QUINZE

Ouço o rangido da porta sendo aberta e sons de passos me fazem ficar em estado de alerta.

- Agradeço se pudermos ser rápidos com esta reunião!

Uma voz grossa e masculina preenche o gabinete e eu não consigo identificar de quem se trata.

- Sim, então sente-se!

Assim que ouço o barulho das cadeiras sendo puxadas, abro apenas uma fresta da cortina que me esconde, para poder ter uma visão mais ampla.

Torço para que ninguém sinta a repentina vontade de vir até aqui e puxa-la, ou então meu esconderijo estaria desfeito. Mas creio que ninguém fará isso, afinal, eu me certifiquei bem antes de ceder a essa ideia.

A janela que fica ao meu lado já está aberta e a cortina espessa que me cobre, não deixa nenhum indício de que possa haver alguém aqui. E ainda há uma estante ao meu lado que ajuda a desviar o foco da cortina.

Enfim, apesar de ser um tanto arriscado, este foi o único jeito que encontrei para estar aqui nesta reunião. Ontem, pensei em mil maneiras e nenhuma me pareceu tão adequada quanto esta. De imediato já havia descartado a possibilidade de perguntar a Matthew, pois desde aquele dia ele vem me ignorando e quase não o tenho visto. Então, a ideia de ficar escondida no gabinete me pareceu perfeita, assim eu poderei ouvir e acompanhar tudo o que estiver acontecendo.

- Você trouxe os papéis?

Rei Ignatius pergunta, demonstrando uma empolgação ligeiramente estranha.

O homem de meia idade, magro e bem vestido à sua frente, apenas balança a cabeça em confirmação e coloca uma maleta preta em cima da mesa.

- Estão todos aqui!

Ele abre e os retira entregando-os ao rei.

- Que ótimo!- o rei fala, enquanto folheia os papéis analisando o seu conteúdo.

Fixo meu olhar no homem desconhecido. Ele aparenta estar um pouco nervoso. Já o vi passar várias vezes a mão pelo cabelo, sua perna não para de balançar e ele olha disfarçadamente para todos os lados, como se estivesse procurando algo.

Estranho... Muito estranho! Penso.

- Esses papéis apenas confirmam o que eu já sabia- Rei Ignatius deposita-os em cima da mesa- Isso vai trazer muito lucro! Apesar de ser algo perigoso, vai ser de grande valia. E eu estou disposto a correr esse risco.

O homem apenas sorri sem jeito e dessa vez sinto que ele deixou transparecer ainda mais o seu nervosismo.

- O que foi Charles? Parece meio inquieto. Há algo de errado?

Assim que ele ouve as palavras do rei, se ajeita na cadeira e suspira profundamente.

- Não. Eu apenas quero que pense bem antes de tomar qualquer decisão. Pense nas consequências que seu ato poderá trazer.

- O que quer dizer com isso?- rei Ignatius se levanta- você é o meu homem de confiança Charles, mas não ouse questionar minhas decisões.

- Tudo bem. Você está certo. Mas quando pretende realizar tal feito?

Apesar de saber que daqui onde estou eles não conseguem me ver, solto a cortina e deixo-me encobrir por inteira. Preciso pensar um pouco, estou confusa. Eu não faço ideia do que eles estão falando. O que será esse negócio perigoso? E porquê eu sinto uma preocupação incontrolável dentro de mim neste momento?

- Daqui à duas semanas- rei Ignatius fala convicto.

O quê? E se isso de que eles estão falando, tiverem a ver com Adam e com as minhas suposições? Não quero pensar nisso... Mas é inevitável. Esses pensamentos vem rondando muito a minha cabeça ultimamente. E eu não sei o porquê, mas me sinto um pouco atordoada agora, talvez seja pelo fato de que ainda não tomei o café da manhã e sem querer acabo me desequilibrando.

- O que foi isso? Eu vi algo se mexendo ali!

Meu corpo congela. Por favor, não venham até aqui. Não venham até aqui! É a única coisa que consigo pensar. Eu quase não respiro e meu coração bate tão forte que é possível que eles escutem o som das batidas.

Se eles me acharem aqui, é o fim!

- Aonde Charles?

-Ali! Na cortina.

Pronto! Eu pensei que esse esconderijo era perfeito, mas estava enganada.

Falhei. Eu não fui cautelosa o suficiente. E agora...
Agora é tarde para se lamentar.

Eles irão me achar e tudo o que passei até agora, terá sido em vão.

Se ao menos eu conseguisse pensar em uma desculpa. Algo que pudesse convence-los de que eu não estava aqui espionando.

Mas eu não consigo pensar em nada.

Sinto as minhas bochechas queimando e posso afirmar que elas estão inteiramente vermelhas. O que eu faço agora? Eu estou apavorada!

