Determinação
º Visão de F. Knox º
Todos pareciam aliviados por eu ter sobrevivido ao acidente, e embora eu também estivesse... na verdade eu estava feliz, porque sabia que seria inevitável e logo poderia ter a oportunidade de pilotar minha moto mais uma vez. Bom...
Nunca na vida vou amar nada nem ninguém como amo moto. Isso eu já sabia, o que eu não sabia era que esse amor era tão transcendental, que mesmo que estivesse comendo o pão que o diabo amassou pós queda, eu pensava apenas em quando a veria e pilotaria novamente. Meu pai disse que tive sorte de não ter perdido nenhuma parte do meu corpo na queda e eu concordava, mas por outros motivos.
Enquanto ele falava do cenário geral da coisa, eu pensava que não precisaria adaptar minha moto por causa de alguma amputação – já que estava fora de cogitação eu deixar de pilotar por causa de um pequeno tombo. Por mais que eu achasse o que aconteceu com o irmão de Tyler uma imensa tristeza, eu me via nele. Só abandonaria a pilotagem, se falecesse por meio dela. Pode parecer meio cruel comigo mesmo amar algo que é sim tão perigoso, mas pra mim era como se o meu sangue e essa paixão estivessem completamente interligados.
Fora isso, acredito que nem na minha fantasia mais positiva sobre a minha própria vida eu imaginaria que alguém faria tudo o que Tyler fazia por mim. Ele tinha ido contra tudo e todos, seguiu todas as minhas investigações e agora estava ali, me dando apoio enquanto eu começava a minha fisioterapia.
Além dele, a família de Tyler também parecia investida na minha recuperação. Sua irmã veio me ver, me trouxe um chocolate escondido, assim que tirei a máscara de ventilação não invasiva – mas se perguntarem, nego até minha morte – e me desejou ótima recuperação. A mãe de Tyler também veio, mas não entrou no quarto, apenas acenou de longe.
Eu sabia que ela se questionava o motivo pelo qual eu tinha tido tanta sorte e seu filho, não – mesmo sendo uma pessoa infinitamente melhor que eu. E sim, pra mim também parecia muito injusto me ver naquela situação, quando Jensen sequer teve a oportunidade.
Ainda estava na fase de cinesioterapia, além de tratamento para as dores que estava sentindo. Eu tinha tentado sentar na moto, pra deslizar em cima dela, quando percebi que a queda seria inevitável. Acontece que por causa de um desnível, ela me arremessou. A batida do meu corpo contra a moto e depois contra o solo tinha sido violenta, o que resultou em uma dor muito forte a cada movimento que fazia.
A dor chegava a ser insuportável em alguns momentos, mas meu objetivo era claro e eu não abriria mão disso por causa dos problemas em percurso. Minha rotina no hospital era intensa, desde que tinha aberto os olhos. Meu pai conversou com os médicos e comentou sobre eu ser atleta. Eu sabia que mesmo que eles estivessem levando as coisas no meu tempo de recuperação, também tinham uma alta expectativa de melhora pro meu caso.
Alguns dias eu controlava minha boca para não gritar de dor e assustar meu pai e Tyler. Não queria que eles ficassem ainda mais preocupados do que já estavam comigo – embora eu tenha certeza que algumas vezes eles perceberam algumas das minhas lágrimas solitárias e silenciosas. Eu sabia que era capaz, precisava compreender e colocar isso na cabeça, pra não perder meu foco na recuperação, mas às vezes a dor aguda silenciava minha confiança em mim mesmo.
E assim foram se passando os dias. Quando enfim consegui levantar, começaram os treinos de marcha, pra me ajudar no equilíbrio. Tudo acontecia realmente a passos delicados, mas durante esse tempo o meu time e técnico vieram me visitar e perguntar como estava. Eles me contaram que na escola estava correndo um papo estranho sobre eu ser traficante. Minha reação mais sincera foi achar graça disso, porque não fazia sentido pra mim.
Tyler já tinha me contado sobre o que Yohan tinha feito – e estava fazendo –, mas o fato de as pessoas realmente pensarem nessa possibilidade me divertia demais. Isso, porque eu não fumava nem bebia, pra não prejudicar meu desempenho no basquete e estragar meu sonho... agora imagina traficar, correndo o risco de ser preso por muitos anos a troco de nada, afinal pra mim não fazia sentido vender algo só serve pra o mal dos outros... era uma ideia inconcebível pra mim.
