VINTE E OITO
Um vento forte me atinge, balançando fervorosamente a cauda de meu vestido lilás. O dia está nublado novamente e isto me trás recordações que no momento eu prefiro esquecer. Olho para os lados para me certificar de que não há ninguem me vendo, fecho a porta atrás de mim e corro, tentando me distanciar o mais rápido possível do palácio.
Eu ouvi aquele barulho. Todos ouvimos...
Avisto uma árvore alta e larga; e a uso de esconderijo para despistar os guardas que ainda correm dispersos pelo local.
Foi algo muito alto. E as sirenes dispararam, alertando a periculosidade da situação. Foi... assustador.
Obviamente, fui instruída a ficar dentro do palácio; mas eu já não aguentava mais, permanecer ali, sem saber de nada.
Matthew, onde você estará agora?
Aperto minhas mãos, tentando controlar o nervosismo e faço o possível para permanecer imóvel. Fito ao longe o novo portão principal e percebo que é muito mais reforçado do que o antigo. De fato, a rapidez com que este foi colocado é surpreendente, nem parece que houve aquele trágico episódio a poucos dias atrás. Observo por entre os galhos, os guardas fortemente armados, entrando e saindo a todo instante.
Espero que não me encontrem aqui, pois não quero voltar para o palácio.
Eu não posso voltar para lá; com esse peso, com essa dúvida.
Cansada, escoro meu braço no tronco da árvore e apoio minha cabeça. Minha respiração está desregulada e eu tento a todo custo controlá-la. Fecho meus olhos, para poder me acalmar, mas instantaneamente os pensamentos me invadem. E antes que eu permita, a minha mente divaga para o ocorrido que me deixou nesse estado...
- Matthew- o chamo, enquanto tento alcança-lo pelo corredor- Me espere!
De súbito, ele para e hesitante, se vira para me encarar.
- Julie, meu amor. O que faz aqui?
Seu rosto angelical, tenta demonstrar alegria; mas eu percebo a preocupação pairando em suas expressões.
- Por que mandou que Brenda me trancasse no quarto?- o questiono, sem entender.
Ele dá de ombros e passa as mãos pelo rosto, desolado.
- O que houve?- me aproximo e toco em seu ombro.
- Foi para te proteger- ele me encara fixamente por alguns segundos- E você deve voltar para lá imediatamente.
Sua voz falha ao pronunciar estas palavras. Não soou como uma ordem, mas sim como um pedido.
- Por que?
Engulo em seco; já prevendo sua resposta.
- Tudo está um caos Julie. Você não imagina a gravidade da situação- passa a mão pelos bagunçados cabelos loiros- E eu só ficarei mais calmo se tiver a certeza de que você está em segurança.
Seus olhos azuis suplicantes me fitam.
Assinto levemente com a cabeça e o observo suspirar aliviado.
- Mas antes, eu quero que você me coloque à par da situação- digo.
Eu preciso saber. Não posso simplesmente voltar para o meu quarto e fingir que está tudo bem, porque eu sei que não está!
Ele passa a mão pela nuca, indeciso e nervoso, mas já sabe que não sairei dali sem uma resposta.
- Cada vez mais rebeliões surgem- sua voz rouca, soa baixa- Quando achamos que temos tudo sobre controle, somos surpreendidos por novas notícias ruins. E sabe o que dizem? Que querem o meu pai deposto.
Ele suspira, pensativo.
- E o pior é que isso realmente pode acontecer. Eles são muito mais fortes do que imaginávamos. E a proporção das consequências destas leis, se tornaram incontroláveis.
Tomo parte na dor de Matthew. E apesar de saber que ele está me ocultando detalhes, já consigo ter uma ideia da gravidade da situação em que nos encontramos.
- Estamos lutando com tudo o que temos para mudar isso, mas eu me sinto impotente, Julie. Parece que Cancordion está escorregando pelos meus dedos.
Acaricio seu rosto, enquanto tento não esmorecer.
- E o seu pai, o que ele pensa em fazer?
- Ele revogará as leis. Felizmente uma coisa sensata.
Meu coração da um pequeno salto de esperança. Talvez isso possa ser a solução.
- Mas eu não sei se adiantará alguma coisa. Temo que seja tarde demais para isso- murmura.
