Unidos
Nunca imaginei que viveria um amor como aquele. Pra mim, estar com Felix era um presente. Não fazia ideia que um dia seria tão privilegiado ao ponto de poder amar alguém, como o amava. Agora estávamos ali, juntos, dançando em nossa formatura de ensino médio.
Minha mãe também parecia estar curtindo sua "nova" chance de viver um amor. Ela tinha ido com Jim para a parte formal da minha formatura, junto com Anista – que não tinha entendido muito bem essa questão de eles dois estarem juntos. Bem, o que posso dizer, eles dois se davam muito bem, mas pra minha irmã o Jim não passava do melhor amigo de nosso pai.
Dancei coladinho com Felix a noite inteira, bebi com Erick e tirei muitas fotos. Não sou do tipo que bebe, nem nada do tipo, mas esse momento era um marco pra mim. Eu estava com o amor da minha vida e meu melhor amigo, saudáveis, com suas vidas encaminhadas e sem nenhuma preocupação a longo prazo. Era uma dádiva.
Não imaginava que a vida seria misericordiosa ao ponto de me entregar alguém como Felix, mas ali estava. Seu olhar de gratidão me acompanhou durante toda a noite e quando chegamos, nos relacionamos como foi na primeira vez. Meu corpo estava encharcado com o amor que transbordava do meu peito.
Ter a oportunidade de viver um momento como esse, com alguém como ele, era impressionante. Mais cedo naquele mesmo dia eu peguei algumas fotos para ver, do final do ano passado e não reconhecia aquele Tyler. Estava destruído, vagando como um ser sem alma a procura de uma luz para se agarrar. Agora, em cada uma das fotos com Felix, meu olhar parecia transcender meu corpo.
Fora que sério, com ele eu descobri – eu já suspeitava – que o sexo era um pilar importante pra mim. E todas as vezes com ele eu sentia como se rejuvenescesse, terminava revigorado. Mais do que isso, eu sabia que pra ele esse era um momento delicado, então todas as vezes que transávamos queria dizer mais uma vez que ele confiava em mim. Nossa troca era saudável, respeitosa, alinhada e muito sem vergonha, rs.
Dormimos juntos no dia da formatura. Felix gostava de dormir no meu peito e eu o prendia em meus braços. Pra mim, o contato pele com pele era melhor que qualquer cobertor que eu já tinha tido na vida. De manhã, fomos ajudar minha mãe com as caixas de doação das coisas de Jensen.
Ela chorou bastante, lembrando de cada um dos objetos presentes naquele lugar. Pra ela era como se estivesse revivendo o luto pela última vez, antes de se desfazer de cada uma daquelas coisas.
Tiramos algumas roupas, eletrônicos e decorações que estavam guardadas, separamos por caixas e deixamos no ponto de levarmos para a igreja que doaríamos. Ficamos a tarde inteira nisso, praticamente. Anista tinha ido com Mike em um desmonte, aprender mais sobre mecânica. Ela não era tão ligada a Jensen e minha mãe não queria que ela vivenciasse tudo aquilo. Meu pai, depois que saiu de casa aquele dia, nunca mais voltou – e embora pareça triste, é ótimo.
– Tudo isso é muito estranho. – digo, olhando o quarto dele. Superficialmente tudo parecia estar exatamente como ele tinha deixado, mas eu sabia que no final das contas, tudo estava vazio.
Era uma enorme sensação de vazio que estranhamente preenchia aquele ambiente. O quarto só tinha vida quando ele estava presente... mas isso é óbvio, não? Antes não era apenas um cômodo cheio de coisas, era o lar de alguém.
– É um novo começo para todos vocês. – é o que Felix diz, me abraçando por trás e me dando um beijo no ombro.
– Espero que sim. – é o que respondo.
– Sua mãe vai vender a casa? – ele pergunta.
