Recomeço
º Visão de F. Knox º
Jogar, aos poucos, veio me trazendo de volta a sensação de vida que sempre me preencheu. Eu sentia tanta falta do basquete que nos primeiro jogos que pude, finalmente, fazer parte do time na escola, marquei mais de 60 pontos.
Minha recuperação tinha sido completa em um tempo bom, por conta dos profissionais que me acompanharam. Davis, o pai de Tyler, pagou os melhores profissionais para esse momento e quando eu já estava jogando, ele apareceu na quadra. Nesse dia Tyler tinha ido fazer uma entrevista com o representante de Harvard que estava na escola. Quando vi Davis, pedi tempo e fui até ele.
– Vejo que está muito melhor. – ele diz, assim que me sento ao seu lado.
– Obrigado por isso, senhor. – respondo. – Eu sei que tudo que aconteceu com o Jensen foi difíc...
– Não precisa falar sobre isso. – ele me corta, antes que eu termine, e me observa. – Já deve saber que eu e minha mulher estamos nos separando e que vou embora para a Califórnia. Só queria dizer que não me deve nada, sobre o que fiz. Cuidei de você, como gostaria de ter cuidado de Jensen. Acho que foi um acalento ao meu coração, de alguma forma.
– Obrigado, mesmo assim. – respondo a ele. – Não poderia estar de volta às quadras sem sua ajuda. Salvou minhas articulações, meu sonho... obrigado. Vai manter contato com Tyler?
– Não. Com Anista, talvez. Tyler, não. Ele já deve saber que é filho de Jim e certamente depois disso vai querer se aproximar dele, não de mim. E eu não o culpo, sabe? Eu fui péssimo.
Estava impressionado em saber que Tyler era filho do governador, mas mantenho minha expressão amena, como se fosse mais um dia completamente normal em minha existência.
– Entendo. Mas também entendo que para o Tyler, a conversa e sinceridade conta em algo. – rebato e ele me observa.
– Mas é nisso que sou diferente do seu pai: não me arrependo de quem fui, nem de quem sou. – ele me observa. – Eu me arrependo do que não tive oportunidade de fazer, por exemplo por Jensen... mas de tudo que já fiz e falei, não me arrependo, não ligo.
– Então acredito que a mãe do Tyler não é a única que precisa de certo acompanhamento. – ele me observa. – Com todo respeito. – ele sorri.
– Mas ela é a única que vai atrás disso. – ele responde. – Mesmo com um novo filho, eu sei que vou continuar parado no mesmo lugar.
– Bem, até onde sei, Anista também sente falta de perceber que tem um pai. – ele me observa. – E se tem um novo filho, mas não se preocupar em mudar seus erros do passado, ele vai ser mais uma criança que embora carregue seu sangue, não carrega consideração. Sangue sem consideração é apenas burocracia.
– Você é ótimo. – ele fica de pé e eu o acompanho, apertando sua mão. – Mas as pessoas só podem oferecer o que tem. E eu não tenho amor, ou qualquer coisa desse tipo... até mais. – observo Davis se afastar, sem dizer nada. Depois disso volto para a quadra, continuando meu treino.
Meu treinador arrancava suor de mim, como se eu já fosse um jogador da liga. Ele dizia que queria colocar meu talento para fora e por mais que me sentisse pressionado, me sentia lisonjeado por, naquele momento, ter a oportunidade que sempre sonhei. Assim a semana continuou.
Só pude jogar os últimos jogos da temporada, mas mesmo assim muitas pessoas foram, apenas pra me ver – pelo o que fiquei sabendo, pela primeira vez na história da nossa escola nossa quadra ficou cheia, sem nenhum espaço para sentar e com fila dobrando a instituição. Minha história ficou nacionalmente conhecida, o que fez com que diversas pessoas viajassem apenas para poder me conhecer, cumprimentar e tirar foto. Elas comentavam sobre o quanto minha história tinha as motivado e eu tentava me esforçar para retribuir esse carinho – isso era complexo pra mim, porque nunca tinha me ocorrido.
