Decadente

O som estridente da campainha ecoou pelo apartamento, despertando e assustando Paulina. Acendeu a luz e olhou o relógio. Quem apareceria às dez da noite e subiria sem ser anunciado pelo porteiro? Só Mirela tinha essa liberdade, mas nunca aparecera naquele horário. Se fosse a Salvatore esperava que Simon estivesse em casa. Ele avisara que demoraria a chegar e ela não precisava espera-lo.

Bocejando sonolenta, levantou e encaminhou-se para a entrada irritada com o som persistente. A pessoa podia tirar o dedo da campainha, afinal, já gritara que estava a caminho durante praticamente todo o percurso até a porta. Ficou ainda mais espantada quando, ao abrir a porta, encontrou Simon escorado na parede, o dedo afundando o botão da campainha.

Ao vê-la, ele retirou o dedo, escorregou as costas pela parede e sentou no chão, o forte odor de álcool cercando-o e invadindo as narinas da Perez.

— Esqueci a chave no trabalho.

— Eu te ajudo. — Ficou de joelhos no chão, hesitando em se aproximar quando ele gargalhou.

— Tão boazinha... Um anjinho... — Simon fez uma careta. — Apelido idiota como quem o deu. — Titânia seria melhor... Nathaniel é o asno, lógico. — Simon riu de novo e Paulina respirou fundo. Pelo jeito a bebida tornava os comentários de Simon mais insuportáveis e cruéis, além de fazê-lo dizer coisas sem nexo. — Isso faz de mim... — Simon fitou Paulina com o olhar opaco e o sorriso desaparecendo. Ele sacudiu a cabeça, como se quisesse afastar algum pensamento, e Paulina estranhamente sentiu o coração apertar. Ele parecia tão... Frágil.

— Simon... — O segurou por baixo dos braços e o puxou em sua direção, porém, arrependeu-se no momento em que a cabeça do Salvatore mergulhou no vale entre seus peitos, coberto somente pela camisola fina, e as mãos grandes seguraram sua cintura.

— Deveria usar essa camisola o tempo todo.

Envergonhada, o afastou bruscamente, fazendo-o cair desajeitadamente no chão.

— Simon! — gritou assustada correndo ao socorro do Salvatore. — O que eu fiz? — Aflita, procurou algum ferimento, sem encontrar nenhum aparente. — Simon fale comigo, diga que está bem... Desculpe-me! Eu não queria...

— Shiuuu! — Ele colocou um dedo sobre seus lábios, espremendo-os. — Só me ajude a entrar, ok?

Paulina assentiu e Simon liberou seus lábios, envolvendo seus ombros com o braço.

— Não devia agir dessa forma — condenou Paulina após ajuda-lo a se levantar e entrar no apartamento.

— E você devia aprender a curtir a vida — recomendou ao beijar a franja que cobria a testa da governanta.

Não pode deixar de sorrir satisfeito ao notar o rubor que cobriu a face alva. Estranhamente achava aquele sinal de timidez muito sexy.

— Trocar de mulher a cada noite e se embebedar não é curtir a vida, é imaturidade — repreendeu a Perez baixinho o deitando sobre o sofá. — Vou fazer um café bem forte pra você, então não saia daqui.

— Tudo bem, mamãezinha.

Embriagado, Simon sentou e aguardou a Perez voltar com um copo de café fumegante.

— Beba devagar— Ela recomendou sentando ao seu lado e entregando a xícara.

— Claro, mamãe.

Paulina se forçou a ter paciência. Odiava aquele apelido, mas era bem melhor que os recebido anteriormente.

— Está franzindo os lábios... O que quer falar?

— Nada. — Virou o rosto para o outro lado, surpreendendo-se quando Simon o capturou para força-la a olha-lo, deixando-a confusa ao declarar com voz arrastada:

— Gosto de você — os olhos negros estavam fixos nela —, como governanta.

— Ah! — não entendendo se era um elogio, aguardou. Pressentia que Simon diria algo, bom ou ruim essa era a dúvida.

— As outras não eram tão mandonas, mas me irritavam.

— Ah!

— Ah! — ele repetiu com zombaria. — Nem tudo é perfeito, mas minha mãe tinha razão... — soltou seu rosto e reclinou-se no sofá. — Mas não diga que admiti estar errado.

— Não farei isso.

— A primeira governanta, embora impecável em suas funções, reclamava demais das minhas visitas e se recusava a limpar o meu quarto em algumas ocasiões. — Paulina imaginou quais seriam as ocasiões e deu razão a mulher, corando quando Simon a mirou com seus olhos perspicazes e um sorriso de canto. — Sua substituta não resistiu à dona Mirela, o que compreendo. Minha mãe é carismática, mas testa a paciência de qualquer pessoa. Então, nos últimos meses, decidi que uma diarista seria suficiente. Até ela se oferecer para mim.

