3. First contact




Meu celular despertou na manhã seguinte, e eu quis lançá-lo contra a parede. Eu já tinha desconfiado que seria assim.

A primeira coisa que notei, mesmo ainda estando com os olhos fechados, foi o perfume que havia ali. Não era cheiro de limpeza, ou sequer era o meu perfume. Era algo diferente. Forte. Suave. Bom. Algo como âmbar.

Talvez Teddy tivesse deixado alguma roupa dele por ali. Mas, definitivamente, meu tio não cheirava tão bem assim. Normalmente seu perfume era uma mistura de uísque com tabaco e couro. Aquilo era outra coisa. Desisti de tentar descobri e fui me arrumar para o serviço.

Eu gostava do fato de morar sozinha. E esperava realmente aproveitar essa oportunidade. Mas Privy Harbor não me parecia uma cidade agitada, então teria de ir a Londres e sair com Sandy. Mas só o fato de não precisar dar razões para sair, já me deixava feliz.

Vesti meu casaco, peguei minha mochila e saí... para a neve. Eu mal pude acreditar. Eu poderia ouvir anjos cantando naquele exato momento. Há anos eu não via neve, e eu sentia saudade da sensação de ter os pés congelando. Eu sei, estranho. Mas ver neve era como finalmente estar em casa. Era maravilhoso!

Suspirei, como se estivesse apaixonada, e segui sorridente meu caminho para a loja. Apesar dos olhares sempre tão estranhos dos moradores em minha direção, não havia nada que pudesse mudar meu humor.

A manhã foi um pouco mais produtiva para mim. Consegui atender dois clientes sem que Jamie tivesse de ficar ajudando. Recebi um elogio dele. Meu almoço também foi o mesmo, e a tarde fiquei mais à vontade com Lucas. Não estava tão tenso como o primeiro dia.

— Quais são as probabilidades de alguém ser sequestrado em Privy Harbor? — perguntei a Lucas. Ele me olhou, com os olhos arregalados. Eu ri um pouco. — Só estou tentando ser prevenida. — encolhi os ombros.

— Não há motivos para alguém querer se arriscar a esse ponto. A cidade é pequena, a estrada para cá é ruim, e a única saída seria a floresta ou o mar. Ou ir para Saint Davis. — ele riu — Não há nem roubos aqui.

— Hmm. — ainda não estava convencida. — Mas e se, não sei, a pessoa tiver alguns problemas de personalidade? Digamos que ela não se importe, apenas queira vingança. — essa palavra fez eu me lembrar do meu pesadelo em minha primeira noite na casa. Um arrepio passou pela minha espinha.

— Os únicos crimes aqui são cometidos quando os alunos voltam para casa, e resolvem fazer alguma festa e acabam passando dos limites. — explicou Lucas, não acreditando que eu estava perguntando realmente aquilo — Você deveria ser a pessoa mais segura aqui, já que mora em Lurkville.

— É, eu ouvi falar sobre ele ser o bairro mais seguro. — Lucas assentiu — Mas eu não entendo o que o torna tão seguro.

— Você não os vê, mas eles estão sempre de olho em você. — o olhei assustada, sentindo um frio na espinha. Lucas riu. — Os guardas. Eles estão sempre lá, vigiando, mesmo que você não os consiga ver. — suspirei um "hm" — Você mora no bairro mais seguro, em uma cidade com menos de 2.000 habitantes, e está com medo? — zombou.

— Como eu disse, só estou sendo prevenida. — disfarcei, ele revirou os olhos. Ou talvez eu estivesse ficando paranoica como Ophelia.

— Quantos anos você tem?

— Dezessete. — respondi. Lucas largou o instrumento que estava limpando e me olhou estupefato

— Está brincando? — balancei a cabeça negativamente, surpresa com a atitude. — Você tem apenas 17 anos e já largou os estudos e mora sozinha?

