- O que vai fazer?- digo, tentando afastar meu pescoço da faca em sua mão.

- Calada!- me devolve, ríspido.

E me força a abrir a porta, afrouxando um pouco o aperto em meus braços.

Assim que saímos, o guarda que estava de vigia, já se coloca em prontidão para atacar rei Ignatius, mas rapidamente ele me coloca na frente da espada e o instiga a prosseguir, só que vendo a situação em que me encontro, imediatamente o guarda recua.

E então, aproveitando a brecha, o rei me força a continuar como um escudo à sua frente e a me empurrar pelos corredores do palácio.

A todo o momento, mantenho meus olhos fixos na faca apoiada em meu pescoço. Apenas um corte, e seria fatal. Eu quase nem consigo respirar de tanto pavor.

Passamos por alguns corredores e encontramos vários guardas do rei, que começam a formar uma barreira para proteger a sua retaguarda, mas nem sequer precisava disso, pois todos os guardas de Adam, recuam quando me vêem como escudo.

Andamos e andamos, quase tropeçando em meus próprios pés, ou nos pés do rei, que me força a acelerar os passos, até que chegamos a uma porta e então bruscamente ele para, puxando fortemente o meu pescoço. Se não for pela faca, certamente morrerei sufocada.

- PAI!

É a voz de Matthew. Meu coração se enche de alegria ao senti-lo se aproximando. Que bom que está vivo! E que bom que nos encontrou!

O rei se vira um pouco para trás e me leva junto. É uma sensação horrível ter o seu corpo colado ao meu.

- Julie?

Matthew se aproxima, com os olhos fixos na faca em meu pescoço.

- O que está fazendo com ela?- pergunta, incrédulo.

- Nem pense em tentar me impedir- diz- Abra essa porta!- ele ordena para um guarda ao nosso lado.

Ele o faz e ao invés de um cômodo, surpreendentemente me deparo com uma escada.

Não sei para onde ele quer me levar, nem sequer consigo formular pensamentos.

- Venha!- ele me puxa- Se Adam aparecer mande-o subir sozinho ou então...

Ele novamente da um puxão em meu pescoço e eu não consigo evitar de soltar um grito abafado.

- Largue-a agora!

Furioso, Matthew tenta avançar em nossa direção, mas é contido pelos guardas. Ele me estende uma mão e enquanto rei Ignatius olha distraído para a escada, consigo com muito esforço toca-la. Mas isso dura no máximo dois segundos, pois logo após sou puxada novamente e a porta se fecha, tampando a visão de um Matthew assustado.

Praticamente subo os degraus de costas, com o rei me puxando pelo pescoço e me apressando a ir mais rápido.

Dois, quatro, oito, doze... ao todo vinte degraus, que pareciam imensamente longos. Mas enfim, vejo pelo canto dos olhos que chegamos a uma outra porta.

- Por que está fazendo isso? Por favor me solte- engasgo, tentando recuperar o fôlego- não fui eu quem provocou essa situação. Foi Adam, não eu...

- Já te mandei ficar calada!- o rei fala por entre os dentes.

Ele puxa uma fechadura de ferro, com a mão direita na qual está segurando a faca, e abre a porta antiga e empoeirada.

De imediato, uma rajada de vento nos atinge e ele me joga para frente com tanta força, que quase caio no chão.

Um lugar amplo e ao ar livre... estamos no terraço! Eu nunca havia pisado nesse lugar.

Mas por que ele me trouxe para cá? O que pretende fazer?

A cada segundo que se passa a angústia e o medo vão tomando conta do meu ser.

Ele vai me empurrando até quase chegarmos a beirada e então ele para. Silenciosamente, se ajeita e posiciona a faca novamente em meu pescoço.

Estamos a muitos metros do chão e o vento ainda continua soprando forte em nós.

Eu estou imobilizada, não consigo me mover nem um centímetro, minha respiração está desregulada e o medo que sinto deste homem que me prende, cresce a cada segundo.

Nem sequer tento falar algo, ele já me mandou ficar calada e é melhor não contrariar um homem que já apresenta sinais de não estar em seu completo juízo.

Sem outras alternativas, apenas encaro ao longe a porta pela qual entramos, esperando ardentemente que alguém apareça. Felizmente não demora muito e ela se abre, trazendo Adam e Matthew para onde estamos.

- Solte-a ou vai se arrepender!- Adam já se aproxima com ameaças.

- Pai, escute-o, faça o que ele pede!- Matthew vem logo atrás, tentando com calma, contornar a situação.

