabelo de roxo? Seria aquilo algum tipo de doença? Com toda a certeza se Blair aparecesse assim na época em que vivíamos, com toda certeza seria queimada numa fogueira ou enforcada como uma bruxa. De fato ela era uma, mas seus cabelos negros sempre a ajudaram a passar despercebido durante as eras.

Ela parecia contente com a mudança, mas a verdade é que quem a tivesse induzido a se vestir daquela forma com toda certeza se aproveitou da situação para pregar uma peça nela. Imaginei as pessoas rindo dela na rua e talvez até cochichando e caçoando do que havia se tornando a sua aparência. Cruzei os braços ainda encarando-a. Ela levantou as duas sombrancelhas me encarando como se eu estivesse completamente equivocado quanto a ela.

― Por que não vai se trocar? ― indaguei como uma sugestão sutil apesar de minha cabeça gritar aquilo como uma ordem.

― Porque eu me sinto ótima dessa forma! ― exclamou ela satisfeita. ― A garota que estava na loja me ajudou a me vestir dessa forma e ela também se vestia desse modo!

― Meu Deus até que ponto chegará essa humanidade?

― As pessoas estão evoluindo, diferente de você velhinho!

― Acho que sou o único mantendo minha sanidade mental ativa!

― Bem, queria estar vestida à caráter para hoje à noite!

― Pode ter tudo nessa sua roupa, menos carácter!

― Você não vai mudar e vou sempre estar mudando como um camaleão que se adapta à todas as eras com louvor, então não vamos entrar em discussão. Vamos focar apenas nessa noite. Como está o seu coração, hein?

Senti um forte palpitar em meu coração. Só de falar sobre aquela noite meu coração acelerava de uma maneira ávida e fazia aquelas poucas horas até o anoitecer parecerem uma verdadeira eternidade.

― Estou bastante ansioso! ― confessei voltando a olhar para o jardim pela enorme janela do meu quarto.

As rosas vermelhas pareciam ter ganhado uma nova vida depois que Enzo as havia regado e cantado uma de suas belas canções para elas, quase como se fossem sensíveis ao amor que recebiam. Haviam gotas de água acumuladas sobre as delicadas pétalas cor de sangue, brilhado contra a luz da tarde, fazendo-as parecem pequenos pedaços de cristais reluzentes. Era uma visão mágica que preenchia o vislumbre de meus olhos.

― Já pensou no que dirá à ela quando a encontrar? ― questionou Blair levantando-se da cama e dando cinco passos em minha direção, porém parando antes que me alcançasse.

― Não direi nada! ― expus. ― Esqueceu que ela é uma reencarnação da Daynna que ingressou em outra vida? Talvez ela não se lembre de quem eu sou. Talvez não tenha memória de nada da sua outra vida.

― É, você tem razão!

― Tudo o que me resta a fazer, é conquistá-la como se fosse a primeira vez!

― Hoje é o aniversário de dezoito anos dela! ― relembrou Blair. ― É a ocasião perfeita para encontrá-la, já que provavelmente ela deve comemorar em algum lugar.

― Eu sei Blair!

― E então, que roupas você vai usar? ― perguntou ela me avaliando como uma alfaiate. ― Não pode ir vestido com esses modelitos do século passado, literalmente!

Ergui uma de minhas sobrancelhas a encarando seriamente. Talvez estivesse se vingando por ter falado mal do estilo da sua nova roupa. Ela era como a minha irmã mesmo que não tivéssemos o mesmo sangue. Por viver comigo tanto tempo e por nossa relação ser baseada em uma grande amizade, era inevitável que começasse a condiderá-la parte da minha família, constituída apenas por ela e eu atualmente.

― Agora ela é uma garota de dezoito anos deste século! ― argumentou ela. ― Se chegar vestido tão cafona assim ela vai te julgar logo de cara e adeus clima romântico!

― E o que você sugere então?

Blair saiu correndo do quarto sem dizer nada, o que fez com eu ficasse perplexo. Continuei fitando a porta aberta esperando alguma explicação para tal atitude. Ela voltou em seguida com uma bolsa em mãos com um nome gravado nela. Ela caminhou até mim com um sorriso empolgado no rosto, entregando-me a bolsa em mãos e se afastando um pouco fitando o meu rosto expectativa.

― Tomei a liberdade de comprar isso para você! ― revelou ela. ― Acho que vai ficar perfeito em você!

Olhei para a bolsa em minhas mãos e olhei para Blair sem saber exatamente o que dizer.

― Abre vai! ― disse ela.

Abri a sacola com uma das mãos e puxei uma calça jeans escura. Não sei que expressão estava fazendo ao certo, mas tentei não transparecer aversão. Sorri o máximo que consegui e pus a calça sobre a cama. Em seguida puxei uma camisa azul marinho com uma gola em V e por último uma jaqueta preta de couro.

― Experimenta, vai! ― pediu ela.

Eu caminhei até um biombo feito de madeira polida com um espelho em seu corpo. Ele tinha uma cor verde mar e detalhes banhados em ouro com as margens enfeitadas de flores e linhas curvadas. Comecei a me despir para colocar a roupa que Blair me comprara. Ao tentar colocar as calças sinto uma dificuldade enorme. Minhas panturrilhas engancharam nas pernas da calça, portanto reclamei imediatamente por trás do biombo levantando um pouco a cabeça para enxergá-la do outro lado.

― Essas calças não querem entrar em mim!

― Relaxa, é a nova moda por aqui! ― revelou ela fazendo pouco caso da minha queixa. ― Eles chamam de calças skiny.

― Qual o problema dessas pessoas, hein? ― questionei ainda tentando me colocar dentro daquela calça entre os trancos e barrancos. ― Quem é que se mata para se colocar em algo tão justo?

― Dizem que deixa as pernas mais bonitas. Enfim, deixa de reclamar e se veste logo!

Ao sair de lá finalmente, depois de uma luta intensa para me colocar dentro daquela peça de roupa que parecia ser dois números menor das que eu costumava usar, caminhei até o espelho incomodado com a colagem da roupa nas minhas pernas e com certo receio do que posso vislumbrar diante do espelho. Blair riu e eu a fulminei com o olhar, fazendo com que ela engolisse a risada no mesmo instante.

Ao chegar em frente ao grande espelho, onde poderia me ver completamente, me encarei finalmente. Me surpreendi com o resultado final. Não era nada do que eu imaginava que seria. Não estava nada feio com aquelas roupas. Na verdade, estava bem longe disso. Blair caminhou, ficando bem ao meu lado. Eu até gostara daquelas roupas em mim. Talvez a moda desse século não fosse tão mal assim. De repente me parecer com as pessoas daquela época era uma ideia que já não me incomodava mais tanto assim.

― Eu não estou nada mal! ― falei por fim e um sorriso começou a nascer aos poucos nos cantos de meus lábios.

Blair sorriu tocando meu ombro.

― Viu só? Você não pode julgar algo sem antes experimentar!

― Mas você ainda está ridícula com essas roupas! ― disse dando uma risada.

Ela riu e deu um soquinho no meu braço.

― Você é um idiota!

Rimos mais um pouco juntos e continuei a me olhar no espelho. Meu sorriso aos poucos sumiu, mas não completamente. Ainda continha uma expressão de satisfação. Endireitei a jaqueta como costumava fazer com os meus coletes, dando alguns leves puxões para a frente e ajeitando as mangas. Blair se aproximou novamente se deleitando sobre o meu ombro com uma expressão tranquila e como uma voz soprada, quase como um suspiro, dizendo:

― Agora estamos devidamente trajados para irmos atrás do seu verdadeiro amor!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top