Capítulo 6: Equilíbrio da Morte.



Os olhos escuros de Feltrin repousavam sobre as chamas vermelhas de cinco velas pretas dentro de um círculo de sangue no quarto no casebre soturno próximo a Ennead. O fogo rubro o fazia mentalizar as palavras ditas pela figura encapuzada e de como o destino realmente interligava todos os envolvidos.

A porta abriu-se e a sombra de Jeremy atravessou o chão.

— O que o senhor deseja?

Um dos diários que se comunicaram nos últimos meses flutuou de cima de uma mesa ao canto até as mãos do jovem, que vincou a testa.

— Você levará este até o Encapuzado que lhe encontrará ao sudoeste da floresta, próximo a serra da lua no primeiro segundo do amanhecer — disse Feltrin sombriamente. — O outro, você deixa na sala.

— O senhor acha seguro entregar? As informações deste diário são muito importantes. — De fato, estava preocupado e não confiava no Encapuzado, tampouco em Hellen, a infiltrada. — Essa mulher possui uma aura extremamente sombria.

Jeremy descobriu a identidade do infiltrado após Feltrin contar e Notwen confirmar depois da conversa com Taylor Greene recentemente.

— Quanto mais pessoas dispostas a perderem a própria vida por uma causa evolutiva, melhor. — Acresceu concentrado.

Jeremy permaneceu em silêncio, observando-o imóvel.

— Não podemos temer essa aliança após a revelação que tive.

Jeremy aproximou-se devagar, porém fora impedido pelo excesso de magia que advinha das velas.

— Quem é ele, senhor?

Feltrin esboçou um pequeno sorriso de canto de boca e ponderou:

— O agente do caos — respondeu tranquilamente. — Que me confirmou com precisão de que vais me trair.

Jeremy riu, tentando disfarçar o nervosismo.

— Jamais, senhor — rebateu ligeiramente. — Odeio quando questionam minha lealdade. Fiz várias coisas que comprovam o oposto do que esse encapuzado supõe.

Feltrin respirou profundamente fechando os olhos.

— Espero que estejas certo e que acredites nas suas próprias palavras.

Jeremy encostou-se na parede, extremamente incomodado.

— Apenas não sei definir a data. — Discorria tranquilamente. — Contudo quero que saibas, que se esta possibilidade ocorrer, estarás morto antes de regressar ao trono.

Jeremy percebeu o peso das palavras e as absorveu, fingindo discordar.

— Agora saia — ordenou bruscamente. — Descanse, pois amanhã encontrarás o Encapuzado.

Acordar na casa de Sarah e olhar o quarto ao redor lhe transmitiu uma paz indescritível. Era como se tivesse retornado para casa. Nas últimas semanas este era seu novo lar. O peso do afastamento de Susan eclodia em sua cabeça, contudo ao sentar-se na cama, surpreendeu-se que Sarah havia improvisado uma cama ao lado da sua. A amizade a fez renascer e lhe revigorou após o abraço dos três.

Correu até a cozinha e tentou preparar um café da manhã para a amiga. Apanhou uma travessa e foi até a geladeira apanhar frutas, levou-as até a pia e viu uma rosa murcha o lado. Próximo à janela da cozinha, havia um vazo com flores. Marine segurou a bandeja de furtas e a rosa morta, virando-se buscando a lixeira, quando se assuntou com Gregory Phelps olhando-a ternamente.

O objeto caiu de seus dedos, assim como a rosa. No mesmo instante Gregory estendeu a mão, a dois metros de distância, e coordenou mentalmente a travessa até a mesa, enquanto a rosa morta ficara no chão.

— O que você faz aqui?

— Faço parte de sua guarda e estamos revezando. — Apontou para um dos vigilantes próximo a porta. — Você se tornou ainda mais valiosa.

Marine soltou uma respiração e prendeu o cabelo em um coque sentindo-se desconfortável.

— Gregory... — Percebeu que estava com roupa de dormir e pediu desculpas.

— Você estava dormindo, senhorita Talbott. — Abriu um largo sorriso. — Está tudo bem?

Marine mirou um ponto invisível e decidiu falar sobre o ocorrido.

— Sim. Apenas fiquei surpresa em encontrar você aqui dentro.

O olhar efusivo dele a deixava desconfortável.

— Olha, não sei muito bem como falar, mas...

— Não se preocupe, eu sei que você gosta de William Collins. Está nos seus olhos — acrescentou, sorridente. — O que é uma pena, pois é visível, que ele é imaturo para a senhorita.

Marine sabia o que dizer, porém buscava palavras para tal.