Os dois me olham com muito receio, e meus olhos se enchem de lágrimas. Nunca imaginei que passaria por uma situação dessas.

- Se afastem!- o rei aponta a faca na direção deles.

Com o aperto mais frouxo e com o rei distraído, capto a oportunidade perfeita para tentar escapar.

Posso estar colocando tudo a perder, mas se eu ficar é quase certo que morrerei, então, pelo menos tentarei...

Reuno toda a minha força e dou uma cotovelada no estômago do rei, que arqueja e larga a faca.

Adam e Matthew correm em minha direção e sem pensar duas vezes, chuto a faca para fora da beirada do terraço, temendo que ele possa tentar algo e me viro pronta para sair correndo.

Mas nesse meio tempo, o rei consegue se recompor e me puxa bruscamente, freando meus passos. Ele passa o braço pelo meu pescoço, me usando de escudo novamente e me coloca de frente para beirada.

- Mais um passo, e eu a empurro!- diz, ainda com um pouco de dor transparecendo na voz.

- Julie- é a voz de Adam me chamando- vai ficar tudo bem, okay? Não se preocupe.

Seguro no braço do rei, tentando afrouxar o aperto para poder olhar para trás e por alguns segundos eu consigo e o que vejo me intriga: Adam puxa Matthew, se distanciando um pouco de nós e eles começam a conversar. É uma cena estranha. Sobre o que será que eles estão conversando?

As lágrimas já começaram a descer pelo meu rosto e o chão, tão longe de mim começa a me assustar, por isso mantenho meus olhos fixos na linha do horizonte, tentando controlar o nervosismo.

- Está bem!- é a voz de Adam novamente- O que quer para solta-la?

- Que desista da minha coroa!- a voz grossa do rei em meus ouvidos, me assusta.

Será que Adam seria capaz de desistir de algo que a muito tempo ele quer, apenas para me salvar?

- Okay- o sinto se aproximando, pelo som dos seus passos que vão ficando mais altos- eu desisto.

O que? Ele desistiu... por mim?

Para me salvar?

- Ótimo!- o rei solta uma gargalhada satisfeito e me puxa um pouco, possibilitando a minha visão.

Matthew está do lado de Adam, e os dois estão em posição de ataque.

- Então a solte!- brada Adam, com indícios de fúria, mas tomando cuidado com as palavras.

Ele já estava com a coroa do rei Ignatius ganha e decidiu abdicar tudo, apenas para me salvar.

Realmente, ele me ama!

- Não.

Esta simples palavra do rei me faz congelar. O que mais ele quer? Por que não me solta?

- Você a ama, não é? Então ficar sem ela, vai ser o preço que irá pagar, por ter me afrontando e me traído dessa maneira.

Ele me dá um puxão no pescoço e eu novamente grito de dor.

- Não!- Matthew tenta se aproximar, mas Adam o impede.

- Espere!- Adam abre os braços- O que mais você quer? A minha coroa? Eu te dou- ele tira a coroa e a coloca no chão- agora solte-a!

O rei apenas ri, aumentando ainda mais a minha frustação. Cravo as unhas no seu braço, mas ele nem sequer chega a perceber.

- O palácio já está tomado! Praticamente todos os seus guardas já foram mortos- Adam segue com voz firme- e eu estou te dando a minha palavra de que se solta-la eu desisto da sua coroa e do meu trono, mas se você insistir e cometer uma loucura, será morto em um estalar de dedos.

Adam está desistindo de tudo o que é importante para ele.

E o mínimo que posso fazer é agradecer por tal coisa, por isso murmuro silenciosamente um muito obrigada! Ele balança a cabeça e me lança um sorriso tristonho.

- Acha mesmo que pode me ameaçar?- rei Ignatius soa completamente furioso.

E agora eu percebo que ele não está raciocinando bem. Talvez seja o medo, ou a insegurança, ou a raiva de ter sido traído por alguém tão próximo, que mexeu com o seu ego. E a única coisa que ele parece querer, é se vingar.

Pelo canto dos olhos, vejo a beirada do terraço, mais alguns passos e eu serei arremessada diretamente para o chão.

O medo me paralisa.

Volto meus olhos para os dois homens a minha frente, que tentam de tudo para salvar a minha vida.

E vejo quando Adam toca no braço de Matthew e assente uma única vez. Matthew aperta os lábios, claramente abalado e balança a cabeça, concordando.

O que são esses sinais? O que eles estão tramando?

- É sua última chance!- Adam fala e os dois se aproximam.

