Vinte e Oito: Tormento

Antes de começar...

Atenção: a história é contada do ponto de vista de uma narradora que não conhece todos os lados da história. A Sarah descreve o que ela vê, o que ela sente, o que ela acha. Cuidado para não tomarem conclusões precipitadas sem antes conhecer tudo à luz de todos. A história ainda está se desenvolvendo e muita coisa será revelada. Ler é interpretar esses detalhes também. Talvez, no fim, você se surpreenda!
Eu escrevo romances cristãos conservadores com preceitos bíblicos. Sempre, em todas as situações, minha base será o que diz as escrituras. O que é pecado, é pecado, independente se outros pecam também.
Boa leitura!

Vinte e Nove: Tormenta

"Veja bem, Sarah, desde pequenos eu sempre fui o seu maior defensor. Sempre deixei muito claro que jamais te abandonaria, mesmo nas condições mais adversas. Nosso pai também lhe passava a mesma segurança, pois sempre fazia o possível e o impossível para garantir o seu bem-estar. Sei o quanto odiava ter seus caprichos nevados por ele, mas dentre Jonas e eu, você sempre foi privilegiada. Falo sério, a atenção e o cuidado do Sr. Flávio com a caçula da família Rodrigues sempre foi motivos de brigas, pois sabíamos que até mesmo as punições dele eram sempre mais brandas no seus casos de rebeldia. Ele te amava, Sarah. Ou melhor, te ama. Te ama muito. Sempre moveu o mundo para te ver bem. Mesmo assim, diante da aflição, você fugiu e o despedaçou.

Não sou insensível e fui informado por Gabi das dificuldades pelas quais passou. Entretanto, todas elas eram desnecessárias, pois sua família não te abandonaria como você o fez.

Alias, como você pôde fazer aquilo? Como deixou o medo te dominar a tal ponto de fechar seus olhos e o coração para nós?

Ah, Sarinha...

Só Deus sabe quanto sofrimento sua atitude trouxe a nós. Principalmente ao nosso pai, que até mesmo ficou doente, sem conseguir levantar da cama por longos tempos, depois de te procurar feito louco pela cidade, sem sucesso.

Saiba que até se conformar com sua partida, ele foi todos os dias a rodoviária de Santa Fé, a fim de esperar pelo seu retorno, mas não encontrou nada além de dor.

Papai teria te acolhido grávida ou não, Sarah. Ele adoraria ter uma neta! Você teria um lugar em casa. Pense em como fomos ensinado sobre histórias como as de José que perdoou seus irmãos após ser vendido como escravo, o filho pródigo quando obteve perdão após roubar de seu pai e o próprio Jesus Cristo rogando que o perdão do Pai fosse derramado sobre os inimigos enquanto ainda os açoitavam.

Como não perdoaríamos e acolheríamos você? Quem somos nós?

Posso ter sido um egoísta e talvez ele até me odeie quando descobrir que venho escondendo a preciosa informação da sua volta desde quando eu fui encontrá-la no Instituto. Mas se for para te ver fugir de novo, acabando com o coração dele mais uma vez, prefiro poupá-lo a qualquer custo.

As portas de casa estão abertas, Sarah. Volte quando sentir-se pronta" .

Li várias vezes aquela dura mensagem, sentindo um remorso profundo por a princípio querer confirmar as palavras de Victor, contatando Davi com o único objetivo de saber as razões dele em não revelar ao nosso pai a verdade. E, para o meu completo choque, acabei sendo retratada como a pior filha do mundo.

Ninguém entendia o meu lado?

Todos os meus atos foram em prol da proteção e segurança da minha filha. Eu temia com a minha própria vida qualquer um que pudesse colocar em risco a segurança dela e até mesmo meu pai foi classificado como ameaça naquele instante de agonia.Todos os meus medos sempre pareceram legítimos aos meus olhos e, ante às provações, eu nunca enxerguei outra solução além de me isolar do mundo e carregar a culpa dos erros por mim cometido sem envolver ninguém além de única culpada.

Ou talvez...

Talvez eu simplesmente estivesse com medo de encarar de peito aberto as consequências dos meus erros, por isso fugi pela primeira vez.

Como fui burra!

Jamais deveria ter ido atrás de satisfações com meu irmão. Eu o conhecia e sabia que ele, obviamente, estava com muita raiva de mim.

Era exatamente aquele tipo de situação a qual eu desejava evitar!

Se Davi, que se julgava meu defensor, estava consumido de ressentimento, imagine quando o próprio Sr. Rodrigues descobrisse que além de fugir, eu estava na cidade e não fui atrás dele? Eu merecia sua rejeição, mas não queria contemplar o ódio do meu pai de jeito nenhum.