Tudo está se passando em câmera lenta para mim, mas tenho certeza que em poucos segundos eles irão me encontrar aqui. Não adianta continuar me escondendo. O certo a se fazer é reunir o pouco de orgulho que ainda tenho e me entregar.

Sim, eu irei fazer isso! Respiro fundo e toco levemente a cortina.

Me desculpe Adam, eu falhei com você...

- Charles você está paranóico, não há ninguém ali!

Continuo segurando a cortina, tentando criar coragem para sair.

- Mas eu vi algo se mexendo. Não pode ser apenas coisa da minha cabeça.

É agora... no três eu vou sair.

Um... Dois... E...

A risada do rei Ignatius ressoa no gabinete me fazendo congelar novamente.

- Pare com isso Charles, só estamos nós dois aqui! Deve ter sido apenas o vento. Vou te servir uma bebida- escuto passos e o tilintar de vidros- você está muito tenso.

- Sim, deve ter sido só isso mesmo.

- Tome! Vamos brindar!

Retiro vagarosamente a minha mão da cortina e respiro aliviada. Por pouco, por muito pouco, eu não fui desmascarada. Se aquele homem fosse um pouco mais curioso, eu estaria completamente perdida neste momento.

Meu coração ainda bate forte, mas sei que já não corro perigo.

- Brindar pelo que?

- Obviamente pela abundância de meu reino e para que os meus planos sejam realizados com sucesso.

Ouço o tilintar dos copos e novamente a risada do rei Ignatius.

- E não se esqueça Charles, isso tem que ser mantido em segredo absoluto. Não é bom que saibam antes da hora. Pegaremos todos de surpresa!

- Certo. Mas agora se não se incomoda, preciso ir.

- Oh, sim, irei te acompanhar, espere apenas eu guardar estes papéis.

Barulhos que não consigo distinguir preenchem o gabinete e eu permaneço completamente estática.

Só quando ouço o barulho da porta sendo aberta e logo após se fechando, é que me permito abrir um pouco a cortina.

Eles já se foram. Meu instinto é sair correndo e ir direto para o quarto. Mas não posso. Preciso adquirir o máximo de informações possíveis.

Se ao menos eu soubesse aonde estão os tais papéis que este homem trouxe...

Me dirijo até a mesa e vasculho algumas gavetas, mas não encontro nada além de coisas aleatórias. Até que puxo a última gaveta e percebo que ela está trancada.

Eles só podem estar aqui! Mas onde estará a chave?

Mexo em tudo o que vejo pela frente, tomando cuidado para não bagunçar, só que não encontro chave alguma. Dou-me por vencida e decido sair dali antes que alguém possa aparecer.

Abro a porta com cuidado para não fazer barulho e ao estar no corredor, olho para todos os lados me certificando de que ninguém me viu sair. Ando apressadamente até o meu quarto e apenas quando me vejo dentro dele, respiro verdadeiramente aliviada.

Quase fui pega hoje. Quase botei tudo a perder. Mas chega! Não quero mais pensar nisso. Da próxima vez  serei mais cautelosa.

Agora tenho que me concentrar e  escrever tudo em um papel. Adam disse que um mensageiro virá, então eu decidi que irei escrever todas as informações em uma espécie de carta, ao invés de apenas falar, assim os detalhes não se perderão.

Pego o caderno escondido embaixo da cama e me sento na mesma. Eu achei este caderno na biblioteca juntamente com as canetas e assim que o vi, soube que seria de total utilidade para mim.

Não vou contar a Adam sobre as minhas suposições, afinal, elas não passam disso. Não há provas, então não tenho como acusar rei Ignatius de coisa alguma. O fato é; que a conversa que ele teve com esse tal de Charles foi muito estranha. Obviamente está tramando algo. Mas seja lá o que for, em breve saberei, visto que o próprio disse que realizará tal feito daqui a duas semanas.

Sinceramente não sei o que pensar, é tudo tão confuso. Não quero tirar conclusões precipitadas, mas, temo pela minha família, por mim, por Adam...

Espero que assim que essa carta chegar em suas mãos, ele imediatamente tome providências e  busque saber o real sentido das palavras que escutei hoje.

Agora compreendo a dimensão do que estou envolvida. Confesso que quando aceitei a proposta de Adam, eu não havia pensado no quão complexo seria tudo isto.

Mas... O quê será que rei Ignatius está tramando? Essa pergunta não sai da minha mente.

Depois de Cancordion, Oryon é o reino mais rico. E se isso provocar a ambição do rei Ignatius a tal ponto de trair Adam?

Bem, pensando friamente, isso é algo possível. Pois a busca pelo poder, pode se tornar insaciável e ultrapassar limites. Quanto mais se tem, mais se quer.

E em um jogo de ambições, não há lugar para sentimentos.














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