De alguma forma, agora que as pessoas conheciam minha versão, me tratavam como uma pessoa comum. Me perguntava se eu deveria ter aberto meu coração antes e expressado o que tinha ocorrido, ou se aquele garoto machucado jamais conseguiria expressar o que o Felix atual expressava – e talvez a coisa mais significativa, fosse a confiança que demonstrava.
Mesmo depois o acidente, eu ainda confiava em mim. Ao invés de ter ódio preenchendo meu peito, por ter passado tanto tempo sendo enganado, ao meu ver eu tinha a sorte de ainda possuir muito tempo de vida para poder ter paz. E, claro, junto com essa paz, Tyler estava ali, comigo.
Uma vez tínhamos dito um ao outro que nossas almas machucadas se cumprimentavam, como se estivessem, pela primeira vez, sendo vistas... agora, acredito que nossas almas em recuperação, vivenciando um recomeço, caminhavam juntas, lado a lado. Eu achava engraçado como Tyler sempre estava tentando expressar seu amor com palavras, enquanto eu sequer conseguia tentar, mas acredito que cada alma perdida pelo mundo tem sua forma de se expressar, certo?
Ele me salvou dos piores sentimentos que um ser humano consegue sentir. Tyler me tirou do fundo do poço, me alimentou, cuidou e curou. Hoje, eu sei que se por acaso terminarmos, será dolorido, mas pelo menos não será uma pá de terra em cima do meu caixão... como seria, antes, quando eu sequer sabia meu valor. Ele agregou e permitiu que eu agregasse positivamente sua vida, com muito amor, carinho e cuidado.
Sabia que pra ele o mesmo valia, mesmo que diversas vezes ele dissesse que seríamos eternos. Quando o conheci, Tyler era calado, sozinho, mesmo que sempre estivesse acompanhado por dezenas de pessoas. Era como se ele estivesse em uma vibração diferente de onde seu corpo se encontrava, perdido, parado, assistindo sua vida passar diante de seus olhos. Agora, todas as vezes que me observava, seus olhos brilhavam pra mim, não importava se era na quadra, enquanto jogávamos, ou na cama, depois de transarmos.
– Passei no teste, a faculdade me aceitou. – digo e ele me observa. Estávamos deitados na cama, já estávamos diante dos últimos meses de aula.
– Então vamos continuar pertinho um do outro. Se quiser, pode dizer que vai ficar comigo no meu dormitório, assim nem separam a gente. – ele dá uma cafungadinha no meu ouvido e eu sorrio.
– O país inteiro sabe da minha história agora. É estranho, porque todas as pessoas parecem me observar com um olhar diferente...
– Pena? – pergunta e eu nego com a cabeça.
– Superação. – ele me abraça. – Elas parecem orgulhosas.
– Devem estar, é raro alguém passar por tudo que passou e continuar vivo pra contar a perspectiva de vida dessas situações. – é o que ele responde e eu o beijo em seguida.
Tyler tinha uma coisa muito singular dele: todas as vezes que ficávamos, ele sempre me dava alguns beliscos fracos, como se quisesse testar, pra saber se eu realmente estava ali. Ele me beijava com a mesma intensidade da primeira vez e por mais que estivéssemos vivendo um romance tranquilo, sem altos e baixos, isso me deixava feliz. Eu gostava de uma vida monótona, esperava que em Harvard tudo fosse ainda mais tranquilo. Precisava disso pra deixar meu apelido de jogador violento para trás.
Naquele dia ainda fomos procurar nossos ternos para a formatura do ensino médio. Tyler parecia empolgado com o futuro, algo que antes lhe trazia uma ansiedade imensa – da forma mais negativa que podem imaginar.
Bem, se comprar uma blusa pra ele era uma missão difícil, imagine um terno. Era como procurar uma agulha em um palheiro imenso. Felizmente aquele dia não estávamos passando por esse sufoco sozinhos – por mais que ele tenha tentado sim fazer com que isso acontecesse, quem sabe pra conseguir me beijar em algum provador novamente.