Meu maior desejo era reaver a paz que Santa Fé me roubou quando resolvi voltar, buscando refúgio. Minha vida de antes, apesar de dura, não me obrigava a prestar contas a ninguém. Sentia saudades dos momentos onde minha única preocupação era com o conforto de Mabel, quando apenas nós duas lutávamos juntas pela sobrevivência. Mas essa realidade mudou completamente, me obrigando a envolver mais pessoas no meu círculo social e, consequentemente, me expor ao julgamento delas.

— Sarah? — Percebi alguns estalos em frente ao meu rosto.

Guardei o celular no qual mantive meus olhos fixos por longos minutos e erguendo a cabeça, contemplei dona Socorro segurando minha bebê no colo. De tão distraída nem notei a presença dela entrando no ateliê vazio aonde fiquei boa parte da manhã ajudando as mulheres a separar os materiais que seriam vendidos no bazar, o qual aconteceria em algumas horas. O trabalho mantinha minha mente ocupada, mas bastava parar por alguns momentos e minha aflição retornava.

— Victor está aí, querida. Ele veio buscar vocês — informou a senhora com ternura, mas a notícia não foi recebida por mim com tanta animação assim.

Irritada com a atitude de Victor do dia anterior de me pressionar a tomar uma atitude referente ao meu pai, resolvi evitá-lo, me negando até mesmo a atender suas insistentes ligações e mensagens. Ele era um idiota e não merecia minha atenção.

— Não podemos ir para igreja com a senhora e a Amanda? — questionei, lançando a ela um olhar de cachorro perdido.

Dona Socorro esticou o braço, acariciou meu ombro e fez uma careta.

— Ah, querida...

Ao perceber que ela negaria aquele simples pedido meu, eu me levantei do local aonde anteriormente descansava, peguei a bebê do colo dela, agradeci pelo fato dela ter servido de babá e, pedindo licença, saí da sala e fui ao encontro de Victor.

Tudo e todos me irritavam. Embora eu fosse muito agradecida ao Instituto Piedade, eu já não suportava mais minha condição precária. Estava farta de depender dos outros e gostaria de saber até quando o Senhor permitiria aquele sofrimento sem fim. Era como se os meus pés estivessem sobre uma rocha escorregadia de onde eu poderia despencar a qualquer minuto. Eu precisava encontrar um meio de escapar daquela situação, entretanto, até pensar em algo, seria necessário força da minha parte.

— Finalmente, hein! — reclamou Victor quando me viu saindo pela porta da varanda. Ele estava apoiado no cercado de madeira e logo aproveitou a chance de se aproximar. — Não viu minhas mensagens?

— Não e não precisava você ter vindo — eu disse seca e recuei um pouco quando ele ameaçou tomar Mabel dos meus braços. — A não ser que você tenha vindo me pedir desculpas.

Victor soltou o ar pela boca, demonstrando impaciência.

— Ainda está brava por ontem? — arguiu fazendo um bico. — Certamente sem necessidade.

Forcei risada uma risada e balancei a cabeça negativamente, não acreditando no cinismo daquele sem noção.

— Você ainda pergunta? Não se sentiu nem um pouco mal pelo modo como falou comigo? — questionei aumentando o tom de voz, mas ele não se alterou, antes ergueu as sobrancelhas deu uma risadinha a qual eu interpretei como descaso.

— Está se referindo ao fato de eu achar imprudente da sua parte deixar seu pai sem notícias suas? — rebateu irônico e isso só me provocou ainda mais. — Quanto a isso minha consciência está limpíssima.

— Estou me referindo ao fato da sua intromissão e insistência em cuidar da minha vida! — respondi com raiva e acabei assustando Mabel, fazendo-a chorar.

Ele engoliu em seco e cruzou os braços em frente ao peitoral.

— Sarah, pelo amor de Deus, o que está havendo com você? — amenizou o tom, mas isso não aplicou minha ira. — Eu já disse que quero o seu bem.

Comecei a balançar a bebê de um lado para o outro, sendo até um pouco indelicada nos movimentos.

— Victor, eu já te permiti fazer parte da vida da Mabel, isso não é o bastante? — Minha respiração foi ficando irregular e apontei o indicador para ele. — Meu pai é assunto particular e eu não te dou o direito de se meter, está me ouvindo?

Ele se adiantou e tocou meu braço.

— Entendo os seus medos, mas você precisa encarar esse desafio. Eu estarei ao seu lado o tempo todo. Não vou te deixar sozinha.

— Pare, Victor — pedi já chegando ao meu limite.