— Eu não larguei os estudos! Eu terminei. Me formei há duas semanas.

— Mas você só tem 17 anos!

— É, eu sei. Minha avó sempre preferiu que estudássemos em casa, e sempre foi assim. Até há um ano atrás quando fomos para o Brasil, e eu precisei me inscrever em um, digamos, intensivo do ensino médio. Fiz algumas provas e me formei. — dei de ombro, Lucas me olhava, indignado.

— Eu não acredito. Eu vou fazer 19 anos e ainda estou na escola. — eu ri.

— Algumas pessoas tem sorte. — revirei os olhos encolhendo os ombros. A minha sorte, no caso, estava entre a vida e a morte.

Ele ficou resmungando mais um pouco sobre o mundo ser injusto enquanto eu lhe consolava entre risos. Na hora de irmos embora, Lucas me acompanhou com sua bicicleta até a esquina.

— Você ainda está com medo?

— Como? — perguntei perdida

— Você falou a tarde toda sobre sequestros, questionou a segurança da cidade. Deve estar com medo de alguma coisa. Eu posso te deixar em casa, se quiser. — ofereceu-se, generoso

— Ah, não. Eu... — olhei em volta para ter certeza de que não havia ninguém me observando por entre as árvores — Acho que é apenas esse lance novo de morar sozinha. Muitas coisas entram na sua cabeça. — ele riu

— Então não quer que eu a leve? — assegurou-se ele

— Não, Lucas, pode ir para casa descansar. Afinal, você tem aula amanhã de manhã. — disse sarcástica. Ele fez cara de bravo

— Ah, ok. Obrigado por lembrar. — respondeu com ironia

— Até amanhã, Luke. — disse eu, já atravessando a rua. Ele apenas me deu um aceno.

Fui para casa um pouco mais tranquila e ainda feliz por causa da neve. Quando cheguei à minha rua, vi alguém encostado de costas no meu portão. Não consegui reconhecer de longe, mas era um homem alto. Seria o homem da TV a cabo? Ou da internet?

Dei mais alguns passos, curiosa para saber quem era. Foi então que o reconheci. Meu corpo gelou e o ar se apartou dos meus pulmões. Quão seguro era aquele maldito bairro? Bom, não o suficiente, pois provavelmente ele estaria me esperando para fazer algo ruim contra mim, ou sei lá. Por quais outros motivos alguém persegue você?

Diminui meus passos, decidindo se iria enfrentá-lo ou se saía correndo. Ele ainda não tinha me visto. Seu cabelo, agora num tom mais escuro do que no dia anterior, balançava com o vento o deixando ainda mais bagunçado. Suas mãos nos bolsos da calça jeans escura. Ele não parecia estar com frio, e não estava tão agasalhado. Ou talvez jaquetas de couro realmente esquentassem mais do que blusões de lã. Eu me perdi enquanto o olhava, e, sem perceber, ainda caminhava em sua direção.

Notei um movimento estranho da parte dele. Seu peito inflou, como se estivesse voltando a respirar depois de prender a respiração por um longo tempo. Ele ergueu a cabeça, parecendo maravilhado com algo, e então olhou em minha direção. Meu coração acelerou freneticamente. Tive a impressão de que ele tentava segurar o sorriso. Que era divinamente lindo. Assim como todo o resto.

Agora já era tarde demais para fugir, ele já tinha me visto. E eu também nem sabia mais se não queria me aproximar dele. Uma confusão começou a se criar dentro de mim. Uma parte queria correr para mais longe possível, gritando que ele era perigo. Mas a outra, queria se aproximar, saber quem ele era, olhá-lo de perto. Eu cedi para a segunda parte.

O garoto se afastou do portão, e ficou me esperando na beira da calçada. Me aproximei, desajeitada, sem saber o que fazer, sem saber se olhava direto para ele, ou se fingia que não o tinha visto. Mas que idiota! É lógico que eu o tinha visto. Seria patético eu fingir isso.

