"Speedy Shot"
O sol escaldante do Texas queima minha pele enquanto eu cavalgo pelo deserto poeirento no lombo do meu fiel companheiro Silver Bullet. Nessas horas, eu agradeço a Deus por ter me feito negro; caso contrário, estaria vermelho feito pimenta mexicana, e, ao tirar meu chapéu para cumprimentar alguém, pareceria bicolor, com a testa mais clara que o resto do rosto. Meu nome é Winston “Speedy Shot” White, e sou um caubói com uma reputação maior do que minhas habilidades reais. Mas deixe-me contar como tudo começou.
Minha família é inglesa, mas se mudou para os Estados Unidos quando eu era apenas um garoto. Meu pai, um exímio atirador e domador de cavalos, montou um pequeno espetáculo itinerante. Viajávamos de cidade em cidade, atirando em latas e laçando animais para entreter as pessoas. Meu pai me ensinou tudo o que sei, desde como manejar uma arma até como criar um personagem cativante e fazer o público acreditar nele.
Mas eu estava cansado de ser apenas um palhaço fazendo graça para as pessoas. Tinha me tornado um atirador e montador habilidoso, mas queria mais. Eu queria ser lendário. Então usei minhas habilidades de palco e saí pelo Velho Oeste inventando histórias sobre um personagem que criei para um espetáculo do meu pai: Speedy Shot, o caubói que nunca erra. Esse foi o nome que escolhi, e ele logo se espalhou como fogo em palha seca pelas cidades. As pessoas acreditavam que eu era o homem mais rápido do Oeste, e eu não fazia questão de desmentir. Mas agora eu estava no Texas e sabia que aquela cidade já foi conhecida como a terra onde o filho chora e a mãe não ouve, e as coisas estavam prestes a ficar complicadas.
Quase fui descoberto em uma cidade vizinha quando entrei em um saloon e o dono era um de meus admiradores. Ao saber meu nome, pediu que cantassem uma balada em minha homenagem. Eles cantaram “A Queda da Família Belzebu”, que, diga-se de passagem, é um de meus maiores sucessos. Mas ao final da balada, um homem bêbado se aproximou, dizendo que conheceu a temida família, chamada Família Belzebu.
Na hora, travei. Afinal, duas coisas poderiam acontecer ali: ele poderia dizer que sabia que, na verdade, eles tinham morrido de uma doença que pegou todos de uma vez ou que era um parente deles e estava à procura de vingança, me chamando para um duelo. Para minha sorte, após suar frio, pensando que aquele era o fim da lenda, ele me pagou um uísque e disse que eu tinha vingado o irmão dele, que morreu nas mãos do velho Bill Belzebu.
Após aquele susto, decidi seguir em frente. Quando cheguei a uma cidadezinha chamada Dusty Springs, percebi que as pessoas também conheciam meu nome. Elas olhavam para mim com admiração e curiosidade, e eu sabia que poderia tirar alguma vantagem daquilo. Consegui estadia, bebida e comida de graça, mas, para isso, tive que voltar a ser palhaço e fazer truques para as pessoas. Pelo menos ali, me viam como o notório caubói Speedy Shot, e não como Winston White, o menino do circo.
Aí é que aconteceu uma coisa que eu não esperava. Enquanto fazia uma demonstração das minhas habilidades com as pistolas e com o laço, uma multidão parou para assistir. Parecia que toda a cidade estava ali, vendo a poeira subir das patas de Silver Bullet enquanto eu atirava com êxito em latas que estavam vários metros à frente. Uma movimentação diferente me fez parar. A multidão começou a se dispersar e, no clarão que se abriu, restou apenas um único homem.
A postura dele era tão imponente que nem a poeira ousava tocá-lo. Ele aparentava ter cinquenta anos, e a barba grisalha lhe dava uma aparência séria de homem experiente. Mas o que mais impunha respeito na figura dele era a vistosa estrela de seis pontas que estampava seu chapéu e seu colete.
— A farra acabou, rapaz — ele disse, com a voz branda mas cheia de autoridade. — Apeie e me entregue as suas armas.