Os olhos marejados de Matthew refletem toda a sua dor e frustração.
Me machuca vê-lo assim. Ele não merece passar por isso.
Ficamos alguns segundos em silêncio, apenas mantendo o contato visual. Quero que ele sinta que estou aqui para o que ele precisar. Agora e sempre.
Então; o abraço. Bem forte. Como se fosse o nosso último abraço.
Me aconchego em seus braços e me perco em seu perfume, encosto minha cabeça em seus ombros e acaricio seus cabelos.
- Você não está sozinho Matthew! Eu estou aqui!- falo, com toda a confiança que ainda me resta.
Fecho meus olhos.
Tudo seria tão mais fácil se neste exato momento pudéssemos nos transportar para outro lugar, onde pudéssemos ficar sozinhos. Onde pudéssemos ser apenas dois jovens. Julie e Matthew. Sem nada, nem ninguém para nos separar.
Infelizmente, ao abrir meus olhos me deparo com a realidade. A tão fria e triste realidade.
- Vai ficar tudo bem!- digo ao me afastar.
Minhas mãos ainda continuam apoiadas em seu pescoço. Sinto ele um pouco mais calmo. Seu rosto, tão lindo, está suave e até um pequeno sorriso brota no canto de seus lábios.
- É o que mais desejo. Que tudo fique...
Infelizmente o inimaginável acontece.
Somos interrompidos por um alto estrondo, que me faz estremecer e instintivamente, tapar meus ouvidos.
Matthew rapidamente se abaixa e me puxa. Logo após, sirenes disparam.
Barulhos aterrorizantes preenchem o corredor onde estamos.
O palácio.
O reino.
Barulhos que fazem meu coração disparar.
A única certeza que tenho é de que nunca esquecerei aquele olhar de Matthew. Um olhar carregado de confusão e medo.
E então, novamente ouvimos um estrondo semelhante ao primeiro.
Depois disso, tudo se passa tão rápido.
Eu não me lembro de como Matthew me levou até o meu quarto,
nem de como ele me convenceu a ir até lá. Só me lembro dos seus lábios encostando em minha testa e das seguintes palavras proferidas pela sua boca.
- Aconteça o que acontecer, nunca se esqueça de que eu te amo!
Eu nem sequer me lembro da dor que tive ao esfolar as minhas mãos, batendo incessantemente na porta trancada. Não me lembro de sentir minha garganta queimar; gritando para que alguém me deixasse sair. E eu nem sequer sei, como lembrei da chave reserva embaixo do colchão. Não me recordo desses detalhes, porque a única imagem que se passa em minha cabeça é a de Matthew indo embora. Ele me trancou em meu quarto para que eu não o seguisse. Mas eu estava tão atordoada, sem entender o que se passava a minha volta, que fui tola o suficiente para deixá-lo partir...
- Senhorita?
Uma voz aguda e desconhecida me puxa de meus pensamentos, me fazendo voltar a realidade.
Ergo rapidamente a cabeça e congelo ao ver quem está a minha frente. Engulo em seco, pensando em alguma desculpa para poder me justificar.
- Preciso que me acompanhe!
Um guarda alto, vestido com o uniforme azul escuro da Guarda Real e fortemente armado, me encara carrancudo.
- Não- disparo- me deixe ficar aqui!
Minha voz sai esganiçada. Queria parecer pelo menos um pouco confiante e assim ter algum tipo de autoridade. Mas vendo o estado em que estou, o guarda nem sequer considera o meu pedido.
- É perigoso aqui fora. E temos ordens para não deixar que saia do palácio sem autorização.
Me apoio na árvore. Eu não sei o que farei. Mas não posso voltar para o palácio e ficar trancada lá novamente. Não sem antes saber como Matthew está!
- Eu sinto muito, mas eu não irei!- falo com firmeza.
O guarda apenas me olha com rudeza, como se eu fosse uma criança birrenta.
- Então, infelizmente terei que levá-la a força.
Dou um passo para trás e apoio minhas costas na árvore.
- Não ouse...
Mas antes que eu possa terminar a frase, ele rapidamente se aproxima de mim e me puxa pelo braço com uma força extremamente exagerada.
- Me solte!- falo, tentando me livrar do seu forte aperto.
