Onze: Perdão?

Era sexta-feira à tarde e dona Socorro havia reunido todas as garotas para um piquenique em um parque localizado não muito longe do instituto. Nós duas precisávamos conversar seriamente, principalmente depois de eu ter revelado para ela no dia anterior quem era o pai de Mabel. Eu devia àquela senhorinha muitas explicações, mas não tive chance de fazer isso naquele instante devido a minha intensa fragilidade e ao fato de Amanda ter levado a mãe para sua casa momentos depois do fim da palestra.

- Então, o doutor Victor é mesmo o pai da bebê? - dona Socorro perguntou logo depois de me chamar para dar uma volta com ela e Mabel pelos arredores do parque.

- Sim - confirmei com pesar enquanto empurrava o carrinho onde Maria estava deitada brincando com seus próprios pés. - É difícil de acreditar, eu sei.

- Por que diz isso, querida? - Ela me olhou confusa.

- Bem, Victor é rico, vem de família abastada e eu sou apenas a filha de um pastor viúvo - revelei suspirando. - Quando namorávamos, ele não queria, mas depois de eu pressiona-lo, fui apresentada aos seus pais e outros membros família. Fiquei deslumbrada ao ver o quanto de dinheiro os Ferraz possuíam e pensei que eles nunca me aceitariam, mas aconteceu o contrário. Foi tão bom, eu ri tanto, todos me trataram tão bem e pasme, a mãe dele até me chamou de nora! - Fiz uma pausa tendo a mente invadida por lembranças daquele dia agradável. - Porém depois daquele jantar, Victor começou a agir estranho, nós caímos em tentação, eu engravidei e o resto a senhora já sabe.

- Interessante - comentou e quando passamos por banquinho de madeira, dona Sô me convidou a sentar e eu aceitei. - E como você o conheceu, Sarah?

- Foi no meu primeiro ano de faculdade - comecei já sentindo vergonha dos meus próprios atos. - Eu havia ganhado uma bolsa em enfermagem e com isso, acreditei ter recebido também minha carta de liberdade para sair das rédeas curtas do meu pai.

- O ser-humano vive procurando sua liberdade nos piores lugares, mas nunca serão felizes procurando por algo ou outro alguém além de Jesus Cristo - acrescentou dona Socorro com sabedoria, eu concordei manejando a cabeça e ela me pediu para prosseguir.

- Logo nas primeiras semanas de aula, eu conheci a Suellen, irmã do Victor, na sala de aula e, apesar dela não ser uma boa influência, nós fizemos uma boa amizade. - Tomei um pouco de ar. - Ela saía com muitos garotos e ia a muitas festas e eu a seguia com um cachorrinho. Embora, eu não fizesse nada e me sentisse extremamente deslocada nesses locais, eu queria seguir o meu coração corrupto a qualquer custo. Por isso, não foi surpresa quando acabei me afastando do meu pai e irmãos, abandonei a igreja e minha melhor amiga para continuar, supostamente, livre. - Senti os meus erros pesando em meus ombros e quis chorar por isso. - Em uma dessas festas, eu quis impressionar Suellen e, vergonhosamente, me excedi com o álcool. Ao invés de fazer loucuras como minha musa inspiradora fazia, eu passei muito mal e fui socorrida pelo lindo, cobiçado e médico recém-formado, Victor. - Cocei minha nuca. - Ainda lembro-me de como ele olhou nos meus olhos e disse: "você não precisa agir assim, pois não é esse tipo de garota".

- Deixe-me adivinhar - ela pediu e colocou o dedo indicador no queixo, fingindo pensar um pouco. - Você se apaixonou perdidamente.

- É - respondi sentindo as bochechas corarem. - Victor me mandou uma mensagem de texto perguntando se eu estava bem e começamos a conversar o tempo todo. Depois passamos a nos ver sempre, ele se declarou e vivemos no paraíso com a nossa paixão inflamada e tudo foi perfeito até não ser mais. - Olhei para Mabel e ao constatar seu sono profundo, eu me lembrei de algo terrível acerca do caráter do meu primeiro e único namorado. - Eu o tinha como um príncipe encantado, sem defeitos, porém, mesmo depois de conhecer sobre minha fé, ele me seduziu para dormirmos juntos. Eu não sou santa, é claro, mas ele insistiu tanto... - Refleti um pouco sobre minhas próprias palavras e ao ver o olhar da senhora ao meu lado, eu cheguei a uma conclusão. - Eu não era cristã coisa nenhuma, dona Sô. Só entendi isso quando o Senhor me fez passar pelo vale da sombra da morte onde eu pude e perceber o quanto eu era hipócrita. Precisei de Victor, da Maria Isabel e até do meu antigo senhorio para enxergar isso.

A senhora fez alguns segundos de silêncio enquanto sentíamos a brisa daquele dia ensolarado batendo em nossas faces. - Sabe querida Sarah, eu li uma vez em algum lugar que enquanto não chorarmos e sentirmos o teor dos nossos pecados, jamais seremos capazes de amar a Cristo verdadeiramente* e eu completo com as palavras proferidas por ele mesmo: "os saudáveis não precisam de médicos, e sim os doentes", apenas quem reconhece não poder se salvar sozinho dos seus pecados, encontra um Salvador e deposita toda sua fé e esperança nele.

Senti as lágrimas inundando meus olhos e precisei refletir um pouco sobre a seriedade contida naquela mensagem proferida. - Pela graça de Jesus, eu entendi isso. Hoje até os sermões inacabáveis de meu pai fazem sentido.

- Sarah? - Ela chamou e eu olhei. - Sentindo todo esse amor do Pastor da sua Alma, você não têm vontade de perdoar o doutor Victor por tudo? - perguntou com um pouco de receio e eu nunca me senti tão confrontada em toda minha vida.

