Amor
– Cara, é inacreditável que o Yohan seja a pessoa por trás disso tudo. – Erick comenta.
– Quem diria, né? Você desacreditava tanto dele... – respondo e ele me observa por poucos segundos.
– Eu não desacreditava dele... – encaro Erick. – Ok, eu desacreditava e muito da capacidade desse cara de fazer qualquer coisa ruim. Ele parecia um rato naquela escola, era impressionante.
Ele era a pessoa que mais subestimava Yohan pra mim. Erick sempre falou o quanto ele era um pobre coitado que não merecia atenção e que se eu continuasse dando moral pra ele, perderia o respeito de algumas pessoas.
Agora ali estava ele, chocado, desde que contei sobre a realidade do que estava acontecendo. Isso já tinha acontecido há uma semana e ele permanecia em choque. Erick estava tão impressionado que tinha se juntado na nossa força-tarefa de montagem da moto de Felix apenas pra ter com quem desabafar sobre esse assunto.
– Não sei se ele estava envolvido com o que aconteceu com o meu irmão. Era muito novo aqui, não tinha tantas pessoas em seu convívio, mas certamente ele tem ligação com o que aconteceu com o irmão dele em NY. – explico. – Felix me disse que o maior trauma sobre essa situação, foi sentir que o cara que tentou estuprar ele sabia quem ele era.
– Mas por qual motivo um irmão mais novo faria algo assim?
– Às vezes as pessoas apenas são más, Erick. – respondo. – Yohan teve tudo que o Felix sonhou em ter e mesmo assim fez maldades até com a própria sombra. Mesmo Felix sendo a pessoa mais machucada que já conheci, desde o primeiro minuto que pisou aqui, ele cuidou do irmão. E outra, alguma coisa seria motivo suficiente pra marcar alguém assim?
– Sobre o que estão falando? – Mike chega, ele tinha ido buscar alguns parafusos.
– Sobre o caso. – respondo.
– Cara, deixa isso com a polícia. – ele fala, mas eu ainda não estava satisfeito.
– Não, se liguem... – começo meu raciocínio. – Eu passei esses quase 2 anos lendo tudo que meu irmão deixou pra trás. Até os cadernos dele com conteúdos da escola e as caixas que vieram do apartamento que ele tinha acabado de alugar, na Inglaterra. Nunca achei nada sobre o Bill, ou qualquer outra coisa.
– Tá supondo o que? – Erick pergunta.
– Acho que ele escondeu em algum lugar. Mas sei lá, pra mover cama e outros móveis, vou precisar de ajuda. – olho pros dois, que se entreolham e coçam a cabeça ao mesmo tempo.
Sabia que tanto pra Mike quanto pra Erick eu já estava parecendo meio paranoico, mas sabia que meu irmão tinha caído pelo mesmo motivo que Felix: ele estava na bota daqueles caras. A forma como ele falou comigo, quando me viu conversar com Bill me dizia isso e minha intuição não aceitava ideia contrária.
– Sua mãe mata a gente. – Erick comenta.
– Vão de madrugada. – apresento a solução e eles ficam contrariados. – Hoje meu pai tá fora da cidade e minha mãe toma remédio pra dormir. Agora com tudo isso, ela toma dose dobrada. Venham de madrugada na minha casa pra passar isso a limpo. Podem me ajudar?
– A gente tem escolha? – Mike pergunta e eu nego com a cabeça. Ambos sorriem, voltando a fazer o que estavam fazendo em seguida.
Naquela tarde de sábado eu continuei a manutenção da moto e depois disso fui pro hospital. Felix já começava a demonstrar melhora com os exercícios respiratórios e segundo exames que ele fez, o que realmente o salvou foi seu capacete. Não parecia ter sequelas de memória ou qualquer tipo de comprometimento físico – e isso fez com que eu me sentisse grato por ele amar sua moto e evitar ao máximo qualquer forma de danificá-la.
– Acreditamos que com esse ritmo em cerca de 1 mês ele já poderá ir pra casa. – o médico explica. – Vamos acompanhar o desempenho dele na cinesioterapia também, já essa semana, quando ele terminar o processo de ventilação não invasiva, pra entender o quanto de desenvolvimento corporal ele perdeu nesse tempo que passou desacordado, além de ajudar com as dores do impacto. Seu filho teve muita sorte, Lúcio, ele não quebrou nenhuma parte do corpo, mesmo que a queda tenha sido violenta.
– Eu tenho um plano de saúde, com fisioterapeuta especializado em acidentes automobilísticos. Quando ele estiver pronto pra começar, posso estender para que ele possa atender o Felix. – meu pai oferece.
– Não, isso provavelmente custa bastante... – é o que Lúcio responde a ele.
