Quarenta: Padrinho
— Sarah! Victor! Não acredito que vocês vieram! — exclamou Coelho quando nos viu entrar no seu quarto de internação.
Eu ainda tentava entender como de um dia para o outro, o pobre Josué não só passou muito mal, como também precisou de uma cirurgia. Graças a Deus tudo ocorreu muito bem e ele estava para receber alta. Mesmo assim, o quadro repentino dele só veio para acrescentar mais um motivo de estresse naquela semana, que por acaso, era a do meu casamento.
— Mas é claro que viemos. — declarei animada e senti a mão de Victor em minhas costas me incentivando a seguir até o leito de nosso amigo. — Você nos deixou muito preocupados, mocinho
— Deixou mesmo. — Vic concordou e como típico médico, pegou a ficha do nosso amigo para analisar. — Nunca pensei que te veria chorando por alguma coisa.
— Há-há! Muito engraçado. — Coelho forçou o riso. — Eu não chorei coisa nenhuma e mesmo se tivesse chorado, experimente estar no meu lugar e aí conversamos.
— Podia ter esperado semana que vem — comentei com graça.
Ele riu um pouco e fez uma careta de dor em seguida.
— Eu não estaria aqui se não fosse extremamente necessário, esteja certa disso — garantiu com veemência. — Odeio hospitais e tenho quase certeza que a enfermeira da manhã fica feliz quando perde meu acesso e precisa me furar de novo. Ela ri do meu pânico.
— Quem? A enfermeira Cibele? — Vic franziu o cenho. — Ela é séria, mas sempre é gentil com seus pacientes.
— Gentil? — Coelho bufou. — Aquela garota pode ter me ajudado, mas no fundo é um monstro.
Foi inevitável rir do drama dele. Era até cômico ver um homem forte daqueles ter tanto pavor de qualquer coisa ou pessoa relacionada a área da saúde.
— Oh, Coelhinho. — Apertei a mão dele, tentando passar algum consolo. — Seu sofrimento está acabando, mas enquanto isso, nós viemos aqui, com o propósito de amenizá-lo, não é, Vic?
— Sim, entregue o presente a ele, meu amor — meu noivo pediu, voltando sua atenção a mim.
— Por favor, me diga que o presente é um super hambúrguer. Estou cansado de sopa sem sal — ele ironizou enquanto me via revirar minha bolsa. — Desculpe, eu não fico com bom-humor nesse lugar horrível.
Revirei os olhos e finalmente encontrei o que buscava.
— Isso aqui é um convite. — Coloquei o envelope nas mãos dele. — Victor e eu te amamos muito e ficaríamos muito gratos se você aceitasse ser nosso padrinho.
Ele abriu o convite, leu e sorriu com sinceridade.
— Mas é claro que aceito! — ele declarou sem pensar duas vezes. — Esse momento será uma grande expressão da graça do Senhor na vida de vocês e eu não posso perder. — Ele estendeu sua mão cumprimentou Vic em primeiro lugar e depois me abraçou rapidamente. — Então você finalmente fez ela mudar de ideia, amigão? Vão mesmo fazer uma festa com bolo e tudo?
A ênfase dele nas comidas me fez rir.
— Sim, foi preciso muito esforço pra conseguir convencer essa cabecinha dura. — Vic depositou um beijo rápido em minha tempôra. — Agora pelo menos teremos uma cerimônia simples, modesta, com os nossos amados presentes e Cristo, é claro.
— Pois é, mudei de ideia. — Sorri e, refletindo, acabei lembrando de como havia levado algum tempo para me decidir quanto ao que queria ou não no casamento.
A princípio, quando Victor e eu começamos a discutir detalhes, minha decisão era apenas casar no cartório, recebendo a bênção do meu pai como pastor logo depois e pronto, estaríamos casados. Honestamente, o sentimento de não ser uma noiva comum, martelava em minha cabeça. Eu não conseguia me ver entrando de branco e pensava ser uma hipocrisia sem tamanho me colocar diante dos irmãos, fazer uma grande festa como se nada manchasse o meu passado e ainda por cima havia Mabel, que mesmo sendo minha maior bênção, mostrava como fui precipitada em minhas escolhas. Deus, no entanto, foi bom para mim e colocou mulheres sábias para me oriantarem. Elas lembraram de como o perdão oferecido por Cristo na cruz, me tornou espirtualmente pura novamente e já não mais haviam condenações sobre minha vida. Com todo amor, as senhoras não só enfatizaram a importância de oficializar o casamento diante da igreja, como se ofereceram para me ajudar na preparação de uma comemoração simples, mas especial. Enfim acabei convencida.
— Olha só! Então todos finalmente vão poder ver como fico lindo de terno? — Coelho brincou. — E vou poder me empaturrar de bolo?
— Bem, apenas não espere algo extravagante, por favor — previni com graça e meu amigo entendeu bem o motivo. — Nós não vamos nos casar na capela mais famosa da cidade, nem ter um coral da Alemanha cantando "Hallujah" na minha entrada e muito menos vamos ter um famoso chefe daqueles programas de TV para preparar nossa comida.
Victor identificou bem minhas referências e riu.
— Pela minha mãe eu entraria na igreja montado em um cavalo branco — explicou com certa ironia. — Ainda bem que Sarah é muito paciente em negar tudo.
— Ah, Sarah, você deveria ter concordado! Eu pagaria pra ver seu noivo entrando num cavalo. — Coelho até fechou os olhos certamente imaginando a cena. — Isso me leva a concluir que ainda estão tendo problemas com a Raquel?
Ele estava a par das nossas lutas e orava por nós, por isso, nem eu, nem Vic tínhamos problemas em expor tudo.
