Três

MARIA

Depois que o avião pousou, peguei minha bagagem e andei a passos curtos até a saída do aeroporto da minha cidadezinha tão amada. Meus pais poderiam me buscar, mas preferi não contar exatamente a hora em que chegaria. Na verdade, resolvi fazer uma surpresa para os dois.

Tomei um táxi e dei o endereço da minha antiga escola, meus pais ainda moram na casinha branca com o gramado muito verde e bem cuidado que me traz tantas lembranças e faz meu coração apertar de saudade dos meus amigos tão queridos.

O taxista precisou chamar minha atenção para dizer que chegamos, eu o paguei pela corrida e desci do carro. Estou apenas com uma mala e minha mochila, então não tive dificuldade alguma em transportar minha própria bagagem. Agora cá estou eu, com um misto de euforia e saudade por estar de voltar ao lar.

Abro o portão com minha chave e sigo pelo beco rumo a minha casa.

Não sei porquê estou suando tanto ou porquê meu coração está tão acelerado desse jeito, realmente não faço ideia de tudo isso que estou sentindo só por voltar para casa. Eu queria tanto voltar, estava com tanta saudade, então, por que estou sentindo tanto medo agora que estou aqui? Por que tenho a impressão de que alguma coisa está errada?

Deus, por favor, tome à frente de mim. Seja o que for apenas esteja comigo, sei que nada pode contra mim se o Senhor estiver comigo.

Entro em casa e logo estranho o silêncio. Geralmente a essa hora de um domingo meus pais estão andando de um lado para o outro para o famoso almoço em família. Mesmo que fosse só para os dois dede que estive fora.

— Mãe? Pai? — chamo pelos dois entrando nos cômodos. — Mãe? Pai? Estou em casa.

— Maria? — Minha mãe aparece com uma feição surpresa, que logo é substituída por um sorriso estampando todo seu rosto. — Maria, meu amor! Que alegria ter você aqui!

Minha mãe corre para me abraçar. Aquele abraço apertado e caloroso do qual tanto senti falta. Assim como do seu cheiro inconfundível de lavanda e algodão.

Ah, como senti saudade disso. Saudade de casa. Do meu lar!

— Por que você não falou que vinha, querida? — Minha mãe me pergunta com lágrimas nos olhos.

— Eu quis fazer uma surpresa, mamãe. Onde está o papai? — pergunto, louca para matar a saudade que estou sentindo dele, mas o semblante da minha mãe me faz ter certeza de que algo está errado. Então, sei que não estava com uma impressão errada. — Mãe, cadê o papai? O que está acontecendo?

Meu coração começa a bater mais forte, de modo descompassado.

O que poderia ter acontecido com meu pai? Onde ele está? Por que minha mãe não me diz nada?

Olho por cima da minha mãe e passo por ela ao seguir caminho para o quarto.

— Meu amor, espere, por favor! — Ela entra na minha frente. — Seu pai está deitado. Está descansando. Não há nada de errado com a saúde dele. Pelo menos não com a parte física.

— Como assim, mãe?

Minha mãe pega em meu braço e me leva em direção ao sofá. E, pela sua expressão, tenho a certeza de que algo grave aconteceu.

Deus, por favor, tome minhas emoções nas Suas mãos.

— Filha, nós precisamos conversar.

— Mãe, estou ficando aflita. Por favor, fale logo o que está acontecendo.

— Maria, muita coisa aconteceu nesse período em que você esteve fora e achamos melhor não te contar nada por telefone porque você disse que viria esse ano — percebo um tom acusatório em sua voz, mas prefiro ignorar e focar no que ela está prestes a me contar.

— Mas a senhora pode me contar agora, certo? — Minha mãe hesita em falar. Hesita demais. Definitivamente tem alguma coisa errada.

— Filha, já faz um tempo que seu pai foi demitido do trabalho — começa a dizer e fico completamente perplexa com a notícia.

— Como assim, mãe? Quando foi isso?

— Já faz uns meses, minha filha. A escola mudou de dono e o novo proprietário achou que era preciso contratar alguém mais jovem. Ele nos deu um tempo para arranjamos uma nova casa porque teremos que entregar esta — diz com pesar.

— Entregar esta casa? Meu Deus! E vocês já sabem para onde vão? — Minha mãe não precisa me responder para que eu saiba a resposta. É óbvio que eles não fazem ideia do que fazer. — Mãe, por que não falaram comigo? Eu poderia ajudar de alguma forma ou pelo menos tentar, pelo amor de Deus!

— Seu pai e eu achamos melhor contar pessoalmente para você. Caso expirasse nosso tempo e você não aparecesse, então contaríamos, mas agora você está aqui.