— Por que eu lhe entregaria as minhas armas, senhor xerife? — respondi, tentando manter a confiança característica do meu personagem. — Por acaso cometi algum crime?
— Já estava claro para mim que você não é daqui ou das redondezas, filho — o xerife disse, após dar um sorriso de lado —, mas agora isso se confirmou. Mesmo assim, acho estranho nunca ter ouvido falar de William Henry Lawyer, o Xerife que limpou o Texas.
— E eu acho estranho o senhor nunca ter ouvido falar de Winston “Speedy Shot” White — disse, ainda tentando manter a minha pose de caubói destemido, pensando que talvez o nome pudesse resolver aquela situação.
— Então temos um pistoleiro famoso aqui? — ele disse, olhando para os lados e dando uma risada que eu não consegui entender de início, mas que logo fez sentido quando ele parou de rir e continuou a falar, olhando para mim. — Podiam ter me dito isso antes. Você está preso, “Speedy Shot”. Só por sacar essas pistolas dentro da minha cidade, isso já seria motivo, mas eu já tinha ouvido falar das suas demonstrações por aí, que causam aglomerações e perturbações da ordem. Sem contar as histórias que contam sobre os seus feitos, que mostram o quanto você é perigoso.
Eu queria pedir desculpas e dizer que eram todas inventadas, mas os olhares de admiração das pessoas em minha direção me fizeram manter a pose. Descendo do cavalo de forma ágil e estilosa, saquei as armas com uma velocidade espantosa que fez todos, menos o xerife, se assustarem, e as entreguei a ele. Com muito esforço para manter a concentração, mantive meu olhar fixo no dele. Aquele homem era um caubói de verdade: frio, corajoso e implacável, então fiz o possível para parecer um igual.
O xerife pegou minhas armas com uma destreza que indicava anos de prática. Ele as girou nos dedos antes de guardá-las no cinto. A multidão ao redor observava em silêncio, alguns desapontados, outros preocupados. Pareciam expectadores ansiosos para um embate, como se imaginassem que eu iria tomar as armas de volta, montar em Silver Bullet e sair dali a galope, deixando uma nuvem de poeira para trás. Em minha mente criativa eu até me vi fazendo aquilo e, ainda fazia uma pose, empinando Silver Bullet e retirando o chapéu, antes da minha saída triunfante. Mas de verdade não tinha ímpeto e nem coragem alguma para tal feito e apenas mantive a pose.
O xerife fez um gesto para que eu o seguisse. Mantendo a cabeça erguida, caminhei ao lado dele, tentando esconder minha apreensão.
— Não vejo muito perigo em você, rapaz — disse o xerife, sem me olhar. — Mas, com a quantidade de histórias que circulam sobre seus feitos, preciso ter certeza de quem você é.
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O xerife o conduziu até a cadeia. Uma construção simples de madeira com uma estrela de xerife pregada na porta. A cela era um espaço pequeno, com uma cama de palha e uma janela gradeada que dava para a rua.
O xerife trancou a porta e se virou, cruzando os braços. — Vou enviar cartas para outros xerifes e cidades vizinhas. Preciso confirmar se essas histórias sobre você são verdadeiras ou apenas exageros de bêbados. Até lá, você ficará aqui.
— Quanto tempo isso vai levar? — ele perguntou, tentando manter a calma.
— Pode levar semanas, talvez até meses. As cartas demoram para ir e voltar por essas bandas. Enquanto isso, vou te manter seguro e sob custódia.
Lawyer saiu, deixando-o sozinho na cela. A sensação de impotência começou a tomar conta dele. A ideia de ficar preso por semanas, talvez meses, sem saber qual seria o seu destino, era sufocante. Do lado de fora, podia ouvir o murmúrio da cidade retomando sua rotina, como se sua presença ali não fosse nada além de uma nota de rodapé em suas vidas.