- Adam- o rei devolve com desprezo- como pôde fazer isso? Me trair dessa forma, sendo que te tratei como a um filho. Nunca, em meu pior pesadelo poderia imaginar que faria algo assim.

Os olhos de Adam, ficam levemente marejados, posso ver o quanto está arrependido agora.

- Mas agora, você vai pagar por isso!

E repentinamente ele me puxa. Forço meus pés no chão, gritando e com as lágrimas escorrendo e me impulsiono para frente, cravando com força, as unhas em sua pele.

Tudo o que acontece em seguida, parece se passar em câmera lenta.

Ouço gritos, que não consigo distinguir se são meus, ou das pessoas a minha volta.

Os braços do rei pressionam meu estômago, me fazendo arquejar.

Por entre as lágrimas que escorrem abundantemente, olho de relance para Adam, enquanto rei Ignatius tenta me arrastar para me jogar do terraço e vejo quando seus lábios se mexem, dizendo: me perdoe por tudo, Julie!

Com o semblante extremamente triste, ele fecha os olhos por um momento e logo em seguida os abre e grita:

- AGORA!

E avança decidido, em nossa direção...

A única coisa que sinto, é um forte impacto em meu corpo. Mais nada.

Abro lentamente meus olhos, nem tinha percebido que os havia fechado e me deparo com Matthew me segurando contra seu corpo. Ele me envolve em um abraço extremamente apertado, enquanto chora em meu ombro.

- O que...- engasgo com o soluço- o que aconteceu?

Me afasto ofegante, sentindo o meu corpo inteiro latejar e rapidamente me viro.

Encontro Rei Ignatius e Adam em uma intensa luta corporal. Um tentando empurrar o outro.

Eles estão muito perto da beirada...

Muito perto...

Meu coração acelera, ao ver Adam com seu semblante contorcido, lutando para sobreviver.

- ADAM!- grito e tento me aproximar.

Eu irei ajuda-lo.

Eu TENHO que ajuda-lo!

Mas Matthew segura a minha cintura, me impedindo. E eu me debato, com os olhos cheios de lágrimas, soluçando sem parar.

E então, em questão de segundos...

os pés escorregam para fora da beirada.

E eles...

Eles...

- NÃÃÃÃÃÃOOOO- grito com todas as minhas forças e caio de joelhos no chão.

- Adam- sussurro- Adam...

E coloco as mãos sobre o rosto, me recusando a acreditar.

"Meu nome é Adam Collins e sou o rei de Oryon."

As lembranças adentram em minha mente como uma enxurrada.

O dia em que o conheci.

Havia ficado impressionada com tanta beleza e carisma. Aquele rosto perfeito e aqueles olhos verdes brilhantes, eu nunca irei me esquecer.

"Não conte para ninguém mas além de ser rei, eu também sou vidente nas horas vagas."

Oh, aquele sorriso ornamentado por covinhas... eu realmente nunca irei me esquecer.

"Se quiser desabafar, eu estou aqui!"

Não acho que tudo tenha sido uma grande mentira, creio eu que ele tenha sido verdadeiro em muitas coisas. E o seu jeito, a forma como ele me olhava... eu juro que nunca irei me esquecer!

Mesmo sem eu pedir, ele quis me provar que o seu amor por mim era verdadeiro e deu a sua vida em troca da minha. Me salvou!

E Adam... Obrigada!

Eu nunca irei te esquecer!

Sinto a mão de Matthew em meus ombros, e lentamente ergo a cabeça para olha-lo.

Ele está ao meu lado, também de joelhos. Seus olhos estão vermelhos e ele tenta se acalmar, respirando profundamente.

- E agora?- sussurro por entre os soluços, com meus lábios tremulando involuntariamente.

Olho para os lados e vejo dezenas de pessoas perambulando pelo terraço, com a mão sobre a boca, cochichando e comentando sobre o ocorrido. Dentre eles, estão os guardas, alguns nobres e até o padre que iria realizar meu casamento com Matthew.

- Bem- Matthew suspira, atraindo minha atenção.

Ele fecha os olhos por alguns instantes, e depois limpa as lágrimas com a palma da mão. 

- Teremos que nos reerguer!- e se levanta, praticamente recomposto.

Me estende a mão e eu apenas a fito em silêncio.

- Cancordion precisa de nós. E eu, preciso de você!- murmura, percebendo a minha hesitação.

Engulo o soluço, suspiro e balanço a cabeça.

Você tem razão!

Entrelaço meus dedos nos seus, e me levanto.