Nós dois parecemos tomar fôlego ao mesmo tempo. Seus olhos eram de um azul intenso com um toque cinza. Ele tinha traços fortes, como um cavalheiro da rainha, mas ao mesmo tempo parecia só um menino doce. Ele foi o primeiro a falar.

— Olá! — disse ele com um sorriso que me fez sorrir junto — Me desculpe assustá-la. — falou sem jeito, em seu sotaque europeu intocável — Eu sou Benedict Manfrey. Ou apenas Ben, se preferir.

— O garoto do acidente. — ele sorriu. Eu não sabia se dizia meu nome, ou simplesmente esperava ele continuar falando o que veio fazer ali.

— Você é Nathalie Prescott, certo? — ergui minhas sobrancelhas, surpresa. Talvez ele fosse realmente perigoso.

— Sim. — assenti temerosa. Ben sorriu novamente.

— Me desculpe por... ontem. Sei que a assustei. — Ver você escondido entre as árvores me observando é que me assustou, pensei.

— Ahn, não, imagina. Você estava em choque por conta do acidente. — dei uma desculpa idiota. — Por falar nisso, como está o seu carro? — Ben fez uma careta

— Vai sobreviver. Ele tem um bom médico. — brincou, sorrindo encantadoramente.

— Diferente de você, que nem precisou de um. — investiguei. Ele assentiu, com um olhar cauteloso.

— Eu sou um cara de sorte, eu acho. — encolheu os ombros.

— Sorte? — ergui minhas sobrancelhas — Eu diria que aquilo foi um milagre. — contestei

— Não existe essa coisa de milagre. — seus olhos eram vazios quando falou isso

— O cara que sobreviveu a um acidente, não acredita em milagres? — zombei. Ele riu sem humor.

— Isso não existe. — Ben me olhou. Então suas sobrancelhas se uniram por alguns segundos, enquanto ele pensava em alguma coisa olhando para mim. — Talvez. — ergui minhas sobrancelhas sem entender — Ainda tenho de descobrir.

— Descobrir o que?

— Se o que aconteceu foi um milagre. Ou apenas... alguém que lembrou que eu existo.

— Você diz... Deus? — perguntei cautelosa, ainda sem entender sobre o que ele estava falando.

— Provavelmente. — respondeu apenas. Assenti, ainda sem entender. Um vento forte veio de repente e me fez encolher. Ele suspirou — Eu vou deixar você entrar. Não foi uma boa escolha de dia para conversar. — Ben riu, e o acompanhei sem jeito — Eu... — me olhou cauteloso, enquanto eu o olhava curiosa. Ben deu um sorriso tímido e abaixou o olhar. Aproveitei para dar um suspiro enquanto o admirava — Sei que ainda é cedo para isso, mas... — ergueu os olhos para mim, me olhando sob os cílios longos — poderia levar você para, não sei, comer alguma coisa depois do seu expediente?

Ergui minhas sobrancelhas, completamente surpreendida com aquilo. Eu nem sabia como reagir, era a primeira vez que um garoto que não era meu amigo me convidava para sair. Ben ficou apreensivo enquanto esperava minha resposta.

— Ahn, eu... — não diga "não sei"! — Okay. — ele sorriu. Quão louca eu era? — Quando?

— Amanhã? — ergui minhas sobrancelhas novamente, o deixando sem jeito — Ou outro dia, talvez.

— Não, tudo bem. Amanhã está bom. — respondi perdida.

— Okay. — respondeu depois de um suspiro de alivio. Ele não parecia o tipo de cara que ficava apreensivo esperando a resposta de uma garota. Talvez aquilo tudo fosse apenas charme. De qualquer forma, eu gostei. — Vou estar te esperando do lado de fora da loja do Callum, quando você sair.