Sei muito bem que meus pais não ficaram nada felizes quando ganhei minha bolsa numa universidade em outra cidade. Por mais que eles tenham me dado suas bênçãos para que eu fosse, sei que se eles pudessem escolher, escolheriam que eu nunca saísse de casa. Mas não podia ficar para sempre, precisava voar com minhas próprias asas, não é mesmo? Afinal, como aprenderia a voar se não começasse a tentar?

— E o papai? — pergunto com uma curiosidade genuína, mesmo que também fosse mais para que mudemos de assunto.

— Ele está no quarto, não anda muito bem desde o ocorrido. Na verdade, ele quase não sai do quarto...

Minha mãe fixa seu olhar em mim, como se esperasse que eu compreendesse que o que ela estava falando ia muito além do que ela realmente tenha dito. E compreendi.

— Ele já se consultou sobre isso? — pergunto sem precisar dizer a palavra que paira no ar.

— Você o conhece, ele não iria de jeito nenhum. Mesmo que precise de verdade.

— Mãe, nós temos que levá-lo ao médico.

— Boa sorte para tentar convencê-lo.

Minha mãe se levanta e seu semblante me mostra o quanto ela está cansada. O quanto está cansada de tudo.

Meu pai é teimoso demais quando quer. Ainda mais quando se trata da própria saúde. Ele sempre diz que não precisa de médico porque sua saúde é de ferro. E realmente acho difícil me lembrar de quantas vezes ele adoeceu até mesmo com um simples resfriado. No entanto, há uma história com um primo dele que foi sempre como um irmão.

Há alguns anos, o primo Leandro sofreu uma perda trágica quando seus pais morreram ao mesmo tempo em um acidente enquanto viajavam. Meu pai ficou muito triste pela morte dos tios, que eram bem próximos a ele, principalmente por Leandro.

Eu devia ter cerca de 4 anos quando fomos ao interior para o funeral. Minha mãe não me deixou entrar no cemitério, então ela ficou no hotel comigo enquanto meu pai foi se despedir dos tios e apoiar seu primo-irmão. Quando ele voltou ouvi enquanto ele contava para mamãe que ele estava supermal, muito mal mesmo. Foi a primeira vez que ouvi a palavra depressão e só fui entender o que significava anos depois quando o tio Leandro foi encontrado morto em sua cama após o relato de pessoas que afirmaram que ele não saía de casa há semanas. Seu corpo foi encontrado totalmente desidratado e, ao que parece, ele também não cuidava da própria higiene há muito tempo. Depois que papai voltou do enterro, nunca mais foi o mesmo em relação a isso. Nunca pude sequer pensar na possibilidade de pular uma refeição ou recusar uma água. E ele prometeu para mim e para a mamãe que nunca deixaria de trabalhar e, desde então, nunca o vi parado por muito tempo, e esse trabalho tinha se tornado sua vida. E agora tiraram isso dele.

O pior de tudo é que posso ver claramente nos olhos da minha mãe o medo que ela tem de que ele fique como o primo Leandro. Ela não sabe dizer com palavras, mas consigo enxergar plenamente seu grito por socorro.

Mas, o que faço para socorrê-la agora?

EDUARDO

— Edu, querido. Você quer ajuda para arrumar as malas? — Minha mãe pergunta do corredor.

— Mãe, pelo amor de Deus!

Desde que minha mãe soube sobre a proposta que recebi do professor Maurício, ela não fala de outra coisa. E a cada hora do dia me pergunta se já arrumei as malas e a resposta é a sempre a mesma, afinal, como vou arrumar qualquer coisa se ainda nem me decidi? Antes das malas preciso me decidir urgentemente e, caso decida ir, preciso comprar a passagem.

— Filho — minha mãe aparece na porta do meu quarto —, por favor, não seja teimoso quanto a isso. Seu professor disse que queria que você fosse com ele na semana que vem para conhecer o campus.

— Mãe, ainda não decidi se quero mesmo ir, só me deixa pensar, tudo bem? — Ela não ficou nada satisfeita com minha resposta, mas desiste de falar qualquer coisa que seja e sai.

A grande verdade é que quero ir, quero muito, mas não quero deixar os dois aqui e ir para outra cidade de uma hora para outra. Mesmo que seja para realizar um grande sonho meu, ainda posso continuar sonhando e tenho tempo para realizar cada loucura da minha cabeça, mas mamãe e Felipe precisam de mim agora. Precisam de alguém que cuide deles, já que o homem que fazia isso resolveu que não quer mais fazer de modo nenhum.

Minhas férias já começaram oficialmente. Minha formatura no curso técnico foi simples e rápida. Agora tenho, mais ou menos, dois meses para resolver o que fazer da minha vida. Na verdade, tenho esse tempo para convencer minha mãe que já decidi o que é melhor para mim e convencer a mim mesmo de que isso é realmente o melhor para mim.

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