Fixo meus pés no chão, soltando todo o peso de meu corpo e me recusando a prosseguir. O homem impiedoso estala a língua perante a minha desobediência e me dá um outro puxão, com o dobro da força a qual ele havia usado.
Sinto como se meu braço tivesse se descolando do resto do corpo e acabo me desequilibrando.
Meus joelhos batem com tanta força no chão, que tenho que apoiar a minha mão livre para não cair de bruços na grama.
O homem ao perceber seu exagero, me solta e tenta me ajudar a levantar.
- NÃO ME TOQUE!- grito, sentindo meus joelhos latejarem.
- Julie!- ouço ao longe uma voz conhecida berrando meu nome- Julie!- sinto a pessoa se aproximando- O que aconteceu?
Continuo no chão de joelhos e com a cabeça baixa, massageando meu braço dolorido. Não preciso nem elevar meu olhar para saber de quem se trata. Adam.
- Eu caí- sussurro.
- Você está bem?
Ele se abaixa diante de mim e aperta levemente meu queixo me instigando a olha-lo. Faço isso e encaro seu olhos verdes claramente preocupados sobre mim, que deslizam de minha face até meu braço, e então eles se endurecem. Seu maxilar cerra ao observar a vermelhidão e o sinal profundo de dedos em minha pele. E de súbito, ele se levanta, furioso.
- Como ousou machuca-la dessa maneira?
Ele dá um empurrão no guarda, que não revida.
- Majestade, eu não...
- Cale-se!- Adam o interrompe- nenhum motivo justifica isso. Nenhum!
O agarra pelo colarinho de seu uniforme e o encara raivoso.
- Eu só estava fazendo meu trabalho senhor- a voz do homem é baixa e temerosa- ela não queria voltar para o palácio; e eu não podia permitir isso. São ordens, eu só obedeço.
Acompanho tudo em silêncio, eu não consigo falar absolutamente nada.
Adam está quase desferindo-lhe um soco. Posso perceber em seu olhar que está lutando para se controlar. Subitamente, ele o solta e se abaixa novamente diante de mim.
- Julie, agora você quer voltar para o palácio?- me pergunta calmamente.
Balanço levemente a cabeça, negando.
- Então você não irá!
Acaricia minha bochecha e se levanta.
- E quanto a você- diz com superioridade ao guarda- suma imediatamente daqui! Antes que eu me arrependa de deixa-lo sair ileso.
Ele não ousa contraria-lo e como um vento, desaparece rapidamente da nossa frente, saindo do campo de visão de Adam.
- Minha querida- ele se volta para mim- deixe-me ajuda-la a levantar!
Segura delicadamente em meu braço e em minha cintura. Pego em sua mão e me impulsiono para cima, sinto meus joelhos bambearem ao fazer isso, mas reuno toda a força dentro de mim e me mantenho de pé.
Adam se abaixa à minha frente e limpa as pedrinhas dos meus joelhos. Não preciso nem olhar para saber que está machucado, pois sinto o sangue quente escorrendo.
- Precisamos cuidar desses ferimentos- suspira- mas não se preocupe, você ficará bem- ele se levanta- só me diga, por que está aqui fora?
Limpo minhas mãos no vestido e o encaro.
- Eu não podia permanecer dentro do palácio sem saber o que realmente está acontecendo! Eu já estava ficando sufocada com tanto mistério, então vim aqui para tentar descobrir- murmuro- mesmo sabendo do perigo que estou correndo.
- Se eu soubesse que estava tão preocupada não teria te deixado sozinha.
O vento forte é incessante. Essa tarde nublada se tornou sombria. E é inevitável evitar que pressentimentos ruins me dominem.
- O que você sabe Adam?
Posso ver em seus olhos que ele sabe de algo, e se for preciso insistirei até o impossível para que me revele.
- O que eu sei é que a situação se agravou ainda mais- ele percebe a curiosidade em meu olhar- sabe aquele barulho que ouvimos? São de bombas que foram detonadas em diversos pontos do reino. E duas bem próximas ao palácio- diz, seriamente.
Coloco a mão sobre a boca, incrédula. Bombas. Nunca imaginei que poderia chegar a esse extremo.