– Faço questão. – meu pai rebate. – Se o meu filho tivesse tido a chance de viver novamente, eu iria querer que ele tivesse a melhor forma de recuperação. E o seu filho começou toda a investigação que poderá trazer a mínima sensação de justiça pra nossa família. Se existe uma chance da minha esposa conseguir dormir sem precisar se dopar, essa dívida já estará paga. – Lúcio concorda com a cabeça.
– Tudo bem, muito obrigado. – é o que ele responde e eu vejo pelo vidro Felix me chamar com a mão. Entro no quarto.
– Sobre o que esses velhos tanto falam? – ele pergunta de forma arrastada, enquanto ainda está com a máscara e eu sorrio.
Ele tinha acordado há uma semana e a cada dia parecia estar melhor. Era como se ele tivesse sido protegido naquele acidente.
– Sua recuperação, o médico disse que está indo bem, o que tem feito pra melhorar? – pergunto.
– Lido, eu acho. É a única coisa que consigo fazer, como antes... ou quase isso. – responde e eu dou um beijo em sua testa, me sentando próximo a sua cama.
– Segui sua investigação. – ele me olha. Ainda não tinha comentado com ele sobre isso, por serem informações demais e não sabia se poderia ficar enchendo a cabeça dele com essas coisas.
Mas não aguentava mais não falar sobre isso. Tinha dado tanto trabalho e dedicação que eu acreditava que ele merecia saber que as coisas tinham se encaminhado com sua ajuda.
– Eu sabia que seguiria, caso alguma coisa acontecesse comigo. – ele diz e eu sorrio.
– É, eu percebi. O papel que achou o Storage, era um que seu irmão alugou pra colocar uma papelada relacionada ao tráfico. – explico.
– O que mais?
– Encontrei uma pasta, Felix... – respiro fundo, procurando uma forma de falar.
– Anda logo, eu tive uma pequena queda, não sou de porcelana. – ele rebate e eu sorrio. Mesmo humor de sempre.
– Era uma pasta de uso exclusivo da polícia, sobre o cara que você apagou. – o olhar dele muda. – Lembra quando me disse que ele parecia te conhecer? E se ele te conhecesse? A polícia está investigando, chamando os meninos que sobreviveram pra depor. Muitos disseram que não reconheceram ele, porque não viram seu rosto, mas quando os policiais mostraram as tatuagens que esse merda tem... eles reconheceram.
– E aí?
– Yohan tentou te incriminar, escondendo drogas no seu quarto, mas eu depus... porque eu fiz uma faxina no seu quarto, não tinha nada. Seu pai até me ajudou a tirar as roupas de cama e essas coisas... – os olhos de Felix se enchem e as lágrimas descem, timidamente pelo seu rosto. – No geral seu irmão não sabe o que está acontecendo, todos estamos agindo "normalmente", até as investigações se fecharem em NY e podermos acusar e prender todos eles juntos. Eles estão mapeando as casas que eles frequentam, os bares que visitam, tudo. O medo da polícia é suspeitarem que estão sendo assistidos e tentarem fugir.
– Por que não me contou? – ele pergunta e eu respiro fundo, segurando sua mão.
– Sua preocupação tem que ser sair dessa cama, dormir comigo e andar de moto logo. – ele sorri. – Quando estiver melhor, te conto os passos que segui.
– Minha moto ficou muito ruim? – Felix pergunta.
– O que você lembra?
– Tentei frear, ela não freou, escutei um estalo e ela shimou. Tentei controlar, mas o guidão estava solto e o freio não funcionou, eu não sei o que foi aquilo. Acho que a minha sorte é que eu estava sozinho na via. – ele respira e descansa um pouco antes de falar. – Eu tentei inclinar pra ela deslizar no asfalto e eu sentar em cima dela, mas ela me arremessou, eu atravessei o campo e ela voou em minha direção. Depois de ver ela passar um pouco acima do meu corpo, apaguei.
– Ela ficou meio capenga sim. – ele sorri, desviando o olhar. – Mas daqui alguns dias eu termino de arrumar.
– Você o que? – ele olha nos meus olhos.
– Tive muitas atividades extracurriculares, enquanto esteve ausente. – me aproximo dele. – Até joguei meu primeiro jogo de basquete e pro seu conhecimento eu dei 3 tocos e peguei 2 rebotes. – ele parece impressionado com meus números expressivos.
– Não precisava arrumar minha moto...
– Foi o único e último presente que ganhou da sua mãe e do seu pai juntos, se esqueceu? – os olhos de Felix marejam. – Tudo bem que agora a gente entra naquele dilema de "quantos por cento dessa moto é realmente a original", mas foi de coração. – rimos.
– Posso receber um carinho? – pergunta e eu me aproximo mais, brincando com seu cabelo.
