Capítulo 7: Começo, Meio e Fim.


Capítulo 7: "Começo, Meio e Fim"

Contemplar a lápide da filha Grace Behan naquele entardecer cinzento no cemitério particular dentro do vasto terreno da Congregação despedaçava a alma de Claire, que chorava em silêncio, recordando de suas escolhas e consequências. Uma decisão letal a levou a testemunhar paralisada cada revés de seus familiares e teria que buscar forças para conviver com isso para sempre.

— Perdão, minha filha — pediu Claire, enquanto lágrimas silenciosas desciam pelo rosto, infeliz. — Eu tinha que fazer.

Olhou para o túmulo do genro, e ao lado, outro de sua neta pouco mencionada, que faleceu aos quatro anos, irmã de Susan. Estar neste lugar que lhe fatiava a alma.

— Eles sabiam que era ela... — Passou a mão no rosto. — Não podia deixar que me tirassem o que me restou. — Olhou para cima. — Não era para vocês terem morrido, eu que deveria estar naquele maldito carro. O Universo foi injusto levando vocês... Me condenou a enterrar os mortos.

Claire ouviu um graveto se partir e olhou para trás assustada. Zenneher a observava.

— Nunca entendi este acidente e toda a tragédia em torno de sua família — disse ele em tom solidário.

Zenneher encaminhou-se em direção ao túmulo da irmã e sobrinha, assassinadas por Feltrin, o que fez o coração de Claire bater com mais intensidade.

— É uma dor incurável — completou ele, colocando uma rosa branca em cada lápide. — Ameniza com o tempo, porém jamais cicatrizam.

Claire concordou com um sorriso discreto.

— Tento buscar explicações para tudo o que ocorreu e absolutamente nada justifica. É imperdoável o que Feltrin fez e sei que ele está próximo e irei matá-lo por isso.

Claire ficou de pé engolindo o choro que insistia em surgir. Tossiu.

— Notícias de Cybele?

— Não. Ela sempre desaparece, mas dessa vez a sinto muito distante.

— E a sua neta, Susan? Amiga da Talbott. — Revirou os olhos ao falar da jovem.

— Também não a vejo há dias.

— Me informaram que ela está com Notwen. Isso é grave.

— Ela está perdida entre a verdade e a mentira. Assim como muita gente ao nosso redor. — Baixou os olhos.

Zenneher intuiu algo estranho nas palavras.

— Você também a bloqueou, Claire. — Avaliava, unindo as sobrancelhas. — Dylan bloqueou Marine devido à dualidade... E você? Por que não deixou Susan trilhar o próprio caminho?

— Por medo. — Foi bem objetiva. — Medo de perdê-la por algo criado por mim.

Zenneher estreitou o olhar e tentou aproximar-se, ao mesmo tempo que Claire saiu caminhando com o olhar perdido, sem despedir-se.

Havia um embate explícito naquela troca de olhares vultosos e faiscante, que de fato exprimia a verdade que sentiam uma pela outra: desprezo. Um ódio indescritível crescia no peito de Marine, havia algo além daquele ódio, algo que necessitava descobrir.

Taylor cruzou os braços, ao mesmo tempo que Marine dirigiu-se até ela, encarando-a taciturnamente. Nada gritava mais alto que o som do silêncio que as interligava.

— Você não imagina o quanto estou feliz em vê-la — ironizou Taylor com um sorriso de canto.

— Posso imaginar — respondeu, analisando o semblante da ruiva. — Apenas quero que saiba que irei provar mais cedo ou mais tarde que você é uma das responsáveis pelo que aconteceu comigo — assegurou Marine firmemente.

— E o que aconteceu com você? — Elevou o rosto como se a desafiasse responder.

Marine estreitou os olhos e respondeu:

— Tenho a nítida certeza que você sabe — afirmou com precisão.

Taylor fingiu se assustar, levando as mãos ao peito.

— Como saberia, Talbott? — Ria com os olhos.

— É isso que irei descobrir, Greene — assegurou com frieza.

— Vou aguardar a sua prova material para, em seguida, contestá-la — ponderou em um tom mais baixo.

— É o que veremos.

Continuaram entreolhando-se por mais alguns segundos, quando o celular de Marine tocou novamente, era Sayne mais uma vez. Voltou a olhar para a sua oponente e saiu com a expressão fechada.

De uma das antessalas, Carl Dornan surgiu com alguns livros em mãos, surpreso com a ousadia de Taylor.

— A Congregação inteira está defendendo-a e você ainda continua brincado com fogo — comentou ele, afirmando que precisava ter mais cuidado.