— Okay. — puxei o ar. Ficamos os dois nos olhando sem jeito. Eu realmente estava morrendo de frio, mas não queria deixá-lo tão cedo. Porém fiquei com medo de não ter nada interessante para dizer e parecer uma idiota, então... — Nos vemos amanhã, então.

— Sim. Amanhã. — Ben sorriu, um tanto enigmático. — Foi um prazer conversar com você, Nathalie. — meu simples nome sendo dito com aquele sotaque, me fez olhá-lo como uma boba. Ele deu um sorriso de canto.

— Foi um prazer para mim também. Boa noite, Ben. — disse rapidamente, sentindo minhas bochechas queimarem. Ben sorriu, deixando todos os dentes amostra.

— Boa noite.

Dei-lhe um aceno tímido, seguido de um sorriso também tímido, e entrei, abrindo o portão que fez um barulho constrangedor. Fiquei tensa enquanto caminhava para a porta, pois sabia que ele ainda estava lá, me olhando. A pressão dos olhos dele nas minhas costas me fez tropeçar no degrau de entrada. Fiquei vermelha de vergonha e raiva. Ao fechar a porta, dei mais um sorriso sem graça para Ben que ainda estava lá no portão, me observando com um sorriso sedutor. Fechei a porta antes que ficasse mais vermelha.

Deixei meu corpo descansar ali, contra a madeira. Eu tentava entender os últimos acontecimentos. Mas nada fazia sentido.

Ben Manfrey.

O nome dele ficou ressoando em minha mente, juntamente com o seu perfeito sotaque. Não era de hoje que eu achava os europeus os homens mais charmosos do mundo, e Ben parecia ser minha tentação pessoal. Alto, cabelos escuros e bagunçados, olhos azuis com aquele toque cinzento, simpático, sedutor, lindo. Irresistível.

Forcei-me a voltar a mim, chacoalhando a cabeça, tentando me livrar daquela pasmaceira. Tomei ar e subi para tomar um banho quente.

Minhas pernas estavam com uma moleza estranha, eu parecia sonolenta. Aproveitei-me disso para tomar um banho de banheira novamente. Preparei tudo, e belisquei alguma coisa na geladeira enquanto a banheira enchia. Me aconcheguei dentro da água quente, fechei meus olhos e a primeira coisa que vi foi dois olhos azuis me olhando acima de um sorriso tímido de canto de boca. Suspirei, sem abrir os olhos. Eu podia estar entrando numa fria. Ainda não sabia que tipo de pessoa Ben era, e ele poderia ser algum tipo de pessoa perturbada, ter algum distúrbio, ou sei lá.

Mas que se dane, pensei eu, ele é lindo demais para se por a prova.

Quando percebi que meus dedos já estavam enrugados, saí da banheira e coloquei uma roupa quente. Não tive vontade de ver televisão, e peguei no sono assim que deitei na cama.

Abri meus olhos para um corredor desconhecido. Caminhava em direção a uma porta entreaberta. Quando a abri, vi a mesma cena. Ophelia sentada em sua cama, com sua camisola e a foto de vovô Prescott. Num piscar de olhos, ela já estava deitada, imóvel. Corri até ela, desesperada, tentado acordá-la. A transformação recomeçou. Os cabelos e olhos negros, a pele clara, a roupa branca. A mulher, que pela segunda vez tomava o lugar de minha avó, me olhava alarmada, sussurrando coisas que eu não entendia. Ela fez um gesto para eu me aproximar, e eu o fiz.

"Tome cuidado." E então a forte dor em meu pescoço apareceu, e ela me lançou contra a parede.

Eu ainda a olhava na cama, quando a cena mudou. Ouvi choro de crianças, ao longe no corredor, atrás da porta. Eu estava encolhida em um canto do quarto, quando vi a sombra de um homem parada ao lado do corpo ensanguentado da mulher. Ele tinha um tipo de adaga nas mãos, suja com o sangue da "nova Ophelia". Quando percebi que ela estava morta, fiquei desesperada.