- Eu estava com o rei Ignatius no momento em que isso aconteceu. Ficamos surpresos e na hora não sabíamos como reagir. Até que Matthew chegou e disse que iria verificar pessoalmente o que tinha acontecido. Ele estava tão decidido que não pudemos impedi-lo- meneia a cabeça- e então, eu fiquei ao lado do rei o ajudando com tudo o que estava ao meu alcance.
Sua voz é melancólica.
Sinto como se o chão tivesse se aberto abaixo de meus pés.
Matthew, por que fez isto?
Por que colocou sua vida em risco?
- E onde ele está agora?- pergunto, de imediato.
- Ele ainda não voltou, Julie. Temo que o pior possa ter acontecido- conclui, com uma voz baixa.
- Não!
Coloco as mãos sobre o rosto. Um nó se forma em meu estômago e uma tontura repentina me atinge violentamente. Certamente teria caído novamente ao chão, se não fosse pelos braços fortes de Adam me entrelaçando.
Me falta o ar. A tristeza de pensar que algo pode ter acontecido com Matthew, me esmaga.
Eu não consigo fazer nada além de me perder no abraço de Adam e tentar me convencer de que tudo ficará bem. E é o que fielmente espero.
Nada de ruim acontecerá!
Logo ele irá chegar!
Matthew está vivo e bem!
Repito isso várias vezes em minha cabeça e de certa forma consigo me acalmar, pelo menos meu coração já não bate tão rápido como à alguns minutos atrás.
- Julie, olhe para mim!- Adam sussurra em meu ouvido.
Afasto um pouco a minha cabeça e o fito, não me desgrudo do abraço, pois tenho receio de esmorecer caso o solte. Seus olhos são ainda mais verdes de perto e possuem um brilho tão idêntico ao de Matthew quando me olha.
- Eu não quero que fique tão preocupada! Não se esqueça do que eu te disse, nada nos atingirá!- acaricia minha bochecha- Me dói muito vê-la assim. É como se- ele hesita por segundos- você fosse uma parte de mim.
O que acontecerá agora? Essas bombas significam o início de uma guerra, ou o que? Matthew estará seguro, sendo ele o herdeiro do trono?
- Julie, eu juro que tentei; mas eu já não posso mais controlar o que sinto por você.
Eu nunca pensei que a minha classe pudesse fazer algo tão drástico. Atingindo a tudo e todos. Ninguém está a salvo.
- Sei que não é o melhor momento para isso, mas tê-la tão perto de mim só reforça a certeza de que você é o que faltava em minha vida.
E a família real é a que corre mais perigo. Matthew principalmente. Ele é o único com o qual me preocupo. E eu estarei do seu lado.
Para sempre.
Sou surpreendida por lábios doces e macios entrando em contato com os meus. Demoro alguns segundos para perceber o que está acontecendo.
Fui pega de surpresa.
Eu realmente não esperava algo assim.
Não esperava que Adam me beijasse.
O empurro rapidamente e me afasto. Ele me encara perplexo e confuso, do mesmo modo que eu estou o encarando. Após alguns segundos, ele arqueia as sobrancelhas e desvia seu olhar de mim, envergonhado.
- Desculpe!- sussurra, quase inaudível e se dirige a passos largos até a entrada do palácio.
- Adam!- o chamo, mas ele continua firme em seu percurso.
Não insisto e nem corro atrás para esclarecer a situação. Não posso lidar com mais isso agora.
Não posso.
Mas eu só queria saber, como aconteceu? Eu estava tão absorta em meus pensamentos que simplesmente me desliguei de tudo a minha volta. Será que Adam me falou alguma coisa? Eu não me lembro.
Eu não estava olhando para ele e sim para o vazio. E por isso, nem sequer o escutei.
Passo as mãos pelo rosto e logo após deslizo um dedo pelos meus lábios.
Adam me beijou.
Isso é estranho. Nunca imaginei que algo assim poderia acontecer.
Apesar de tudo isso, eu não consigo deixar de pensar em Matthew.
E o esperarei aqui até ele voltar.
São e salvo.
Quanto ao beijo inesperado, amanhã conversarei com Adam e esclarecerei tudo. No entanto, posso definir o que senti ao perceber seus lábios nos meus; como uma sensação inexplicável.
Tudo ou nada. Em breve tenho certeza que descobrirei o que este beijo significou para mim.
Mas não agora.
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