Aquele cafuné, pra mim, foi a descarga de adrenalina que precisava, depois de viver esses últimos tempos preocupado e pensativo por 24h do meu dia. Não tinha um dia que eu não acordava e ia dormir pensando em como resolveria toda aquela situação.
Além disso, a saudade que estava sentindo de Felix esmagava meu coração. Durante o tempo em que ele ficou desacordado, eu sentia como se meu lar estivesse com as portas fechadas e eu não pudesse, sequer, tocá-lo. Acredito que esse misto de sensações e frustrações despertaram um lado que eu tinha, mas estava adormecido há muitos anos.
Felizmente fui certeiro e as provas que apresentei no momento certo – e na quantidade certa – não puderam ser ignoradas. Eu sabia que pra Yohan seria fácil persuadir a todos com sua versão inocente e bem intencionada, se não fosse suficiente. O problema pra ele é que a mentira é uma linha longa que fica pra sempre presa em nossas costas, esperando que alguém interessado venha e puxe, descobrindo toda a verdade que vem com ela.
Depois que comecei a fazer cafuné em Felix a visita desandou e ficamos por muito tempo. O carinho que sentia por ele já estava transbordando do meu coração e precisava colocar isso pra fora de alguma forma. Conversar tocando-o era o melhor conforto que poderia receber na vida. Quando o horário de visita terminou, saí do quarto, me despedi dos policiais que ficavam cuidado de Felix e fui pra casa. Naquele dia, por volta das 2h da manhã os caras chegaram e começamos nossa investigação pessoal no quarto do meu irmão.
Mudamos tudo de lugar. Olhamos embaixo de guarda-roupa, procuramos fundos falsos, tiramos cada pôster e quadro da parede. Mike verificou cada madeira do chão, procurando um piso falso, ou algo do tipo. Não encontramos nada.
– Não tá aqui. Onde caralhos seu irmão guardaria uma coisa, se quisesse esconder de todos, menos de você? – Mike pergunta e eu me sento no chão, pensando. Olho ao redor daquele quarto por algum tempo, procurando na minha memória mais remota algum tipo de pista, até travar meu olhar em Erick.
– Merda. – digo, me levantando.
– Que é? – Erick pergunta e encara Mike, que dá de ombros.
– Venham, passos leves. – os chamo e saímos do quarto de Jensen. – Me ajudem a abrir, sem fazer barulho. – peço, apontando pra entrada do sótão e eles concordam com a cabeça. Puxamos a escada cuidadosamente e subimos.
O sótão era o lugar onde meu irmão guardava as coisas da moto, porque tinha muitas e isso acumularia muito espaço em seu quarto. Tinham as outras jaquetas, peças, ferramentas soltas e até mesmo as primeiras motos dele, que posteriormente foram minhas e de Anista também. Meu pai nunca tinha se desfeito delas, por não querer se despedir das memórias que elas representavam.
– E aí? Tem dimensão de onde ele deixaria os documentos? O que estamos procurando? – Mike pergunta, olhando ao redor.
Minha mãe ia naquele sótão recorrentemente chorar. Era o local de conforto dela, onde ela podia ter seu momento melancólico sem ter que dizer nada a ninguém. Por esse motivo uma parte das coisas estava limpa, mas eu sabia que meu irmão não correria o risco de deixar informações tão importantes correndo risco de serem perdidas/doadas ou vendidas.
– Sim, procurem uma maleta, grande, azul escura. É a maleta que ele ganhou do meu avô com umas ferramentas da época que ele corria. – explico por cima, mas eles continuam parados, me encarando.
– Seu avô era piloto? – Mike pergunta e eu me viro pra ele.
– Sim, ele correu nos anos 50 no MotoGP, meu irmão não te disse isso? – pergunto e ele permanece me encarando, sem piscar.
– Você tá brincando. – é o que responde e Erick começa a rir da cara de surpresa de Mike.
– Não. – sorrio também. – Acham que a minha família é tão envolvida com motos por qual motivo? – eles se olham, incrédulos. – Meu pai não comercializa moto porque gosta, até hoje minha mãe se culpa pela morte do meu irmão, porque acha que nunca deveria ter aceitado e só de falar que quero ser piloto profissional ela falta infartar. Tudo na vida tem um motivo, deveria saber disso, Mike. – ele continua em choque. – Anda, me ajudem a achar essa maleta. Ela provavelmente é a única coisa que deve estar empoeirada, minha mãe não chega perto. Jamais abriria, mas jamais se desfaria também.
Ficamos cerca de 2 horas revirando tudo que tinha ficado naquele sótão – de forma organizada, assim como fizemos no quarto. Tirávamos do lugar, se não estivesse, colocávamos de volta. Isso perdurou, até que atrás de uma das pilhas de caixas que estavam no fundo dele, encontrei a caixa. Fiquei encarando ela por um tempo, antes de abrir.