— Ele é o seu pai! Você não percebe? Deus nos manda honrar os pais e...

— E o que você sabe sobre ser um pai, me diz? — explodi extravasando toda minha fúria e deixando-o sem palavras. — Exatamente, seu conhecimento é igual à nada! Você nunca esteve presente e jamais foi um pai para a Maria, então não se atreva a me aconselhar sobre a importância da paternidade!

Quando aquelas palavras escaparam, arrependida, eu desejei voltar no tempo para não dizê-las.

Notei o exato momento em que ele travou sua mandíbula e olhou para os lados, inspirando profundamente e, possivelmente, contando até dez.

— Posso oferecer uma carona às duas antes de ir para o trabalho? — desconversou, me supreendendo ao engolir todas as minhas ofensas sem revidar. O Victor do passado jamais teria se comportado de tal forma.

— Como queira — respondi incomodada e após ir a sala de TV a fim de pegar a bolsa da bebê previamente preparada, eu voltei e segui com Victor até o carro ao qual não reconheci de imediato, mas não tive coragem de perguntar a procedência.

Fui quieta durante todo o caminho e a tensão no ar era quase palpável. Eu até mesmo quis pedir desculpas em ter gritado com ele, principalmente depois vê-lo tomado de mágoa e chateação com minha atitude, mas meu orgulho impediu tal humilhação.

Poucos minutos depois que mais pareceram séculos, Victor estacionou em frente a igreja a qual dona Socorro frequentava, cuja a entrada dava direto para rua. Do ponto onde estávamos era possível notar a grande movimentação de pessoas saindo e entrando.

Eu já não sabia se fora uma boa ideia ter oferecido minha ajuda para aquele bazar ou não, mas permanecer no Instituto sendo consumida pela culpa não estava em meus planos.

— Tome — Victor virou o corpo para os bancos traseiros aonde eu havia me acomodado com nossa filha e tirou da carteira uma boa quantia de dinheiro em notas para me oferecer. — Vamos, pegue — incentivou ao contemplar minha confusão com aquela atitude.

— Não preciso do seu...

— Minha intenção é que você faça uso do dinheiro no bazar. Desse modo estarei contribuindo e ajudando a igreja, uma vez que não poderei comparecer — declarou ainda ressentido. — De toda forma, eu voltarei mais tarde. Você não precisa aceitar se não quiser. Eu mesmo posso fazer.

Sem pensar muito, eu tomei o dinheiro das mãos dele e me comprometi a atender seu pedido.

— Mais alguma coisa? — perguntei com descaso.

O olhar duro dele sobre mim me deixou desconfortável.

— Não, isso é tudo.

— Então, até mais— despedi-me dele e sai do carro com a bebê antes que caísse no choro ali mesmo.

Respirei fundo algumas vezes e fiz o máximo possível para controlar meus sentimentos. Já não podia compreender minha própria forma de agir, mas o ressentimento se tornava cada vez maior e mais esmagador. Eu me sentia como um animal machucado sendo encurralado por todos os cantos e odiava isso.

Meu Deus! Quando tudo aquilo acabaria? Quando eu me veria livre? Eu só queria paz. Um pouco de paz, mas como a escontraria num ambiente onde todos pareciam estar contra mim?

"Pensa, Sarah. Você precisa pensar em uma solução" eu repetia para mim enquanto milhares de ideias me vinham ao mesmo tempo.

— Sarah! Entre, querida! — ouvi o chamado de Karen invadindo meus pensamentos e quando dei por mim já a acompanhava rumo ao interior do salão da igreja.

Não estava com cabeça para prestar atenção a grandes detalhes, mas percebi o exímio trabalho dos envolvidos em deixar tudo organizado. Haviam várias mesas e araras onde as pessoas trabalhando ali expunham seus materiais e roupas a serem vendidas, além de muitas pessoas circulando e comprando.

Karen me levou até a área reservada para as moças do Instituto e me surpreendi quando dei de cara com Coelho fazendo muito bem seu papel de vendedor. Apesar de pertencer a igreja aonde meu pai pastoreava, ele não tinha problemas em usar seu rostinho bonito e a simpatia para ajudar os irmãos da congregação vizinha, rendendo assim muito lucro e um bônus de boas risadas devido às suas palhaçadas.

— Colocaram ele no lugar certo — comentei finalmente me divertindo com algo naquele dia difícil.

— Josué é ótimo — concordou Karen sorrindo ao vê-lo brincar com uma criancinha.

— E então, como Mabel e eu podemos ser úteis? — quis saber curiosa.