"Quem é você?" perguntei ao homem ainda não identificado. Com uma de minhas mãos eu pressionava o buraco em meu pescoço. Como um vulto ele surgiu bem diante de mim, a centímetros do meu rosto, mas mesmo assim, seu rosto era só escuridão. Eu só ouvia sua voz vinda daquela sombra.

"Eu já exterminei você uma vez. E vou fazer de novo."

Então, ele sumiu.

Naquele momento eu acordei, procurando por ar. A escuridão do quarto me apavorou. Não havia nem a luz da lua. Nada. Fiquei imóvel, ofegante, com as costas no colchão. Não dormi até o dia clarear.

— Você está um lixo! Sem ofensas. — Jamie ergueu as mãos em defesa. Eu ri sem vontade alguma.

— Eu não tive uma noite muito boa. — confessei

— Pesadelos? — assenti com uma careta — Uh, adoro pesadelos! — o encarei desconfiada — Digo, eu adoro ouvir sobre pesadelos. — explicou-se.

— Esse é realmente muito confuso. — disse lembrando-me — Nem eu sei contá-lo, eu acho.

— Ah, vamos lá garota americana, não seja egoísta. — brincou. Eu ri.

— É estranho. — comecei — Não é a primeira vez que eu o tenho. Não a primeira parte dele, pelo menos. — Jamie esperou — É basicamente a minha última lembrança de minha avó. Ela está lá, deitada, morta na cama. Eu corro até ela para socorrê-la, e então ela se transforma em outra pessoa. Cabelos longos e pretos, olhos escuros também, a pele muito clara, e uma roupa branca. E... ela me morde no pescoço. — fiquei envergonhada ao contar essa parte. Com certeza Jamie me acharia uma criança por sonhar com supostos vampiros. Ele continuou me olhando, esperando pelo resto da história — Ahn, e então, essa mulher, ela me joga contra a parede e fica lá, na cama, rindo de mim, toda suja de sangue. — Jamie fez uma careta pensativa. — E essa noite, — prossegui — havia um homem lá. — Jamie voltou os olhos para mim novamente — Depois que ela fez tudo isso comigo novamente, eu o vi. Ele segurava um tipo de adaga nas mãos. Ele tinha matado ela. No sonho eu perguntei quem ele era, e ele se aproximou de mim dizendo que já havia me eliminado uma vez, e que faria aquilo de novo. — os olhos de Jamie estavam vidrados em mim — E então, eu acordei e não consegui mais dormir.

Houve um silêncio na loja. O cd tinha acabado, e Jamie estava calado, com os cotovelos no balcão, apoiando a cabeça nas mãos. Meus dedos tamborilando em minhas pernas que chacoalhavam de ansiedade.

— Talvez sua mãe fosse uma vampira, e esse cara que apareceu, tenha matado ela.

Demorei alguns segundos para aceitar aquelas palavras.

— Mas é com a minha avó que eu sonho. E... vampiros não existem. — me senti estranhamente idiota falando aquilo.

— Não, eu não estou falando da sua avó. Estou falando em quem ela se transformou. — Jamie virou-se para mim — Está na cara que ela é sua mãe. Cabelos pretos como os seus, olhos escuros. E eu penso que sua pele não está tão clara agora porque você estava no Brasil, mas ela deve ser assim normalmente, não é? — a tensão em meu corpo foi tão forte que eu nem conseguia desviar meus olhos de Jamie. Eu mal sabia se estava respirando. — E quem garante que não existem vampiros? — continuou Jamie, não percebendo o meu estado. — Você deve estar tendo alguma lembrança reprimida de sua infância. Teddy me disse que você era muito nova quando seus pais foram assassinados, certo? Nathalie? — insistiu quando eu não respondi.