Todos os lugares que fomos disseram o mesmo: é mais fácil ele fazer sob medida. O uniforme da escola tinha sido feito dessa forma. No final das contas nos recomendaram um local e no dia que fomos, a mãe dele nos acompanhou.
– É lindo ver o quanto ele te ama. – ela diz. Tyler estava relativamente distante, terminando de fazer alguns ajustes em seu terno.
Eu sabia que ela tinha muitas questões comigo, desde o acidente, mas depois que tinha começado seu tratamento, vinha me tratando de forma mais branda. Não consigo culpá-la pela forma como me deixou desconfortável diversas vezes, pois eu via que se tratava de sentimento falando por ela... sabe? Todos somos humanos, então buscar a perfeição em alguém é um tanto quanto inconcebível.
– É, Tyler se esforça pra conseguir expressar esse amor. A senhora já amou alguém assim? – pergunto e ela me observa. – Não vale falar dos seus filhos, sabe bem o tipo de amor que estou me referindo. – ela sorri.
– Já. – responde. Ela era a última pessoa que eu esperava ter uma conversa assim, mas como eu vinha sendo surpreendido ultimamente, decidi dar uma chance. – Mas sinto que passou do ponto, não tem mais nada que eu possa fazer sobre isso... esfriou, faz muito tempo.
– Paixão é uma chama, senhora. Ela esquenta, mas queima também. Quando apaga, aí sim não tem mais jeito. – ela me olha. – Amor é a imensidão do mar. Com ondas, que quebram na costa, mas sempre voltam pra imensidão. Pode ter perdido uma onda, mas o mar continua no mesmo lugar, te esperando que volte.
– Sabe, Felix... – ela respira fundo. – Eu sei que depois do acidente, fui rude com você. Mesmo sem dizer nada, tenho total consciência que era perceptível isso.
– É claro que não...
– Eu sei que fui. Me perguntei muito o motivo pelo qual Jensen não tinha sido poupado, como você. A questão é que hoje vejo que isso era muito egoísta. Eu estava com raiva de um menino que sobreviveu, porque outro não sobreviveu. – os olhos dela se enchem de lágrimas. – Sei que pra muitos isso é "coisa de mãe", mas não deixa de ser rude. Me desculpe...
– O Jensen merecia ter sobrevivido. – ela me observa. – Eu adoraria o conhecer. Foi tudo uma grande cascada, muitos elos sendo construídos até chegarmos aqui.
– Sim, com certeza. Tudo que aconteceu foi uma grande corrente formada por elos, pequenos detalhes que escalonaram e se tornaram nossa história. Tenho certeza que a vida poderia ter sido mais misericordiosa com alguns, mas não é sobre isso. – ela responde e Tyler termina os ajustes em seu terno.
– O que acham? – ele se aproxima e interrompemos nossa conversa.
– Muito elegante. – é o que ela responde e eu confirmo com a cabeça.
Acredito que essa nossa conversa foi crucial para que a mãe de Tyler passasse a ser menos resistente com a minha presença. Com o tempo, ela passou até mesmo a me pedir para levá-la em alguns lugares de moto e no dia da julgamento de Bill, ela escolheu ir comigo. Esse certamente era um grande simbolismo.
Foi falado do assassinato do meu irmão na cadeia, sobre as ramificações e tudo que foi descoberto nos aparelhos telefônicos de todos. Por fim, todos pegaram penas altas. Quer dizer, Bill pegou perpétua. Sabíamos que se Yohan estivesse ali, ele provavelmente daria detalhes sórdidos das suas ações e almejos, mas como não estava, restou aos investigadores fecharem cada espaço na história completa – isso foi demorado e só foi possível por conta de outras pessoas que acreditavam que poderiam ser favorecidas com essa ajuda.
O caso ainda não estava encerrado. Agora Paul seria acompanhado de perto, para caso acordasse, não conseguisse se esquivar de seu julgamento. Na casa dele foram encontradas, no porão, fotos, vídeos e até mesmo um projetor, onde ele ficava assistindo as coisas que fazia com os meninos que encontrava. Paul era um maníaco e quando essas coisas foram divulgadas, todo o ódio que antes tinha sido direcionado a mim, agora estava virado para a polícia, que não o investigou quando tudo aconteceu. Na saída do julgamento, Erick veio até mim. Não sabia o que esperar, porque nunca tínhamos conversado sobre tudo que passamos.