– Abre logo, porra. – Mike pede e eu me agacho. Quando abro a caixa, apenas ferramentas. – Que merda! – ele sussurra, irritado. Já era próximo das 6h da manhã de um domingo, precisávamos de discrição.
– Espera. – me agacho novamente, tirando tudo da maleta e, em seguida, tirando um fundo falso.
Naquela parte existiam duas pilhas de documentos, fotos e arquivos que comprovavam o envolvimento de várias pessoas no tal esquema que tínhamos denunciado. Quando peguei uma das fotos, Mike pareceu assustado.
– Esse não parece o treinador Bill? – pergunta. Ele estava alguns anos novo do que Mike tinha convivido.
– É, com o Paul Anderson. – respondo.
– E quem é esse cara? – Erick questiona e eu olho em seus olhos por alguns segundos.
– É o cara que tentou abusar do Felix. O cara que tá em coma. – respondo.
– Eles parecem mais novos que na minha última memória com o treinador. – é o que Mike comenta e eu concordo com a cabeça.
Paul estava em coma há praticamente 4 anos. Na ficha policial desatualizada que eu tinha encontrado, ele tinha 20 anos e tinha acabado de sair da cadeia. O treinador, nas fotos, não tinha a barba tão cumprida quanto atualmente, então provavelmente ele tinha passado a deixar ela crescer pra ficar um tanto quanto irreconhecível desde que meu irmão foi assassinado.
– Isso deve provar o envolvimento dos dois, não? – pergunto e encaro Mike e Erick, que confirmam com a cabeça.
Depois que eles foram embora eu tentei dormir um pouco, pra conseguir organizar minhas ideias pra conversar com a polícia no dia seguinte. Deu certo, acordei pouco depois das 9h da manhã e liguei para Lúcio, antes mesmo de sair da cama. Ele me disse que estava na delegacia, então joguei tudo que encontrei dentro da minha mochila e fui pra lá.
– O que achou? – ele pergunta, com um investigador que tinha sido designado para o caso ao seu lado.
– Lembra que conversamos que meu irmão perseguia o Bill e que era por isso que eu achava que ele tinha sido assassinado? – pergunto.
– Claro. Vem comigo. – ele me chama e vamos até uma sala fechada para conversarmos sobre isso.
– Eu não tinha como encaixar, não entendia qual a ligação de Bill e Yohan, como eles tinham se conhecido e o motivo pelo qual eles aparentemente trabalhavam juntos... bom, achei muitos documentos nas coisas dele ontem e olha isso. – mostro a foto pra eles, que se entreolham.
– Isso aqui é de uns 5 anos atrás, quem sabe... o Paul certamente ainda não tinha tentado fazer o que tentou com o Felix. – o investigador comenta e eles dois se olham. – Eles parecem estar comemorando a saída dele da cadeia, não? Olha... – ele aponta pra uma tatuagem de Paul e pega o arquivo atualizado dele, de quando tinha saído. Logo em seguida ele também pega o arquivo da última vez que tinha acabado de ser detido. – Essa tatuagem é nova, quando ele foi detido, não tinha, mas nas fotos da liberação, ele tinha. Provavelmente fez na última vez que foi preso, lá mesmo.
– Acho que o seu irmão não fazia ideia que estava esbarrando com dois traficantes internacionais. – Lúcio comenta, olhando em meus olhos. – Eles são amigos, agora a gente só precisa entender se o Yohan é vítima que está sendo obrigada a trabalhar, ou cúmplice. Tô praticamente morando nessa delegacia pra não ter que olhar pra cara do meu próprio filho. – ele diz e o investigador coloca a mão em seu ombro por alguns segundos.
– Daqui a pouco tudo isso acaba, Lúcio. Vou encaminhar tudo pra polícia de NY. Onde achou isso? – o investigador pergunta, recolhendo tudo e eu coloco minha mochila na mesa.
– Em um lugar que meu irmão sabia bem que só eu encontraria. – é o que respondo. – E de onde essas fotos vieram, tem muito mais coisa. – abro a mochila e eles parecem surpresos, concordando com a cabeça. Depois de entregar tudo, começo a andar até a saída da sala.
– Tyler... – Lúcio me chama. – Seu irmão era o um excelente piloto. – concordo com a cabeça, olhando pra ele. – E você é um excelente investigador. – sorrio, sentindo meu coração bater mais forte ao ouvir essa afirmação.
– Obrigado, Senhor. – é o que respondo, sentindo meus olhos marejando e saio da delegacia em seguida.
Tinha certeza que eu havia acabado de achar minha vocação.
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