— Eu sou o fogo. — Abriu o lindo sorriso e avançou alguns degraus, olhando para a floresta, procurando por William.

— Será que você não vê que está perdendo seu tempo?

Taylor continuou olhando para o caminho que entre as árvores que ele levou Sarah.

— Ele não gosta de você, e pelo que vejo, jamais irá gostar.

Taylor virou-se raivosamente com o athame em mãos colocando-o contra a parede.

Carl assustou-se e ergueu as mãos pedindo que ela parasse.

— Nunca mais repita isso. — Puxou a arma e colocou na bainha das vestes. — Desculpa. — Fingiu arrependimento enquanto ele agachou-se para agrupar os livros.

— Você sabe que isso me afeta.

— Isso é uma obsessão — afirmou ele, apanhando algumas folhas soltas e fotos. — Que poderá fazer você perder tudo.

— Eu sei — concordou murmurando. — Tenho que repensar tudo isso.

Taylor viu uma foto com quatro pessoas e perguntou sobre os outros dois.

— Kate minha namorada e o irmão dela.

— Aiden Moore — disse Taylor, olhando a foto do jovem loiro de cabelos na altura do ombro e olhos escuros. — Bonito. — Disfarçou a atenção que recaiu sobre ele.

— Está solteiro. — Informou Carl, ainda surpreso com a reação de Taylor. — Seria uma boa opção para você esquecer esse idiota do William Collins.

Taylor sorriu e concordou.

— Há alguma previsão de retorno?

— Nenhuma. Zenneher parece que o exilou lá. Mas, pelo que me disse, está pensando em fugir.

Taylor instigou.

— Seria uma excelente opção, e se precisarem de apoio financeiro, pode contar comigo. — Sorriu, virando-se para a paisagem, buscando o caminho tomado por William.

William conduziu Sarah até um dos bosques dentro dos limites da Congregação. Necessitava de silêncio para imersão do aprendizado. Ao apanhar os utensílios na mochila, notou a expressão incomum da jovem.

— Está tudo bem?

Sarah respondeu sorrindo tentando disfarçar.

— Sei que nos conhecemos a pouco tempo, e não quero ser invasivo, mas percebo que ocorre algo.

Sarah permaneceu em silêncio olhando para ele.

— É algo referente ao aprendizado? Alguma dúvida, medo? — indagou, atento.

Após uma longa respiração, Sarah respondeu hesitante.

— Falei a pouco com a Marine. Estou com medo, Will. — Buscava palavras. — Medo dessas visões. Não sei administrar isso — confessou, ofegante. — A joia sumiu. — Tocou no pescoço.

— Calma, Sarah. A joia inacreditavelmente voltou para o lugar de origem. Assim como todos os documentos. Nora me informou, não sabemos quem fez, mas indiretamente nos salvou. Comentemos uma violação gravíssima, e que poderia gerar consequências ruins a você, afinal o poder de sua mãe, corre nas suas veias. — Tocou-a no ombro. — Quanto ao medo, é absolutamente normal, afinal a clarividência neste nível que pertences, é, de antemão, assustadora, mas saiba que irá se nivelar com o tempo.

Sarah tocou no braço dele e comprimiu os lábios temerosamente.

— Não funcionou com a minha mãe. — Olhava sem rumo. — E nem com o pai de minha mãe. Não sabia o que era, por ser criança, mas ele também enlouqueceu. Tinha sete anos quando ele morreu, e a minha mãe supostamente morre da mesma forma.

— Supostamente? — Averiguou William.

— Ela foi assassinada William, eu sei. E eu tenho o mesmo dom que eles. — Os lábios tremeram. — Não quero ter o mesmo fim.

William a abraçou ternamente tentando amenizar o desespero de sua aprendiz.

— Não terás.

Neste mesmo instante, as folhas secas ao chão subiram e uma densa energia pareceu solidificar o ar, fazendo-os cair, como se um gigantesco peso tivesse caído sobre os dois.

Do alto, a figura encapuzada desceu entre as árvores com o athame em mãos.

William surpreendeu-se, afinal estavam em uma área segura, movimentou-se rapidamente e desembainhou seu athame, ecoando um tintilar das lâminas.

— Foge Sarah! — bradou William, ficando de pé.

William avançou com raiva, recordando do embate anterior, enquanto o Encapuzado ria da coragem do jovem.

— Ousas me desafiar protegido de Dhorion?

Giravam pelo ar, quando a lâmina do encapuzado caiu.

Sarah os observava sem conseguir levantar-se do chão.