— Bem, essa lindinha pode ficar comigo. Eu estou bem ali olhando as crianças — Anelise entrou na conversa passando algumas informações e logo depois pediu autorização para levar a bebê para salinha reservada para as crianças. Eu deixei, é claro. — Você pode ajudar com a reposição e organização das mesas.

— Ok.

Após receber algumas orientações, despedi-me das meninas e fui para o meu posto.

Coloquei as mãos na massa e dei o meu melhor, buscando me envolver inteiramente nas tarefas. Fiz de tudo. Comecei pelo o que me fora pedido, mas acabei até mesmo comprometida com a limpeza não só da nossa barraquinha improvisada como também de todo o salão. Tudo isso para não lembrar das coisas a serem resolvidas em minha vida fora daquele lugar. E mesmo assim, nem todo o esforço do mundo foi capaz de impedir minha cabeça de ficar latejando e insistindo em possíveis soluções.

A tarde passou se arrastando e eu não parei nem por um minuto, principalmente após descobrir que enquanto cumpria minhas funções ninguém me perturbava, criticava ou opinava sobre meus atos.

— Meu Deus, você está bem? Parece pálida — comentou Coelho, a quem eu até aquele instante havia conseguido evitar com sucesso e só não durou mais porque acabei trombando nele sem querer.

Josué e Victor eram inseparáveis e sem dúvidas o primeiro deveria estar de acordo em gênero, número e grau com as ideias do segundo e eu não precisava de outro sermão sobre tomar uma atitude quanto ao meu pai e blá-blá-blá.

— Estou perfeita. — Dei as costas e até tentei seguir na direção oposta, mas ele segurou uma de minhas mãos e só o fato de me puxar levemente para trás, quase ocasionou minha queda.

— Sarah, você está fria. Já parou pra comer? Desde cedo estou vendo você correndo de um lado para o outro e...

— Estou bem, já disse — cortei-o e fui impedida em minha segunda tentativa de partir, pois mesmo contra os meus pedidos Coelho resolveu me arrastar até a cozinha aonde um café estava sendo oferecido.

— Aproveite o pouco movimento para fazer uma pausa e só saia daí quando estiver satisfeita de tanto comer. É uma ordem — ele disse autoritário, sem me dar muitas chances de recusa e saiu.

Ao observar a mesa disposta com uma grande quantidade de guloseimas, senti o estômago roncando. Haviam alguns membros da igreja com quem já havia conversado algumas vezes naquele cômodo, mas, por opção, fiz meu prato e me sentei afastada de todos.

Enquanto comia algumas bolachas e tomava café, Anelise trouxe Maria Isabel dormindo e a bolsa com os pertences dela para ficarem comigo. Durante o dia fiz várias visitas a salinha para saber como a bebê estava e geralmente a encontrava envolvida em brincadeiras, lanchinhos ou sonecas. Em minhas curtas visitas eu trocava alguma fralda suja ou dava de mamar e voltava a labuta. Ela ficou bem sem mim, muito bem, aliás e agradeci grandemente a minha amiga por cuidar da pequena em minha ausência.

Como Josué mandou, eu comi até estar estufada. Esperei algum tempo até me considerar pronta para voltar a ajudar com a arrumação final, tendo em vista que todos já começavam a se preparar para irem embora.

Fiz o caminho de retorno com a bebê dormindo em meu colo e me sentia até mais calma depois de me alimentar. Contudo, quando cheguei a porta do salão senti o ar sendo sugado dos meus pulmões e quase tombei para trás com a cena que vi.

Lá estava ele.

Era meu pai! Meu pai conversando seriamente com Victor e Coelho no mesmo local aonde as moças do Instituto arrumavam e guardavam seus pertences em caixas.

Aquilo não era possível.

Eu não podia acreditar em meus próprios olhos e nem mesmo na ousadia de Victor em fazer aquilo comigo. Trazer meu pai até mim era o ápice da sua intromissão e eu não podia lidar com aquilo.

Senti a garganta fechar e entrei em completo desespero. Um medo terrível fez minhas pernas bambearam e eu precisei me forçar a sair de perto das extremidades daquela porta com rapidez a fim de não ser vista por ninguém. Minha respiração foi se tornando irregular e uma raiva consumidora foi tomando o espaço de cada centímetro do meu corpo.

Jamais aceitaria aquilo. Victor não tinha o direito de ter traído as minhas vontades daquele jeito. Ele não tinha!

Eu não estava pronta para encarar meu pai e já que ninguém podia compreender ou respeitar minhas vontades, eu tomei uma decisão no auge da minha raiva.

Só havia uma coisa a ser feita.

Eu precisava fugir de Santa Fé.

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