– Ela ainda não decidiu, bem, não se sabe se algo vai mudar hoje, amanhã ou daqui 20 anos. – respondo e ele sorri. – Fomos bem felizes aqui. Ali ainda tem as marcas de canetinha verde escura que usamos para decorar o quarto dele, a lâmina da persiana que arrancamos quando éramos crianças... – aponto e Felix sorri. – Eu amei o Jensen como nunca amei nada na minha vida. – meus olhos se enchem.
– Ele também. Ele disse na carta. Todas as vezes que vir uma estrela cadente, imagine que aquele é o amor dele, demarcando as estrelas pelas quais está passando. – sorrio, puxando Felix, o beijando em seguida.
Minha mãe chama ele para levar algumas caixas e eu fico sozinho no quarto. Fecho meus olhos e quando abro, vejo Jensen e eu, juntos, riscando as paredes quando éramos crianças. Era uma memória vívida, um presente naquele momento. Depois do que fizemos aquele dia, meu pai até tinha tentado pintá-las novamente, mas ainda assim as marcas podiam ser vistas se olhasse com atenção.
Jensen e eu estávamos juntos, sentados no chão. Depois de riscar bastante as paredes, ele começou a me riscar. Quando olhei para trás, vi minha mãe entrando no quarto com Anista pequena em seu colo. Ela começou a rir da forma como o meu irmão tinha me deixado e todos caímos na gargalhada com ela.
Por um segundo senti um afago no peito, assistindo aquela cena de fora, como um estranho presenciando o ato mais puro que um ser humano poderia expressar. Minha infância realmente tinha sido boa, como poucas coisas na minha vida. Lembrar desses momentos criava um fio de felicidade genuína e ingênua em mim...
– Acho que já pode virar essa página. – Jensen fala, parando ao meu lado e eu o observo por poucos segundos. Fazia muito tempo que ele não aparecia. Ele estava do meu lado, vendo aquele momento comigo, de fora.
– Eu também acho. – é o que respondo, vendo-o sorrir.
– Sempre vamos estar unidos. Tão unidos que a vida criou uma corrente, apenas para que você conseguisse resolver os atos que estavam por minha volta. – ele diz e eu concordo com a cabeça. – Nada destrói uma coisa tão forte, então não tem com o que se preocupar. Sempre vou estar aqui por você, assim como você esteve por mim.
– Você me mostrou o que é o amor durante a vida e me deu o amor da minha vida, mesmo que de forma indireta. Obrigado. – digo e ele coloca a mão no meu ombro.
– Vai deixar minha jaqueta? – Jensen pergunta e eu nego com a cabeça.
– Essa eu só deixo, quando me sentir preparado pra assumir o Tyler por completo. – é o que respondo. – Vou aposentar minha moto. – informo.
– Felix é um piloto mais prudente que você mesmo, irmãozinho... – ele responde e rimos. Observo mais uma vez a minha memória e quando pisco, percebo que o quarto estava, novamente, da forma como estava antes.
Caio de joelhos no chão, chorando copiosamente com as mãos no rosto. Felix e minha mãe correram até o quarto e quando chegaram, me abraçaram, enquanto choravam. Ficamos ali por algum tempo. Era tão doloroso, que não consigo colocar em palavras, mas também era necessário. Eu sabia que precisava desse momento, pra enfim seguir em frente de vez.
Quando terminamos, fomos levar as coisas que precisavam ser doadas e depois disso minha mãe foi assinar o divórcio com meu pai. Ela também o tirou do comando da empresa, o que o deixou furioso, mas ele sabia que ela faria. Ele não discutiu e assim como Marina esperava, eles apenas assinaram os documentos e foram embora.
Acontece que na hora de a minha mãe entrar no carro, meu pai percebeu que era o carro de Jim e, por impulso, correu atrás por alguns segundos. Quando percebeu o que tinha feito, ele olhou para o chão e para Marina, em seguida. Ela, no entanto, começou a andar para longe dele e quando ele tentou conversar com ela, Marina deu um tapa em seu rosto. Bem, agora ele e ela tinham arranjado o que queriam para si.