— Não apenas desafiar, mas lhe matar seu covarde maldito. — Avançou para cravar sua punhalada fatal, porém seu oponente segurou firme na lâmina.

Sangue caiu sob o chão e os dois giraram novamente ao som da respiração profunda da figura.

William foi arremessado contra a árvore, e seu athame ficou nas mãos do Encapuzado, o qual virou-se para Sarah, ergueu a mão e a conduziu como uma boneca de pano até a sua mão livre.

— Olhe para mim — ordenou.

Sarah mantinha-se presa na energia conjurada silenciosamente por ele.

— Revelare spiritu tuo. — Evocou.

O oxigênio dos pulmões de Sarah despareceu, seus olhos ficaram brancos e surgiram os olhos de Kiara.

— Kiara, não queria que sua filha dividisse precocemente o mesmo plano que o seu — discorreu fantasmagoricamente. — Então, me responda, qual será o fim?

— Ele está atrás de você. — Respondeu Kiara através do corpo da filha.

William havia levantado vagarosamente e apanhado o athame do Encapuzado ao chão e caminhou devagar até ele, quando surpreendentemente soltou Sarah, que caiu, perdendo a consciência, e virou, enfiando a lâmina no abdômen de William, que também o apunhalara abaixo do peito.

Os dois entreolharam-se. William tentou erguer o braço, e o ardor do objeto triplicou. Querias ver o rosto, quando foi empurrado magicamente.

Taylor chegou ao local e estava com o athame erguido, afastando William da figura misteriosa.

Sarah voltou a si, extremamente zonza, quando viu Taylor cruzar o ar, no intuito de golpear o invasor, que avançava para assassinar William.

Raios cortaram o céu e desceram sob o Encapuzado, que ficou preso dentro da corrente de energia.

— Liberte-me sua infeliz, ou não lhe pouparei.

— A guarda está vindo, vá embora.

O Encapuzado avançou devagar para ela, com a eletricidade sendo controlada pela mente de Taylor.

— Não me faça machucar você — disse ela.

— O que ele representa para você?

William, caído ao chão, sangrando, tentava assimilar o que via.

— Tudo — respondeu secamente.

A energia intensificou-se, ao passo que os vigilantes chegaram.

Raios explodiram em todas as direções, atingindo vários, principalmente Taylor, que canalizou a energia para o céu. Em seguida, ouviu-se um som ensurdecedor de uma explosão.

Os vigilantes ergueram-se depressa, e procuram o Encapuzado em vão, recolhendo os athames dos três.

Taylor estava no chão, inconsciente, com um filete de sangue descendo pelo canto dos lábios.

A sala indicada por Sayne era circular, de iluminação opaca e sem moveis, apenas velas brancas com chamas azuis nas bordas. Assim que Marine tocou a maçaneta, sentiu uma descarga elétrica extremamente forte, tombando-a para frente.

Assim que caiu ao chão, sentindo o corpo formigar, a porta despareceu.

Sayne foi ao encontro da aprendiz e notou que um filete de sangue declinava pelos lábios.

— O que aconteceu?

Marine não sabia responder, apenas sentiu-se muito indisposta.

Sayne observou uma sombra desaparecer nos olhos da jovem. Encostou-a na parede e foi até sua bolsa do outro lado da sala circular, para apanhar um frasco revigorante.

— Beba tudo.

Marine obedeceu com as mãos trêmulas. Após ingerir a última gota do líquido viscoso verde, questionou o que havia ocorrido.

— É o que iremos descobrir — respondeu Sayne, entregando uma túnica branca. Virou de costas e pediu que ela usasse somente aquelas vestes.

A aprendiz agiu rapidamente, embora ainda sentisse um desconforto na cabeça. Tentava conter o nervosismo aparente enquanto Sayne desembainhava seu athame e sussurrava encantos, formando um pequeno círculo ao centro.

— Deite — pediu com cautela.

Marine obedeceu e notou que o teto era formando por espelhos hexagonais.

— Feche seus olhos e imerja para dentro de seus pensamentos, adentre o inconsciente de seu ser e vislumbre o núcleo de sua alma. — Falava com extrema cautela, canalizando a energia que fluía de Marine para sua mão esquerda. — Tudo o que somos são resultados de inúmeras vidas concedidas pelo mistério do universo. Não existe o acaso, assim como as escolhas foram e sempre serão determinantes pelo agora.

Todos os músculos de Marine relaxaram e ela foi tomada uma sensação de leveza, como se não existisse gravidade. A escuridão aos poucos foi se tornando clara, até assumir um branco ofuscante.