Preferia focar completamente no meu processo – dolorido – de recuperação que gastar tempo em coisas que minha palavra não poderia reverter.
– Como está sendo tudo isso? – Tyler pergunta, depois de chegar no meu quarto e dou de ombros.
– Difícil. – respondo. – Mas como eu quero muito me recuperar logo, está menos difícil do que poderia ser. – ele sorri. – Sinto falta da minha vida, a sensação que eu tenho é... – travo por alguns segundos.
– Pode falar... – ele segura minha mão, me incentivando e eu dou de ombros.
– É que eu nunca tive nada além do basquete e da minha moto. Agora, que finalmente eu tenho algo, tentaram arrancar isso de mim. – explico e ele abaixa a cabeça, ficando pensativo. – O que sabe? – Tyler me observa. Já o conhecia bem o suficiente pra perceber quando ele se sentia encurralado.
Ele parecia em dúvida se deveria me contar ou não, mas eu sabia que ele queria. Ele precisava. Desde que acordei e os policiais vieram pra cá, Yohan nunca mais colocou os pés no meu quarto. Eu sabia que ele estava envolvido com algo bem errado, mas o que exatamente? Tinha algo além do tráfico?
– A moto do meu irmão foi sabotada. – ele fala e eu sinto como se estivesse caindo, após o chão sumir debaixo dos meus pés. Era um frio na barriga ruim, como se estivesse com uma arma apontada na minha cabeça. – E ela foi sabotada, como a sua. – ele continua falando e eu não esboço nenhuma reação. – Eles cortaram parte dos cabos do freio, porque sabiam que ele ia acelerar muito. Quando ele freou, o cabo não suportou a pressão e a Ducati shimou, jogando ele contra o caminhão e ela também. Transformando meu irmão em... nada e a moto em um amontoado de ferro retorcido.
– O que você tá falando... – me encosto na minha cama, em choque.
Nunca achei que uma conversa conseguisse me abalar, mas aquela simplesmente entrou como uma flecha, entrando pelo topo da minha cabeça e atravessando meu corpo, até meu coração. Estava completa e absolutamente chocado, sem saber o que dizer ou como processar aquelas informações.
– Meu irmão estava investigando as mesmas pessoas que você. – desvio o olhar de Tyler. – Não sabemos o que motivou ele a ir atrás dessas pessoas, mas ele estava muito empenhado em saber o que estava acontecendo. Os policiais estão analisando os documentos que eu entreguei há mais ou menos duas semanas, acho que ainda nem conseguiram terminar de ler tudo.
– Se os acidentes foram os mesmos, eles...
– Acho que eles perceberam que, por causa do estado que a moto dele ficou, ninguém ia atrás e tentaram repetir isso com você. Mas meu irmão era corredor ofensivo, ele alterou a moto pra ficar em velocidade de corrida, sempre no máximo. Atravessávamos a cidade em menos de 5 minutos. Ele treinava em pista fechada todos os finais de semana e em retas, esticava muito. Você é completamente diferente. E digo mais, Felix... – eu o observo, sem falar nada. – Quando comecei a reestruturar sua moto, desmontar, pra entender as peças que ia precisar comprar, Yohan ficou na minha cola.
– Eu não acredito nisso. – uma vontade de chorar toma conta do meu corpo e ele se levanta, vindo até mim. – Não quero mais ouvir nada.
– Pode chorar... – é tudo que ele diz, me abraçando e pela primeira vez em minha vida, um choro sofrido toma conta do meu corpo. Era um choro tão forte, que eu sentia dor física, como se uma parte do meu corpo tivesse sido amputada sem anestesia.
Eu não conseguia entender o motivo pelo qual meu irmão compactuaria com uma coisa assim. Será que ele me odiava de verdade por causa de Tyler, ou apenas era uma desculpa pra me causar dor? O que eu tinha feito de tão ruim para Yohan, a ponto de ele procurar jeitos de me atingir de formas tão brutais?
– Será que eu mereço isso? – pergunto, depois de um tempo chorando sem parar e ele segura meu rosto, enquanto as lágrimas continuam saindo pelos meus olhos.
– Não. – Tyler responde. – Eu sinceramente não sei o motivo de Yohan estar compactuando com tudo isso, Felix, mas certamente não é por causa do nosso relacionamento ou algo do tipo. Você sempre foi um irmão excelente, na verdade você é uma pessoa excelente... não tem motivação no mundo que justifique alguém fazer essas coisas com outra pessoa, ainda mais se essa pessoa for você.