°°
O tempo começou a passar de forma rápida. Fiz minha faculdade de Direito, depois diversos cursos relacionados à carreiras policiais, junto com pós graduação em perícia criminal e mestrado em ciência forense. Enquanto isso, mantive meu relacionamento da forma mais saudável que pude com Felix, que não tinha parado de jogar basquete.
Sempre saíamos juntos, curtíamos, brincávamos... realmente parei de pilotar e deixei que ele me levasse. Felix era prudente e eu sabia que apenas voltaria a ser mochila de alguém, se esse alguém fosse ele. Todos os anos em nossa vida a dois demonstrávamos como nos amávamos. Fiquei feliz de ver que tínhamos quebrado o ciclo vicioso de vidas tristes que nos rodeavam.
Alguns anos depois que terminamos a escola, Lúcio enfim se casou novamente com uma moça que conheceu quando se mudou para Boston – ele tinha se mudado, justamente para ficar mais próximo de todos, já que sentia falta não só de Felix, como de Anista e até de mim... mesmo que ele não assuma. A nova esposa dele entendia seus traumas e o apoiava a ser um homem melhor a cada dia.
No final das contas passamos a comemorar natais em família – com Jim, minha mãe, Lúcio e ela – todos os anos. Essa tradição fez com que nossa casa sempre, nesse momento do ano, ficasse cheia mais uma vez. Felix todos os anos acendia uma vela para sua mãe, desejando feliz Natal, e por mais que no começo eu achasse triste, com o passar do tempo passei a fazer o mesmo pro meu irmão, ao lado dele.
Todos os dias eu era ensinado sobre como o luto pode ser um sentimento necessário. Felix fazia questão de demonstrar a forma madura como via esse tipo de situação e isso passou a me contagiar. Ele realmente me fazia bem em diversos campos da minha vida.
Minha mãe também estava a cada dia mais radiante. Jim fazia tudo e mais um pouco por ela, ele parecia ter como único foco de vida fazê-la feliz. Ela gostava de se mimada e tratada como a joia mais valiosa que o mundo já viu, e ele gostava de fazê-la se sentir assim. Perdi a conta de quantas vezes ela me ligou para contar que ganhou flores, joias ou declarações de amor dele. Com o tempo o sentimento de ter perdido tempo ao não ficar com ele de cara foi dando espaço ao sentimento de gratidão, por pelo menos estar vivendo algo assim em sua vida.
Por outro lado, fiquei sabendo que Davis se "separou" de Marina antes mesmo de se casar. Bem, não esperava grande coisa vinda deles, mas isso me surpreendeu de verdade. O que as pessoas diziam é que como ele tinha falido, depois da minha mãe o tirar do comando da empresa – eles tinham se casado em separação total de bens e o dinheiro que meu pai tinha vinha do pagamento por ser presidente da empresa da minha mãe – e ela não tinha aguentado se ver com um homem pobre. Pra alguns isso pode ser uma sensação ótima, pra mim, era estranho. Enfim...
Felix e eu viajamos pela primeira vez para fora dos Estados Unidos juntos. Fomos até a Inglaterra e passamos nossas férias lá, antes da temporada em que ele concorreria ao Draft e eu, receberia o resultado sobre me tornar policial ou não. Naquele ano, novamente, tudo deu certo. Felix foi o 23° escolhido, acabou, por incrível que pareça, indo para o time Brooklyn Nets – time de um distrito próximo ao Bronx. Ele foi ovacionado desde o minuto que foi escolhido, as pessoas o amavam.