— Não se pode voltar no tempo, mas podemos paralisá-lo por breves segundos, resultando diversos paradoxos — continuou Sayne em tom quase sussurrante. — O que consequentemente gera inúmeras consequências, porque mesmo paralisando nossa linha temporal, indiretamente afetamos os demais, pois o universo conecta a todos. Somos o todo.

O branco foi se tornando cinza e a floresta mais uma vez se fez.

— A sua memória viaja através do tempo, e colide sempre com os mesmos erros e acertos, por causa da maldição em sua alma, o que deixa o a sua existência linear, irreversível, em um eterno movimento retilíneo. — Sayne via tudo o que a jovem via.

Marine caminhava sentindo o ar frio invadir suas narinas. Seus olhos embaçaram ao avistar a árvore seca novamente.

— Acorrentada a decisões que a condenam a uma eterna permanência.

A árvore movimentou-se, como se estivesse sendo tragada pela terra, transformando-se em Letes, que a observava com aqueles olhos frios.

— A sua dualidade elemental não significa apenas a prisão de seu espírito a Letes, mas uma libertação causada por uma fenda do destino que os une e os separa. O linear e o cíclico fundiram-se na sua atual existência, Marine Talbott.

Letes parecia a hipnotizar com aquele rosto pálido e olhos escuros na penumbra.

— Você não é apenas o começo, o meio e fim. Você é o recomeço, Evelyn — bradou Sayne.

Tudo despareceu aos olhos de Marine e seu corpo deitado ao chão convulsionou por sete segundos, trazendo-a para o presente, ouvindo o sussurro fantasmagórico de Letes. "Liberte-me".

Os olhos azuis de Marine se abriram, revelando uma íris escura, contemplando a jovem loira de cabelos longos e ondulados refletindo no espelho, olhando-a com uma expressão de tristeza. Uma lágrima desceu pelo rosto de Evelyn, e o mesmo ocorreu com Marine.

Sayne mirou na imagem, analisando todos os detalhes, e percebeu uma sombra nas costas de Evelyn.

— O que está em cima é como o que está embaixo — bradou a mulher.

Marine ficou ofegante, não conseguia respirar, presa entre suas existências.

— O que está dentro...

Marine gritou desesperadamente, enquanto subiram do chão inúmeras gotículas de água, ao passo que, do teto, descia chamas, que, ao colidirem, provocaram uma explosão de energia e poder.

— É como o que está fora — gritou Sayne, sendo arremessada contra a parede.

O corpo de Marine foi erguido a sete centímetros do chão e a energia girou em torno de seu corpo. Seus olhos abriram-se e o azul retornara.

Marine e Evelyn observaram uma a outra, e a sombra que Sayne vira atrás da loira, também refletiu as costas de sua aprendiz.

A energia se desfez, todas as velas apagaram-se e Marine caiu ao chão, despertando e soltando uma respiração pesada.

Sayne aproximou-se, olhando-a nos olhos, e estendeu a mão, a erguendo magicamente do chão.

— Há uma sombra em você — afirmou a Guia com precisão, como se a enxergasse no fundo dos olhos.

— Letes? Evelyn? — indagou Marine, um tanto entorpecida com a experiência.

— Não — respondeu devagar. — É algo que está no presente.

Sayne a circundou tentando detectá-la.

— Uma conjuração, não... — Estreitou os olhos. — Uma evocação ao submundo. Algo muito perigoso. — Parou diante da aprendiz. — Principalmente pelo fato de você ter se tornado mortal.

Uma aflição intensa lhe consumiu.

— Como assim? — Preocupou-se Marine.

— Não sei, precisarei estudar a respeito disso e despertar ainda mais sua essência. — Foi objetiva.

— O meu elemental?

— Sim. A Água. Quanto mais próximo do seu real poder, mais distante de Letes você fica. — Queria ser bem clara. — E isso é fundamental para os nossos propósitos. Te libertar.

Marine sentiu segurança no timbre de Sayne e confirmou com um gesto de cabeça;

— Amanhã, na primeira hora do dia, estarei lhe aguardando na margem do lago. Descanse, pois irei explorar sua essência.

— Tudo bem.

Assim que encerraram a conversa, Sayne moveu o braço e a porta reapareceu.

Antes que Marine abrisse, Hellen as surpreendeu falando rapidamente e bastante nervosa a respeito da invasão do Encapuzado. Sayne pasmou-se com a ousadia e principalmente com a deficiência da segurança.

— William e Sarah Finnin foram salvos por Taylor Greene — anunciou Hellen. 

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