– Vou pra Yale jogar. – é o que ele diz e eu sorrio.
– É assim que se aproxima pra conversar com alguém? – pergunto.
– É, e esperava que você me dissesse em qual faculdade vai jogar. – ele responde.
– Harvard. Poderia ter aplicado pra lá. – ele nega com a cabeça.
– Não. É uma faculdade pra gays nerds. – sorrio. – Já que essa provavelmente é uma das últimas vezes que vamos nos encontrar, queria te agradecer e te pedir desculpas.
– Tudo bem? – fico confuso.
– Você, direta ou indiretamente, me salvou. Tyler e eu estávamos andando rápido em direção à... sei lá o que. Só sei que não era bom. Você tirou ele desse ciclo e consequentemente ele me puxou. É por isso que queria agradecer e queria pedir desculpas, por não ter sido justo contigo. – ele diz e eu concordo com a cabeça.
– Não pode se julgar pelo Erick do passado, porque ele não tinha dimensão do que o Erick do futuro saberia. – respondo. – Se perdoe por tudo que passou, Erick, você definitivamente não é um cara mal.
– Obrigado por isso. É compreensível porque o Tyler é completamente apaixonado por você. – sorrio.
– Tyler me amou primeiro, Erick, mas pode ter certeza que eu o amo mais. Bem mais. Queria até conseguir falar o quanto, mas não sou tão bom com palavras. Acontece que mesmo sendo uma missão difícil, ele me reconstruiu também.
– Bom, quer dizer que está dando certo. – é o que ele fala, estendendo a mão e nos cumprimentamos. – Quando quiserem dar uma volta em Connecticut me avisem. Vai ser ótimo receber vocês.
– Obrigado. – é o que respondo, vendo ele se afastar.
Tive mais jogos antes das últimas semanas de aula. Pela primeira vez nosso time de basquete ganhou o campeonato, mesmo que os últimos jogos tenham sido difíceis. Tyler realmente gostou de ser reboteiro. Ele ia em qualquer ponto da quadra para buscar a bola, o que era surpreendente. Sabia que ele não queria seguir a linha dos esportes, mas confesso que mesmo assim torci bastante.
Vencer meu primeiro campeonato escolar me jogou na mídia de uma contagiante. Até mesmo me perguntaram se eu tinha interesse em tentar o Draft, pra ser escolhido antes mesmo de entrar pra faculdade. No entanto, eu realmente queria fazer faculdade de algo. Principalmente, porque essa seria uma oportunidade única de estudar, enquanto fazia o que amava.
Muitas pessoas me cumprimentaram na nossa vitória. Como os últimos jogos foram relativamente mais difíceis que os primeiros que não pude jogar, pra muitos a minha participação tinha sido crucial – mesmo que meu estilo de jogo estivesse mudado, já que o técnico já tinha mudado e muito meu comportamento em quadra. Eu realmente parecia ser uma nova pessoa, dentro e fora dela.
Participamos ativamente dos preparativos para a formatura e quando chegou o grande dia, para a minha surpresa a mãe de Tyler estava acompanhada do governador. Tyler não expressou nenhuma reação sobre isso, mas sabia que essa situação era estranha pra ele. Bem, pra mim também seria.
– Temos uma novidade. – a mãe dele diz.
– Quando meu mandato acabar, vou me mudar para perto de vocês. – o governador informa, apreensivo.
– E o Simon?
– Vai fazer faculdade na Califórnia, onde a mãe dele está. Ele não falou muito sobre isso, apenas que desaprova completamente. – ele explica.
– Tudo bem. Bem-vindo. – é o que Tyler responde e o governador sorri, confirmando com a cabeça. Aquele era o começo de algo que todos ali pareciam estar apreensivos para viver.
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