— Sim. — disse em um fio de voz. Jamie estava meio distante e ofuscado, e os instrumentos pareciam se mover atrás dele. Decidi me focar no pequeno panfleto que havia em cima do balcão. Minha boca estava seca e o ar demorava a entrar em meus pulmões.

Aquilo era possível? Eu poderia estar sonhando com minha mãe? Com o seu assassino? Mas e quanto a mordida? O que explicava a mordida?

Alguém entrou na loja e Jamie foi atender. Eu precisava de ar. De água. De alguma coisa. Corri até o banheiro que ficava dentro da sala de Jamie, e me segurei na pia. Abri a torneira e molhei meus pulsos, passando água em meu pescoço e depois em meu rosto. Enquanto a água corria eu tentava não cair e nem vomitar. Quando foquei meu rosto no pequeno espelho, eu estava pálida, olhos cansados de uma noite mal dormida. Eu não podia me deixar abater assim. Foi apenas um sonho.

— Não seja tão fraca, idiota. — xinguei a mim mesma, baixinho. Desliguei a torneira e tomei um copo d'água na sala do Jamie. Eu não podia ser fraca. Não podia fazer qualquer besteira que me fizesse perder o emprego. Respirei fundo e voltei para a loja.

Quando fui para casa na hora do almoço, aproveitei para dormir. Acordei em cima da hora, engoli um sanduiche, passei maquiagem para esconder as olheiras e saí para a neve. Estava quase no fim da tarde quando me lembrei de que Ben ficara de me buscar para "comermos alguma coisa". Meu coração palpitou. Logo hoje que eu estava parecendo um zumbi?

Lucas estava quieto. Não quis me intrometer em sua vida, então não perguntei os motivos. Ao final do expediente, saí da loja ansiosa, mal respirando. E então... não havia ninguém lá.

Olhei para os lados para ver se o avistava. Nada. Meu orgulho me fez agradecer por ele não ter aparecido, afinal, como Jamie disse, eu estava um lixo. Mas não tinha gostado nenhum pouco daquilo. Eu odiava que me fizessem de palhaça. Despedi-me de Lucas, que demorou uns segundos para responder o meu aceno. Alguma coisa devia realmente estar acontecendo com ele.

Fui rápido para casa, pois estava morrendo de frio. Havia um pingo de esperança de que Ben estivesse me esperando no portão, como no dia anterior. Mas também não havia nada lá. Eu estava abrindo a porta, quando senti meu celular vibrar no meu bolso.

Ei! — Sandy falou do outro lado.

— Oi, Sandy. — tentei parecer animada — Como você está? — fechei a porta atrás de mim

Estou bem. Como vão as coisas aí?

— Estão bem. Estou tentando me acostumar com o frio novamente. — ela riu

Liguei para saber se você quer vir a Londres nesse final de semana. Sabe, para não ficar sozinha aí.

— Oh, ahn, eu vou pensar, Sandy. Eu te ligo mais tarde. Acabei de chegar da loja, quando eu estiver com a cabeça no lugar eu respondo. — inventei a primeira coisa que veio em minha mente.

Ah, okay. Me ligue depois então.

— Okay. Beijo. — e desliguei, o jogando em cima da cama.

Fiquei em pé, por razões que desconheço. Não sabia por que tinha mentido para Sandy. Eu apenas... estava confusa. Minha mente estava vaga, parecendo oca. Eu precisava de alguma coisa que preenchesse o meu dia, algo diferente. Algo que saísse da rotina. Mas o que diabos se poderia fazer em uma cidade tão pequena? E pior: o que se poderia fazer em uma cidade onde você conhece apenas uma pessoa, e você nem sequer tem o telefone dela?

Me joguei na cama, exausta. Minha cabeça latejava e todos os meus músculos eram tensos. Desejei ficar ali para sempre, mas meu estomago roncou, então fui obrigada a descer e preparar alguma coisa. Sentei-me na poltrona grande em frente à TV, e lá eu adormeci.

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