— Por isso...?

— É. Demiti a diarista antes de você ser contratada. — Ele soltou um riso sarcástico. — Acredita que ela tentou me convencer que me amava?

— Talvez amasse...

— Duvido! Ela mal me conhecia — retrucou, completando com azedume: — Mais fácil amar o meu dinheiro.

— O amor nasce até entre completos desconhecidos.

— Paixão nasce assim, e termina na cama — ressaltou com descrença. — Amor é para os tolos e fracos.

— Sei... Você é forte e totalmente imune a esse sentimento — refutou aborrecida com o insulto indireto.

— Até os fortes fraquejam — ele murmurou, atraindo a curiosidade da Perez.

— Já se apaixonou por alguém?

— Sim — fechou os olhos e apoiou a cabeça no encosto do sofá, precisando que o mundo parasse de girar — Decadente não é?

— Não. Amor é um sentimento lindo — declarou entusiasmada. — Quem é ela?

Simon abriu os olhos e a encarou pensativo, fechando-os em seguida.

— Ninguém importante.

— Como não é importante?

— Faz muito tempo... — respondeu, acrescentando com cansaço: — E ela é comprometida.

— Oh! Eu a conheço?

Simon resmungou algo, que Paulina tinha certeza se tratar de um palavrão, e se levantou irritado.

— Que importância tem se a conhece ou não? Isso faz parte do passado e é lá que vai ficar — anunciou rabugento enquanto se afastava.

Paulina o seguiu com os olhos, correndo ao seu auxilio quando ele tropicou e quase caiu.

— Eu te levo.

— Ótimo! Tudo o que preciso é uma celibatária me levando pra cama.

— De nada! — resmungou segurando firmemente sua cintura.

O guiou até o quarto, impedindo-o de deitar antes que o edredom fosse afastado. Assim que recebeu permissão, Simon se jogou na cama, pouco se importando com as queixas de Paulina sobre estar com os sapatos.

Com um suspiro exasperado, Paulina retirou os sapatos após ele ignorar seu pedido e começar a roncar. Calmamente ajeitou o corpo dele na cama e o cobriu para garantir que ficasse aquecido durante a noite.

Antes de sair admirou a face adormecida e um sorriso iluminou seu rosto. Dormindo ele parecia amável. Ou talvez tivesse essa impressão por causa do que ele revelara. Sentia que, mesmo que o Salvatore afirmasse ser um amor do passado, esse sentimento ainda mexia com ele. O que aumentava a curiosidade de saber quem era a mulher que conseguira perfurar a armadura que envolvia o coração o Salvatore.

~*~

Seu humor, normalmente ruim, piorara naquele dia. Adotou o silêncio como estratégia para não descontar na pessoa errada. Com Paulina foi fácil contornar sua indisposição. Seria um imbecil se a ofendesse após ela o encher de cuidados pela manhã e lhe desejar melhoras. Ela até pedira para Cherry garantir que ele almoçasse. O que fora uma péssima ideia, pois a Martins atrapalhara sua concentração e ele estourara com ela antes de saber que fora um pedido da Perez.

A secretária passou o dia todo com cara de choro e os outros funcionários o olharam atravessado o dia todo, como se a culpa fosse dele. Tamara também estava de péssimo humor, por causa da ausência de Nathaniel e sua substituição pelo braço direito na Muller, Rafael Nara. Para piorar, Gabriel o repreendera por causa da Martins e da noite anterior, exigindo que se desculpasse com a secretária e ligasse para Nathaniel pedindo desculpas. Comprara uma caixa de bombons para a secretária, o que não acabara com sua infelicidade – nem a dele -, e tentara ligar para o Muller sem sucesso.

A falta de contato com Nathaniel foi sua única sorte naquele dia. O erro não fora dele, portanto, não devia desculpas para ninguém. Infelizmente, no fim do dia, o Muller retornou suas ligações.

— Exagerei na bebida e nos meus comentários ontem à noite — disse após o Muller perguntar o motivo das ligações. — Tudo o que vi e ouvi ficara entre nós — prometeu. Aguardou Nathaniel falar algo, mas o outro lado da linha permaneceu silencioso. — Vocês terão um casamento perfeito e feliz — disse jugando que Nathaniel precisava de mais provas de sua boa vontade. No entanto, o silêncio persistiu. — Você está ai?

— Estou. Obrigada pela ligação e pelos votos de felicidade... E por não contar nada para a Paulina. — Ouviu o Muller respirar fundo antes de questionar abatido: — Tudo ficará bem, não é?

— Claro — respondeu, certo de que a consciência de Muller não sobreviveria à verdade. A situação era deprimente e, pela primeira vez, sentiu pena de Nathaniel.


Titânia: Personagem de "Sonhos de Uma Noite de Verão" de William Shakespeare.

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