— Ele é uma pessoa importante. Seria hipócrita se dissesse que não sinto nada por ele, mas há fatos muitos mais importantes no agora. — A lógica dominava sua mente de maneira mais visceral após tudo o que fora visto e ouvido. — Tudo mudou, e preciso me adaptar ao o que descobri, sem prejudicar ninguém.

Gregory concordou com um gesto de cabeça.

— Se antes não havia espaço para esse tipo de relação com alguém, agora piorou. — Foi bem honesta. — Não quero vitimar mais ninguém.

— Entendo perfeitamente, senhorita. E isso só comprova minhas certezas a respeito de você.

Marine franziu o cenho e disparou:

— Quais? — Arrependeu-se de perguntar.

A fisionomia de Gregory discorria em silêncio.

— Que és uma mulher admirável e inspiradora. — Demorou alguns segundos para falar.

Gregory andou até ela, que sentia os pés presos no chão. Embora quisesse rebater todos os seus sentimentos, era impossível não olhar para o rosto viril de Gregory. Ele agachou-se e apanhou a rosa morta.

— Sua vitalidade, força e beleza magnetizam qualquer pessoa — falou com os joelhos no chão e olhando carinhosamente para a rosa. — Não digo somente por gostar de você, mas por observar como as pessoas te enxergam. Você exerce um fascínio incomum.

Marine queria sair correndo. Olhou novamente para o quarto e a sala, engolindo a seco.

— Você é uma pessoa encantadora e apaixonante. — Ergueu-se devagar trazendo a rosa entre seus dedos. — Por isso tracei um círculo mágico aqui na casa de Sarah. Para qualquer perigo chegar mais depressa.

— Círculo?

Gregory sorriu tentando disfarçar, não poderia lhe revelar fatos que são descobertos durante o aprendizado.

Os olhos de Gregory ficaram semicerrados e um brilho adverso se fez por breves segundos. Misteriosamente a rosa enrugada voltou a vida na altura do queixo de Marine.

As inúmeras palavras que insurgiram do cérebro inerte da garota calaram-se ao chegar nos lábios. Surpreendeu-se de maneira efusiva a ponto de ficar ofegante. Não conseguia acreditar. Tocou a rosa, entregue por Gregory, o qual mantinha-se fixo nela.

— Isso é impossível! — Analisou e olhou em volta. — É um truque? — Buscava outra rosa. Girou em torno dele.

Gregory permaneceu parado até ela regressar ao seu ângulo de visão.

— É magia. — Demorou para falar. Não sabia explicar ao certo a razão, mas confiava muito em Marine. — É um dom que nunca revelei a ninguém. — Foi franco e um tanto envergonhado.

Marine ainda tentava assimilar a ponto de rir e negar o que acabar de presenciar.

— É uma espécie de encanto momentâneo? — perguntou, afastando-se, estavam bem próximos.

— É real. É um fardo que tenho que carregar há muito tempo.

Marine balançou a cabeça rapidamente, negando.

— Não se pode trazer nada dos mortos. É uma lei universal — afirmou ela, com a voz presa.

— Exatamente. Por ser algo que contradiz o destino ou livre-arbítrio, não se pode alterar as implicações do universo. Por isso encaro como um fardo.

Marine buscava palavras.

— Isso é, loucura! Isso pode funcionar com humanos? — Demorou para formular a frase.

— Depende, se ainda tiver vida no corpo e espírito não se desprendeu da carne, sim. Há uma remota possibilidade. — Tocou na mão livre dela. — Contudo, sempre haverá consequências.

Gregory moveu o rosto para o lado direito e Marine o seguiu com o olhar perdido até perceber que uma das flores do vaso murchou.

— Deverá sempre existir um equilíbrio — continuou ele sentindo o peso da responsabilidade. — Tanto na vida quanto na morte.

— Isso é... — Não conseguia raciocinar.

— Assustador, eu sei. — Voltou a olhar para ela. — Jamais tentei com humanos e espero nunca fazer. É uma responsabilidade absurda, pois não se sabe de onde o universo buscará o equilíbrio.

— Sempre alguém precisa morrer... — ponderou Marine assustada.

— Para alguém renascer — completou ele, apanhando a rosa e colocando-a na orelha da jovem, que o observava entorpecida.

No mesmo instante uma sombra passou na cozinha, a poucos passos dos dois, e desapareceu quando Gregory virou-se com o athame em mãos.

Sarah os observava próximo ao estreito corredor, e Marine sentiu o rosto arder.

A centenas de quilômetros de distâncias, Cybele fora repelida violentamente contra o chão do casebre. Todas as madeiras estalaram e um círculo maior se fez, aumentando o bloqueio.