Com o passar dos dias, Winston passou a aceitar a rotina monótona da cadeia. Os dias eram longos e arrastados, marcados apenas pelo nascer e pôr do sol que via através das grades da janela. Às vezes, ouvia o xerife conversando com seus assistentes, discutindo casos triviais e pequenas disputas locais. Lawyer nunca mencionava o nome dele, e isso apenas aumentava sua incerteza.
Certa manhã, depois de semanas, o xerife entrou na delegacia com uma pilha de cartas e lançou um olhar avaliador na direção dele, antes de começar a abrir os envelopes, um por um. O coração do prisioneiro batia acelerado enquanto observava a expressão do Xerife, tentando decifrar qualquer pista sobre o destino dele. Finalmente, Lawyer se levantou, segurando uma carta aberta na mão.
— Parece que sua fama se espalhou mais do que eu imaginava, Speedy Shot. Recebi respostas de vários xerifes, e todos têm algo a dizer sobre você. Vamos ver se conseguimos desvendar esse mistério.
Com isso, ele se aproximou da cela e começou a ler as cartas em voz alta. Cada uma delas contava uma versão diferente das aventuras do lendário Speedy Shot, algumas mais exageradas do que outras. Aquilo fez Winston sorrir. Ele era enfim um notório caubói. Uma lenda viva do oeste. Mesmo preso ali, estava orgulhoso do que tinha criado.
O xerife o olhou nos olhos, tentando enxergar a verdade por trás das histórias. — Bem, Winston, parece que você é uma lenda viva. Mas ainda não sei se isso é bom ou ruim. Vou precisar de mais tempo para decidir o que fazer com você.
E assim, a espera continuou, com a vida dele pendurada na balança da justiça do Velho Oeste, enquanto o xerife tentava separar a realidade da ficção. Até que algo movimentou a cidade. Um bando de foras-da-lei praticou um assalto à casa bancária e deixou um rastro de mortes pelo caminho.
O xerife Lawyer e seus assistentes estavam atarefados com os protocolos e com as buscas que estavam sendo feitas, quando uma jovem chinesa apareceu procurando o xerife. Ela procurava por uma tal de Hannah, que seria filha dele. A jovem, que o xerife chamou de Mary, disse que Hannah tinha golpeado-a por trás e a deixado presa em sua casa desde o dia do assalto. Lawyer disse que sentia muito pela morte do pai de Mary e que soube que a filha dele tinha pegado um trem de passageiros rumo a San Francisco, exatamente no dia do assalto.
A jovem chinesa tinha uma beleza indescritível. Era exótica e ao mesmo tempo simples, de um jeito que Winston não sabia explicar. Ela não usava vestido como as mulheres comuns. Usava calças, colete e botas de couro, além de carregar pistolas em sua cintura e um cinto com munições. Tinha o olhar feroz de guerreira e parecia estar com um ódio incontrolável.
Ele entendeu o ódio que Mary carregava, quando ela disse ao Xerife que acreditava que a filha dele tinha ido atrás da fora-da-lei Winona “Bloodmaid” Blackriver, líder do bando que assaltou a casa bancária e que matou o pai dela. Hannah a golpeou e a prendeu para que ela não partisse em uma busca cega por vingança, mas que agora iria partir também, iria encontrar Bloodmaid, e iria vingar o pai.
O Xerife Lawyer disse que não poderia deixar que Mary partisse sozinha atrás do bando de Blackriver, que era um dos bandos mais letais do velho oeste, mas que também temia pela filha, que tinha ido sozinha para proteger a amiga. Então ele disse uma coisa que pegou Speedy Shot de surpresa.
— Eu sei o quanto você e Hannah são habilidosas, Mary, mas também sei que o bando de Blackriver tem as melhores e mais letais pistoleiras do oeste. Vocês vão precisar de ajuda e, se eu não tivesse as minhas responsabilidades por aqui, eu mesmo iria com vocês.
— Um caubói qualquer só iria nos atrapalhar — ela falou, sabendo o que ele estava sugerindo.
— Eu não estou me referindo a um caubói qualquer, querida — ele disse calmamente e, virando-se para o prisioneiro, acrescentou: — estou falando do lendário herói Winston “Speedy Shot” White!