- Eu não sei - confessei sinceramente. - Como posso perdoar alguém que me feriu tanto e me deixou ao relento com uma filha a quem ele pediu para matar ainda no ventre em troca de dinheiro?

- Olhe para o seu passado, Sarah. Veja quantos dos seus pecados já foram lançados no mar do esquecimento e se pergunte: "Como Jesus pôde me perdoar"? A lei santa de Deus te condenava a morte, mas Cristo sem ter pecado algum, tomou o lugar da sua morte para te dar vida. Isso só reafirma que amor e perdão não são oferecidos por merecimento e sim por graça. Por isso, vá e viva como ele. Perdoe como ele!

- Podemos voltar agora? Luana deve estar precisando do carrinho. - desconversei, sentindo uma imensa dor invadindo meu peito.

- Tudo bem, mas eu prometo, minha filha, vou orar muito por você e sua família - avisou e comovida, me abraçou com força.

Nós deixamos o banquinho e enquanto caminhávamos devagar de volta para área do piquenique, dona Socorro foi comentando como estava animada para o passeio até uma chácara a ser realizado pela igreja no dia seguinte. As moças do instituto, também foram incluídas no convite e pelas descrições exorbitantes da senhora, seriam momentos memoráveis e até eu fiquei animada para participar.

Como se Senhor estivesse provando minha fé e talvez até minha paciência, eu avistei Victor vindo da direção oposta a mim, acompanhado de um amigo tão bonito quanto ele. Olhei para os lados procurando alguma rota de fuga, mas não encontrei e mesmo se encontrasse não seria rápida ou imprudente o suficiente para sair correndo com o carrinho onde minha filha dormia como um anjinho depois de um dia cansativo de brincadeiras.

- Só pode ser mentira. Esse idiota está me perseguindo - murmurei não tão baixo e isso chamou a atenção de dona Sô.

- Aquele não é o...

- Ele mesmo! - reclamei inconformada.

- Tia Socorro, a senhora por aqui - o amigo de Victor veio em nossa direção e arrebatou minha companheira de caminhada em um abraço forte.

- Coelho! - dona Socorro abraçou o sobrinho ainda mais forte e depois o encarou - Você voltou para cidade e nem foi visitar sua família, seu menino serelepe?

- Eu precisei ir direto para a delegacia, encontrei o doutorzinho e o chamei para um café e estudo bíblico em nome dos velhos, ou nem tão velhos assim - contou animado e não pude deixar de notar como ele ficava bonito sorrindo. - E a senhora? Faz o que por aqui?

- Eu vim para um piquenique com minhas meninas - informou alegremente.

- Maravilhoso! O Senhor fez um maravilhoso dia de sol. Ótimo para aproveitar em amigos - comentou o rapaz animado.

- E como está sua mãe e... Ai meu Deus, onde estão meus modos? - Dona Sô virou-se para mim. - Essa aqui é a Sarah e sua filhinha Maria Isabel.

- Prazer, eu sou o Josué Coelho, mas, geralmente me chamam só de Coelho. Apelido de infância, sabe como é, né? - ele disparou a falar enquanto apertava minha mão freneticamente. - E desculpe, seu nome é Sarah?

- Sim - respondi sorrindo.

Coelho, então se virou para Victor e tentou sussurrar algo como: "Essa é aquela Sarah?" e foi inevitável sorrir novamente com sua indiscrição.

Aproveitando a deixa, Victor se juntou a conversa, cumprimentou a mim e a dona Sô com um breve sorriso e só de tê-lo por perto eu comecei a ficar inquieta imediatamente.

- Querem se juntar a nós para o estudo e café? - Coelho perguntou cordialmente.

- Nem pensar - respondi rápido demais e senti a vergonha esquentando minhas bochechas. - Desculpe, dona Socorro, mas eu, realmente, preciso devolver o carrinho da Luana.

- Tudo bem, Sarah , pode ir indo na frente, vou conversar um pouquinho mais com meu sobrinho favorito - autorizou a senhorinha e eu pedi licença e voltei a andar com o carrinho.

- Você precisa parar de fugir de mim, Sarah Rodrigues - ouvi a voz soando atrás de mim e nem precisei virar para saber a quem ela pertencia.

- Paro de fugir de você, quando você parar de me perseguir em todos os lugares - argumentei, acelerando o passo.

Victor se adiantou e se colocou ao meu lado. - Nós precisamos conversar. Eu tenho algo pra te contar.

- Conte agora, oras - mandei, irritada.

- Não, é algo muito sério pra se dizer assim num lugar qualquer - recusou, rebelde.

- Se não quer falar aqui e agora, então acabou nossa conversa - declarei e quando tentei sair andando na frente mais uma vez, ele impediu segurando o carrinho e em seguida travou a roda com pé.

- É referente a bebê - declarou sério, me fazendo parar de andar na hora, pensando em mil problemas médicos os quais ele poderia ter descoberto.

- Qual o problema com ela? - perguntei já sentindo o coração aflito.

- Você só vai saber se for me encontrar na padaria na esquina do instituto amanhã cedo - determinou e lançou um olhar preocupado em direção ao interior do carrinho.

- Amanhã eu viajo às dez da manhã, Victor, diga de uma vez - tentei comover nele alguma compaixão para falar de uma vez.

- Então, me encontre às oito, você não precisará ir muito longe - contrapôs esperto. - Se estamos combinados, até amanhã, Sarah - e saiu andando sem me dar a chance de me opor a sua proposta.

*Retirei a frase falada pela Dona Socorro do livro da DulciVerissimo, Amor e Graça. Ótimo livro!!!

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