Martha agachou até ela perguntando:

— O que aconteceu? Você conseguiu entrar em contato com Kiara?

Cybele apenas mirava o teto, visando compreender o que conseguir ouvir na cozinha da casa de Sarah Behan.

Martha e Cybele canalizaram o restante de suas energias para realizar a viagem astral sem o auxílio da magia elemental, e assim que chegou na residência, avistou Marine, buscou fazer contato, quando ouvira Gregory discorrer a respeito do equilíbrio da morte. Poder extremamente raro, e se catalogado, deverá ser observado para sempre.

— Cybele, você está bem? — Martha a balançou.

— Sim e não — respondeu, mirando nos olhos da mulher. — Não consegui entrar em contato com Kiara, que está acoplada no corpo da filha, mas ouvi algo que pode mudar toda a história.

— O que?

Cybele repousou suas incertezas no olhar perdido de Martha e preferiu guardar esta informação valiosa.

Dentro do carro, no caminho de volta para a Congregação, Marine arriscou iniciar uma conversa discretamente com Sarah, para que o vigilante não ouvisse. Ambas estavam no banco de trás. Queria deixar claro que apenas conversou com Gregory a respeito do ocorrido no labirinto.

— Não se preocupe — respondeu Sarah com um sorriso discreto. Foi bem honesta. — Me preocupo com você, com o William. Com vocês dois. Com o que está acontecendo com todos nós.

Marine a tocou no braço, queria compartilhar a respeito do dom que Gregory contara, no entanto optou pela discrição, principalmente por respeitar o pedido dele.

— Ainda não existe um "nós" e nem sei se realmente irá caminhar para isso.

— Realmente, pressinto que o "nós" nunca existirá.

Marine a segurou com firmeza no pulso e a observou atentamente:

— Você está sabendo de alguma coisa? Você está vendo alguma coisa?

— Por favor, não me pergunta isso. — Ficou arredia. — São apenas pensamentos, nada envolvendo meu dom especificamente.

Marine soltou uma respiração presa e afirmou:

— Gosto muito dele. De uma forma que jamais pensei gostar de alguém. — Olhou para frente e falou ainda mais baixo. — Mas há outras prioridades, e uma das principais é esta ligação incomum que nos prende.

— Como assim? — Quis fugir da conversa.

— Sei que você alertou a todos que que fui levada para o labirinto devido à aparição de sua mãe.

— É um assunto complexo. Honestamente não sei o que dizer sobre isso.

— A verdade que você está fugindo de me contar. — Marine engoliu a seco.

— Não há o que ser contado. Previsões podem ser devastadoras. — Tentou fingir um sorriso.

— Depende. Ela sabia o final da profecia e poderia resolver tudo o que está ao nosso redor. — Ajuizou Marine.

— Ou não — raciocinou Sarah. — A minha mãe antes de morrer começou a surtar com as vozes que pareciam espinhos na cabeça dela. — Buscava as lembranças. — Não dá para saber o que é real ou se eram crises psicóticas. Lembro de quando ela falava meio sussurrante, não parecia ser ela, mas era algo a respeito de uma árvore.

Marine sentiu o coração explodir no peito ao ouvir a amiga relatar e recordar-se do que vira sobre a floresta na sala do guardião. A árvore morta em meio à vegetação.

— E que o espelhamento simbólico das duas religiões deixaria de existir. — Focalizou em Marine. — Isso ficou na minha cabeça por dias e até agora não faço ideia do que significa e por que isso retornou a minha mente.

— Você deveria contar ao William. — Quis disfarçar a apreensão.

— Irei, mas... — Voltou a olhar para a paisagem. — Posso te confessar uma coisa?

— Claro — respondeu carinhosamente.

Sarah deixou uma lágrima descer pelo rosto pálido.

— Temo de ter o mesmo destino de minha mãe — admitiu, aflita.

— Por que você está falando isso? — Marine preocupou-se.

Sarah respirou profundamente, recordando-se da imagem perturbadora que vira no início do ano.

— Tenho certeza de que ela foi assassinada. — Os lábios tremeram ao falar. — Eu fui a primeira a encontrá-la. Senti uma presença ali, alguém tinha estado naquele quarto, assim como havia alguém além de você e Gregory na cozinha. — Tentava adormecer o medo.

Marine ficou atenta e aproximou-se ainda mais da amiga.

— Alguém que chamava por minha mãe como se ela ainda estivesse aqui.

O veículo parou diante do portão pela estrada de terra e após abri-lo e adentraram a propriedade. A casa de campo surgiu após o túnel de árvores entrelaçadas, quando Sarah virou-se para Marine e assegurou com muita verdade em seus olhos:

— Irei matar quem matou a minha mãe.