Winston ficou boquiaberto, sem saber se o xerife estava falando sério ou apenas tentando provocá-lo. Mary olhou para ele, o desprezo evidente em seus olhos.
— Este é o famoso Speedy Shot? — perguntou, a descrença permeando cada palavra. — Um prisioneiro?
Lawyer sorriu, um sorriso que parecia mais calculado do que amigável.
— Speedy Shot é mais do que aparenta, Mary. Ele é um homem com habilidades únicas e uma reputação que fala por si só. E apesar de estar preso, suas habilidades podem ser exatamente o que vocês precisam para enfrentar Bloodmaid.
— E por que ele ajudaria? — ela retrucou, cruzando os braços. — Ele não parece ser do tipo altruísta.
O xerife virou-se novamente para ele, seus olhos analisando cada reação sua.
— Winston, eu sei que você se importa mais com a sua lenda do que com a verdade ou com a justiça. Mas ajudar Mary e salvar minha filha seria um feito que engrandeceria ainda mais essa lenda. Além disso, eu te garanto liberdade e um cavalo novo, se conseguir trazer Hannah de volta em segurança.
Speedy Shot olhou para Mary, que agora o estudava com mais curiosidade do que desprezo. Seus olhos, antes ferozes, mostravam uma ponta de esperança misturada com desconfiança. Ele suspirou, percebendo que essa era sua chance de transformar a lenda em algo real, algo que valesse a pena ser lembrado.
— Se você confia em mim, xerife, eu aceito a missão — respondeu, tentando mostrar uma confiança que ainda não sentia completamente. — Vou ajudar Mary a encontrar sua vingança e trazer Hannah de volta, mas não preciso de um cavalo novo. Ferraduras novas para Silver Bullet serão suficientes. Ele é mais do que um cavalo para mim, é um companheiro.
Lawyer assentiu, satisfeito com a resposta.
— Vou providenciar tudo que precisam. Mary, leve-o até a ferraria e preparem-se para partir. Não temos tempo a perder!
Mary ainda parecia cética, mas não protestou. Abriu a cela e fez um gesto para segui-la. Ao sair da delegacia, o caubói sentiu os olhares curiosos e desconfiados dos habitantes de Dusty Springs sobre si.
Enquanto caminhava em direção à ferraria, Mary virou-se para ele e, com uma voz baixa e determinada, disse: — Não pense que confio em você, Speedy Shot. Estou fazendo isso pela Hannah e pelo meu pai. Se tentar algo, eu mesma te derrubo antes que tenha chance de se explicar.
— Justo — respondeu, reconhecendo o fervor em seus olhos. — Não espero que confie em mim agora, mas vou provar que sou digno da sua confiança.
Chegaram à ferraria, onde um ferreiro corpulento e barbudo trabalhava. Após as ordens da jovem, ele começou a preparar os cavalos e equipamentos. Mary inspecionou cada detalhe, assegurando-se de que tudo estava em ordem. Enquanto esperavam, ela o observou novamente, desta vez com uma curiosidade sincera.
— Por que você aceitou? — perguntou finalmente. — Por que se arriscar assim por desconhecidos?
Ele sorriu de lado, pegando uma pistola que o ferreiro acabara de polir.
— Porque além de lendário, Speedy Shot é um herói, Mary. — disse, entrando no personagem, se controlando para que a tremedeira em sua alma não tomasse também o seu corpo, mostrando o quanto estava apavorado por ter que enfrentar uma aventura real — Mesmo após tantos feitos, às vezes eu começo a duvidar se não sou apenas um personagem desses que lemos em livros. Já encarei muitos desafios apenas para mostrar que era o melhor, e talvez seja hora de eu provar que Speedy Shot pode também ter propósitos maiores e mais nobres.
Mary não respondeu, mas seus olhos suavizaram um pouco. Talvez, apenas talvez, ela começasse a ver algo nele além da fama fabricada. E assim, com as primeiras luzes da manhã, partiram juntos em uma jornada que não apenas definiria suas vidas, mas também escreveria um novo capítulo na lenda do Velho Oeste.
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