Eu também consegui entrar para a polícia no Brooklyn. Ao contrário de Felix, no entanto, mantive minha vida privada ao extremo, com a finalidade de evitar problemas, por causa da carreira. Às vezes eu ia ver alguns jogos de Felix, mas nada que chamasse muito atenção. Certa vez nos fotografaram juntos e as pessoas perguntaram quem era o armário ao lado dele, mas como pedi para que esse assunto fosse esquecido, o time fez de tudo para abafar esse caso. Não queria ser exposto e o colocar em perigo por causa da minha profissão.
Olhando para trás, mais parecia que a vida tinha testado nossa resistência até aquele momento, porque quando superamos nossas catástrofes pessoais, nada nunca mais nos afetou daquela forma.
Nossa rotina nunca ficava monótona. Isso, porque mesmo quando estávamos cansados da rotina exaustiva, sempre nos dedicávamos pelo outro. Seja por um chocolate, ou um café da manhã. Tínhamos nos adequado bem a viver juntos, desde a faculdade. Tudo isso, no entanto, se abalou brevemente em um dia aleatório de quarta-feira, quando Felix recebeu uma ligação inesperada, uma semana antes do Draft.
Eu estava no escritório que tínhamos em casa, estudando, quando ele entrou de repente e manteve seus olhos fixados em mim. Antes que eu pudesse perguntar o que tinha acontecido, ele disse:
– Paul acordou. – sinto, novamente, um frio subir pela minha espinha.
– O que? – pergunto, segurando Felix, que sente suas pernas falharem em seguida.
No entanto, por mais que Paul realmente, depois de tantos anos, tivesse realmente acordado, ele tinha tido sequelas irreversíveis. Precisava de ajuda para comer, se limpar, não conseguia falar... e quando a notícia se espalhou, as pessoas comemoraram como final de copa do mundo.
Pra muitos, era o castigo que ele merecia receber depois de tudo que tinha feito com tantas crianças e mesmo que esse passado fosse doloroso para Felix, era claro que seus fãs queriam comemorar por ele ter feito o que fez. Ele ainda ficava relativamente desconfortável com tudo isso, claro – talvez bem mais do que falava que ficava – mas era inevitável toda essa animação por parte das outras pessoas.
O plano era que Paul continuasse sendo acompanhado no hospital e caso melhorasse, fosse julgado pelos seus crimes... mas a julgar pela forma como ele tinha ficado, eu duvidava bastante que isso chegaria a algum lugar agora. De fato essa parte da nossa história agora parecia ter se encerrado.
Felix chegou a ir vê-lo pelo vidro do hospital. Só de vê-lo com os olhos abertos ele parecia ter sua alma sugada.
– O que está pensando? – pergunto e ele dá de ombros.
– De alguma forma, mesmo que o corpo dele não seja mais o que era antes e talvez não consiga nunca mais se recuperar, pra mim o miserável ainda está ali. Talvez feliz por ter se safado, ou com raiva por estar na situação que está, mas está ali. – ele diz, olhando em meus olhos em seguida.
– Agora isso não é mais problema seu.
– É. Tudo que ele tentou atribuir a mim, eu voltei como um míssil nele. Quem sabe na próxima vida ele aprenda a reconhecer seus limites e não testar alguém com a capacidade de destruí-lo dessa forma. – aproximo dele, dando um beijo em sua testa. – Por mais que tenha sido traumático, ainda bem que fui eu. Pelo menos pude evitar com que mais pessoas passassem por aquilo.
– Com certeza. – é o que respondo.
Ele sai na frente e eu dou uma última olhada para Paul. Vejo, nesse momento, uma lágrima escorrer de seus olhos e solto um sorriso. Ele estava ali, eu sabia que estava – e para a minha felicidade, ele sabia a dimensão do que estava vivendo. Talvez enquanto se mantinha em coma, ele tenha esbarrado com Yohan, que deixou claro o recado.
No final das contas, mesmo com todas as voltas do tempo, nenhuma alma sebosa foi poupada. Assim como prometi, tínhamos colocado as mãos em cada um deles.
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