Marine a olhou bastante surpresa.

— Porque se eu tenho o mesmo dom, vão querer me silenciar — concluiu, temerosa.

Desceram do carro, Marine apressou os passos e colocou-se diante da amiga.

— Afaste esses pensamentos, Sarah — aconselhou.

— Não sei se consigo. — Tinha que ser honesta. Marine era realmente a única pessoa que confiava. — É como se uma chave tivesse sido girada na minha cabeça.

Tomada por um impulso emocional, Marine a abraçou com muita força. Seu coração disparou, ao passo que sua boca ficou seca. Observava o lago adiante e fechou os olhos.

William aproximou-se das duas com um largo sorriso estampado no rosto terno.

Sarah deu um tapinha no ombro de Marine e afastaram-se.

— Está tudo bem?

Ambas responderam que sim.

William inclinou-se e beijou Marine no rosto, no mesmo instante em que Taylor Greene surgiu no alto da escadaria da suntuosa casa, observando-os.

O cheiro amadeirado que adivinha do pescoço de William fez Marine sentir-se estranha. O tocou brevemente no rosto e desceu a mão para o ombro e também perguntou:

— E você está bem?

— Sim. E fico muito feliz em vê-la com este lindo sorriso. — Tocou-a no queixo.

Havia uma tensão extremamente palpável entre os dois. Os gestos, o toque, o olhar, os denunciavam.

Sarah delineou um sorriso, encobrindo a apreensão de seu rosto.

O celular de Marine tocou, ela logo avistou a imagem de Sayne e soltou uma respiração pesada, e afirmou que precisava ir.

Despediram-se e William conduziu Sarah diretamente para o bosque de treinamento próximo as árvores protetoras, ao passo que Marine correu para os degraus com um majestoso sorriso no rosto, logo consumido pela expressão de raiva ao avistar Taylor observando-a com um semblante de superioridade.

— Que bom vê-la novamente, Talbott. — Cumprimentou a jovem com altivez.

As pessoas que frequentavam aquele bar perto da rodovia do outro lado de Ennead possuíam um ar enganoso e semblantes questionáveis. Muitos olhavam para Jeremy, que entrava com o seu aspecto superior e sua elegância distorcida, curiosos. Todos praticamente pernoitaram ali mesmo, tendo em vista o ambiente pesado, e de aparência rústica com mesas nas laterais tortas e de paredes descascadas.

Decidiu pedir uma cerveja, quando avistou uma chama brilhando próximo à lâmpada. Era o sinal que aguardava. Apanhou a cerveja, bebendo-a de uma só vez, e atraiu as chamas para os seus dedos com discrição. Pagou a conta e a saiu do bar.

Atravessou a rua e adentrou a orla da floresta fechada. As árvores eram bem próximas uma da outra. As chamas cresceram em sua mão, iluminando a soturnez ao redor. Parou até o limite de um desfiladeiro e avistou a serra da lua ao fundo.

Galhos se partiram no alto das árvores, Jeremy virou-se rapidamente e a chama cresceu.

O Encapuzado pairava há um metro do chão e estendeu o braço. As luvas pretas brilhavam.

— Entregue-me o livro.

Jeremy estendeu a mão com os olhos estreitos e moveu as chamas em direção ao rosto da figura, que sorriu fantasmagoricamente, fazendo o laranja explodir em torno de Jeremy.

— Você não é digno de ver o meu rosto.

O jovem controlou o fogo que crescia e o olhou, tentando disfarçar a raiva.

— Se você fosse verdadeiro, revelaria quem é.

— Se você mesmo não revela quem é, por que o faria?

Jeremy uniu as sobrancelhas curioso.

— Estamos do mesmo lado — assegurou.

— Nada do que você fala me inspira confiança. Sinto pena de Feltrin, que precisa de um parasita como você para não se sentir sozinho, embora esteja.

— Comprovei inúmeras que estou do lado do verdadeiro guardião. Enquanto você se esconde, saio para lutar — rebateu, ofendido. — Não preciso que façam o trabalho sujo para mim como o infiltrado faz.

O Encapuzado avançou e o segurou pelo pescoço, elevando-o do chão na borda do precipício.

— Jamais questione o meu empenho ou antes mesmo de você rastejar para as Sombras, sentencio o seu final.

Jeremy estava praticamente sufocando, quando o Encapuzado o arremessou para o lado esquerdo, colidindo-o contra a árvore. Em seguida o vulto marrom planou entre as hastes e desapareceu na escuridão. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top