— Bem, ela mudou bastante, admito. É uma excelente avó para Mabel e está sempre preocupada com a felicidade do Victor — expliquei com siceridade. — Mas quanto a mim, apesar de tudo, sou engolida a seco, eu sei.
— Nós dois decidimos orar por ela e fazer o possível para demonstrar o amor de Cristo — Vic relembrou do nosso acordo. — Ainda assim, tem sido difícil, pois ela nos sufoca em tudo, mesmo que seja com seu cuidado excessivo.
— Bem, demonstrar o amor de Cristo não significa necessariamente deixá-la se meter e fazer um inferno na vida de vocês — Josué aconselhou com sabedoria. — Precisam ficar espertos, pois, eu não sei vocês, mas não iria querer minha mãe opinando em como a futura senhora Josué Coelho lava minhas roupas, ou como cozinha minha comida e todas essas coisas.
— Temos pensado muito nisso, principalmente depois dela ter ameaçado não ir ao casamento se eu não a deixasse bancar meu vestido — contei com um quê graça. — Isso foi providência do Senhor e também um meio de nos levar a pensar no futuro.
— Concordamos em tomar uma decisão após a viagem de lua de mel — Victor informou com um tom meio pesaroso, pois tanto eu quanto ele sabíamos que qualquer solução implicaria em abrir mão de alguma coisa.
— E o que estão pensando? — Josué ergueu as sobrancelhas.
Nós então contamos sobre nossos planos e dificuldades e nosso amigo foi muito importante em nos dar um parecer, levando-nos a pensar em muitas possibilidades. A conversa por certo foi muito produtiva e ele acabou sendo um instrumento do Senhor para nos mostrar biblicamente como deveríamos agir.
Estávamos muito concentrados até sermos interrompidos por uma bela moça uniformizada. Ela entrou carregando uma bandeja de metal e não me pareceu muito feliz em ter um paciente como Coelho.
— Enfermeira Cibele, já veio me furar de novo? — Josué interpelou a jovem e já era possível ver o desconforto estampado em seu rosto.
— Bom dia pra você também, senhor Josué. — Ela deixou a bandeja sobre o móvel ao lado da cama e, agitada, foi lavar as mãos no lavatório mais próximo. — Trouxe mais visitantes?
— Nós já estamos de saída, mas sabe como é, ele é o nosso padrinho de casamento — Victor zombou e foi logo reconhecido pela moça que sorriu para nós. — Temos de apoiá-lo e segurar a mão dele nesse momento difícil.
— Fique tranquilo doutor Victor, não vim expulsá-lo. Aliás, fico feliz por revê-lo e finalmente conhecer a noiva de quem fala tanto — ela disse e, ao se aproximar, eu a cumprimentei com um aceno de cabeça, pois suas mãos estavam ocupadas abaixando as grades do leito e preparando o necessário para a troca de curativos e medicações de Josué que, discretamente, se afastou dela. — E então, doutor, como estão as suas criancinhas? Soube que o filhinho da Eliana teve alta do setor oncológico, eu passei lá pra dar um abraço nela.
Lembrei da mulher da lanchonete e novamente me senti uma boba por ter tido ciúmes dela com Victor. Em nosso culto de ação de graças pelo nosso noivado a própria Eliana foi convidada e veio conversar comigo, muito agradecida pela generosidade do meu noivo, cujos atos foram fundamentais para a saúde de seu filho, Enzo.
— Estão sendo cuidadas a cada dia, pela graça de Deus — Vic contou alegre. — O que me lembra de te pedir um favor. Como sabe, estarei em lua de mel na próxima semana e sei que você visita meu setor quando pode. Por isso, caso seja viável, me envie notícias dos meus pequenos.
— Claro, doutor Victor. Sem problemas. — Cibele sorriu e virou-se séria para Josué. — Os seus pequeninos não me dão tanto trabalho quanto certos marmanjos por aqui.
— Eu te dou trabalho? A enfermeira Cida disse que sou um anjo — Coelho contextou tentando se gabar. — E eu acredito nela.
— Isso porque o plantão dela é o noturno quando o senhor, meu caro paciente, já está dormindo como um anjo e não a incomoda se recusando a deixar te medicar — Cibele nos fez rir, mas não mudou uma linha de expressão do rosto, assim sua pose de durona manteve-se intacta. — Agora com seus amigos aqui, espero que pelo menos me permita examinar pra ver se o acesso ainda está viável.
— Pra você me furar e rir de mim de novo? Nem pensar! — ele exclamou um pouco irritado e recolheu o braço. — Por favor, Victor. Use sua autoridade de médico pra tirar essa mulher daqui.
— Eu não mando em nada. Cibele é quem tem autoridade neste setor. — Vic esclareceu, se esforçando para manter o tom sério. — Deveria respeitá-la por ser tão paciente.
Tanto eu quanto Cibele seguramos o riso.
— Eu a respeito muito. Ela é uma mulher muito convincente e muito durona — rebateu Coelho. — Mas fica feio pra mim estar agindo assim na frente de uma dama. É quase automático, infelizmente.
— Não ri de você e tampouco te julgo, senhor Josué. Apenas preciso fazer o meu trabalho — ela falou devagar. — Tenho outros pacientes precisando de mim.
— Pense também no seu exemplo de tio para Mabel, Coelho — brinquei e a benevolência do jovem delegado em pensar nos outros foi manifesta rapidamente quando ele ofereceu seu braço à mulher num gesto de humildade, a despeito de seus próprios receios.
— Vamos, Sarah. É melhor deixar Cibele fazer seu trabalho — Victor segurou minha mão e me convidou a segui-lo.
— Está certo. Deus o abençoe, Josué — declarei disfarçando a graça de ver o susto estampado no rosto dele. — Nos vemos no casamento.
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