– Mas primeiro a questão do Paul em NY, agora isso? Não é possível, Tyler... esse garoto me odeia tanto assim? Eu comia na mesma mesa que ele, corria até o outro lado do estado, se precisasse, por ele... – continuo chorando.
– Eu sei. – ele me abraça mais uma vez.
Eu nunca tinha chorado como chorei naquele momento. No mesmo grau de dor, foi como se eu lavasse minha alma, agora, de todas as tristezas que já tive na vida. Meu balde de sentimentos tristes tinha, finalmente, transbordado, depois de tantos anos engolindo choro.
No final das contas, assim como foi para o sentimento de raiva quando espanquei Paul, depois que terminei de chorar tudo o que tinha de reserva de água pra isso, era como se nunca tivesse ficado triste na vida.
– O Erick começou a fazer tratamento. – observo Tyler. Estávamos há cerca de 10 minutos em um silêncio confortável naquele quarto, desde que eu tinha parado de chorar. Eu estava lendo e ele também.
– Isso é bom. – falo. – Não vejo o Erick como um cara mal, ele é um cara que estava cego. Mas até aí alguém aqui também estava...
– É. E ele é bem grato a você, por tudo que fez. Até foi ajudar Mike, Anista e eu na montagem da sua moto. – ele conta a eu fico surpreso. Realmente meu tempo de "férias" estava me fazendo perder momentos completamente inacreditáveis.
– E como a moto está? – pergunto e ele pensa um pouco.
– Mike precisou entrar em contato com alguns fornecedores internacionais pra conseguir alguns componentes que ela tinha perdido, mas no geral, quando sair daqui ela vai estar te esperando. É engraçado, mas parece que ela sente sua falta. – é o que ele responde.
– Eu sei que sente, na vida, ela é o que eu mais amo. Sonhei com aquela moto por muitos anos. Quando meu avô me trancava no meu quarto sem nada pra ler, comer ou brincar, eu ficava analisando um pôster de uma CBR1000RR que tinha atrás da minha porta. Foi minha companhia, meu sonho, meu objetivo, meu propósito por muito tempo. – respiro fundo. – Sabe uma coisa? – ele me observa. – Eu ia acelerar um pouco mais aquele dia. Mas aí algum pressentimento me fez pensar em parar pra olhar ela, como se algo estivesse errado. Eu estava em uma velocidade de 120km, eu acho, quando decidi reduzir sem frear.
– Você usou o freio motor da moto? – ele pergunta e eu concordo com a cabeça.
Freio motor nada mais é do que deixar a moto andar, sem acelerar. Ela corre no próprio peso, mas sem o estímulo da aceleração intensificando isso. Geralmente as pessoas fazem isso em descida, quando se sentem inseguras por conta de curvas ou má visão. O estranho é eu ter pensado em fazer isso em uma via onde estava sozinho e sem nenhum tipo de ladeira ou curva.
– Eu nunca tinha feito isso nela. – conto e Tyler fica me encarando, em silêncio. – Era pra eu ter freado como sempre faço, mas simplesmente não pensei nisso de primeira, quando ela reduziu até uns 80km eu me estressei e aí sim apertei o freio. Foi quando tudo aconteceu.
– Jensen sempre usava freio motor quando ia correr em autódromos. – olho nos olhos de Tyler por algum tempo, vendo seus olhos marejarem. – Parece que alguém não queria que você passasse pelo mesmo que ele passou. – ficamos em silêncio.
O telefone dele começa a tocar e ele atende. Parece ficar surpreso com alguma coisa e quando desliga, me observa por um tempo. Era engraçado o processo de Tyler de entender a mensagem que tinha recebido e ponderar, se deveria ou não me contar.
– Fala logo. – peço, evitando ele de passar por tantos conflitos.
– Beleza, pra começo de conversa, o Yohan foi preso. – fico em silêncio, quando ele percebe que eu não falaria nada, continua falando. – Ele foi preso, agora. Ele, o cara que ele se encontrava e outras pessoas da quadrilha. Foram presos no mesmo momento que outras ramificações que a polícia conseguiu interligar em outros estados e cidades. A segunda coisa é que aparentemente Jensen deixou uma carta pra mim no meio dos documentos que deixei na polícia.
– Então vai lá agora e busca. – digo e ele me observa.
– Não sei se tenho coragem. – ele se senta, pensativo.
– Você certamente leu todos os papéis que ele tinha no quarto, buscando algo assim e agora que tem, não quer saber?
– Eu não sei se tenho forças mais. – Tyler começa a roer as unhas, em um conflito nada amigável consigo mesmo.
– Claro que tem. Porque assim como estava comigo, seu irmão também está com você. E ele precisa saber que foi ouvido. – é o que respondo e ele se aproxima, me dando um beijo.
– Me ligue se precisar de mim. – confirmo com a cabeça.
Tyler sai do meu quarto em seguida e eu ligo a televisão. Nela, uma reportagem estava passando justamente sobre a operação. Me entretenho ali entretido por algum tempo, até ver meu pai passar na frente do meu quarto. Ele para e dá duas batidas. Quando autorizo, ele entra.
– Como estamos? – ele pergunta, se aproximando e eu dou de ombros.
– Fiquei sabendo sobre Yohan. Tudo isso é uma pena imensa. – é o que respondo e ele se senta na poltrona ao meu lado, ficando em silêncio por algum tempo.
– Não. – responde e eu o observo. – Sabe, filho, no meio tempo em que ficou desacordado eu tive a oportunidade de conviver bastante com Tyler. Você estava certo quando disse que achava que ele era um bom rapaz, ele é. – ele me olha. – Ele abriu meus olhos pra muitas coisas que eu talvez até já soubesse, mas não queria assumir.
– Entendi. – é tudo que digo.
– Não, não entendeu. – ele fica de pé. – Uma pena não é o Yohan estar pagando pelas atitudes dele, é eu ter te causado tanta dor também... e algumas, por causa dele. Tudo que aconteceu na sua vida de ruim, até hoje... o problema em NY e agora a sua quase morte, foram ele. E mesmo eu dando minha vida no trabalho pra salvar muitas pessoas, não fui capaz de salvar o meu filho. Eu quero te pedir perdão, Knox, por ter sido uma pessoa tão miserável com você.
– Me desculpa também, pai. Eu não fui fácil...
– Não, para. – continuo observando ele, que já estava com os olhos marejados. – Tudo isso foi culpa minha. Eu te mandei pro seu avô, mesmo sabendo o que isso significava, eu. Sua mãe sempre foi contra, mas eu insisti. Não me peça desculpas eu fui um dos maiores fatores negativos da sua vida, quando deveria ter te ajudado, protegido e compreendido.
– Acho que as duas pessoas dentro desse quarto são humanas. As duas têm passados, memórias que não serão apagadas e dores talvez incuráveis, pai... mas as duas ainda têm tempo. Eu fui condicionado a fazer coisas ruins, quando tudo que eu sonhava todas as vezes que levava uma surra do meu avô por tossir dentro de casa, era ter uma família. – começo a falar. – E eu seria muito ignorante se simplesmente não me importasse, agora, pra oportunidade que estou tendo de abraçar minha única família. No final das contas o que eu quero dizer é que sei que não fui fácil, por isso peço perdão. E se me perdoar, quem sabe a partir de agora possa ir aos meus jogos... – ele sorri, vindo até mim e me abraçando.
– Me perdoa. – ele pede, enquanto mantém o abraço. – Me perdoa de alma e coração.
– É claro que eu te perdoo, o senhor é o meu pai. – é o que respondo.
Parecia que aquele dia tinha sido reservado para extravasar as emoções que eu sempre evitei. Receber um abraço do meu pai teve uma reação no meu cérebro que eu jamais esperei sentir nessa vida: eu me senti a pessoa mais acolhida e amada do mundo.
– Acha que vamos conseguir passar por esse momento difícil com meu irmão? – pergunto e ele me solta um pouco, respirando fundo.
– Com certeza. Ele tá vivo, tá bem, vai pagar pelas coisas que fez. Sinceramente eu nem reconheço a pessoa que está detida. – é o que ele responde. – Ele está frio, eu perguntei o motivo, pelo menos de tudo que ele fez com você e ele riu.
– Sinceramente, pai... nunca conheci meu irmão. Acho que a gente nunca conheceu, na verdade. Tudo que sabemos sobre o Yohan, tiramos de achismos, entende? – digo e ele sorri.
– É verdade. Pra você ver, nem gay ele é. – ele comenta e eu o observo, incrédulo.
– O que? – pergunto e meu pai sorri.
– Primeira vez que te vejo incrédulo. – ele brinca e a gente sorri. – Lisandra o nome da menina que ele namorava. Ela foi depor hoje, quando soube de tudo. Parece que quanto mais a gente acha que conhece alguém, menos conhece, não é?
– Com certeza... – respondo, pensativo.
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