Prólogo de Elementais - Trindade Sagrada



Os olhos refletiam a infelicidade assombrosa causada pelo peso no ventre de Joanne Talbott, a qual observava o findar do dia pela janela do escritório de seu marido, à espera absortiva de uma pessoa que repudiava. Apenas ele poderia conceder-lhe tal libertação atrelada ao egoísmo intrínseco em sua alma seca. Assim que descobrira os dons de Dylan após o casamento, automaticamente rejeitou o assunto e desprezou o mundo e as tradições mágicas que ele professava. Era como se ele vivesse duas realidades e aquele desconhecido furtasse sua felicidade. Ao mesmo tempo, via no bebê em seu útero um competidor e não aceitaria repartir mais nada, principalmente por apresentar problemas comprovados com os exames que estavam sobre a mesa e fizera com um membro da Congregação, uma das poucas pessoas pela qual demonstrava simpatia, Kiara Finnin.

O ranger da porta anunciou a chegada da jovem mulher de olhar lascivo, que adentrou energicamente, seguida por Dhorion, a passos lentos e mãos para trás.

— Você tem absoluta certeza do que viu, Kiara? — questionou Joanne, com a voz embargada.

Kiara aproximou-se da mesa, tocou na pasta com exames e a mirou concentradamente.

— Infelizmente — respondeu devagar. — Não tem como prever com afinco os passos de uma criança que nem sequer nasceu. — Tocou devagar na barriga. — Contudo, pude vislumbrar com nitidez que este menino desencadeará uma sequência impossível de se bloquear, resultando fatalmente na morte de Dylan. Entretanto, o amor que possas vir a ter pelo seu filho, poderá alterar futuro, mas isso dependerá exclusivamente de você.

Dhorion baixou os olhos, quando Joanne virou-se para Kiara e engoliu sua saliva amarga.

— Eu nunca quis engravidar. Jamais gostei de algo que dependesse de mim — explicou Joanne friamente. — Principalmente tendo uma má formação e sendo bruxo — completou com asco.

Dhorion ergueu o rosto e afirmou com precisão:

— A magia pode curá-lo.

— Para depois ele matar Dylan? Nunca — rebateu Joanne, extremamente decidida.

Dhorion aproximou-se, estudando-a, e disse:

— Já que o amor pelo seu marido é maior que o amor pelo seu filho, aqui está. — Estendeu o braço, entregando um frasco médio com um líquido vermelho. — Não concordo com a sua escolha, mas respeito. Certamente porque admiro o potencial de Dylan e não quero que o bebê que cresce dentro de você, o mate futuramente, como Kiara previu. Não sou a favor de sentenças de morte, contudo a alternativa é sua, e vim aqui exclusivamente por isso. — Queria deixar óbvio.

Joanne tocou o frasco como se estivesse com a felicidade em suas mãos.

— Dylan jamais poderá saber — pediu Joanne, ansiosa.

— Cabe apenas a você contar. — Graduou Dhorion, virando-se de costas. — As consequências serão suas.

Joanne oscilou momentaneamente, porém voltou a olhar para Kiara com esperança. Não conseguia explicar que não se tratava apenas da má formação ou da previsão fúnebre de Kiara, e sim, da sua felicidade.

— Se é assim que você quer, assim será. — Arguiu Dhorion. — Após tomar este conteúdo, a vida que floresce em você sucumbirá e seu útero jamais poderá gerar outra criança.

Joanne surpreendeu-se respirando de maneira ofegante.

— Para tudo há um preço — esclareceu Kiara, viavelmente incomodada com a alternativa. — Por isso lhe pergunto, estás realmente decidida?

Joanne demorou para responder, pensando em tudo que vivera até aquele momento.

— Estou. — Findou a jovem mulher hesitante.

Dhorion fechou os olhos e saiu do escritório, deixando-as sozinha.

O sorriso estampado no rosto de Joanne há vinte dois anos se desfez; mantinha-se apática, no mesmo lugar, dentro do escritório com uma foto em mãos. O silêncio da lágrima que declinava pelo rosto fino, gritava espinhosamente em seus pensamentos.

— Embora ninguém possa voltar atrás, podemos tracejar um novo fim. — Expôs friamente o homem que entrou pela porta.

Joanne virou-se depressa para vê-lo, assustando-se perguntando quem era.

— A sua escolha foi uma mentira, Joanne — afirmou Notwen, apresentando-se elegantemente. — E também fui enganado por Dhorion.

As mãos tocaram-se.

— Todas as suas renúncias e dores lhe fizeram andar em círculos. — Enxugou a lágrima dela, a qual afastou-se, assustada. — Você foi usada, e seu filho, sacrificado, para que você recebesse, em sua casa, uma menina.

— Do que você está falando? — Inquiriu, ofegante.

— A criança portadora da esperança de um casamento frágil substituiria a perda avassaladora do aborto cometido por vocês três. — Elevou o rosto.

— Como você sabe disso? — questionou, muito nervosa.

Notwen sorriu largamente e olhou em torno, dizendo:

— Nas últimas semanas após descobrir a existência de Marine, passei a investigar praticamente tudo que anulou não apenas os meus planos, mas o destino de muitas pessoas, incluindo Dylan.

Joanne o olhava estarrecida.

— Não há como fugir o destino. — Notwen comprimiu os lábios. — Ele não morreu pelas mãos do filho, no entanto sacrificou-se pela minha filha que cresceu longe de tudo que a pertencia.

Joanne estremeceu, não conseguia articular nenhuma palavra. Analisava-o silenciosamente, o cabelo preto, a cor azul turquesa dos olhos, a palidez da pele, o delineamento dos lábios vermelhos e baixou a cabeça trepidante.

— Você nunca se perguntou quem eram os pais da criança que Dylan afastou da magia? — Sorriu, ainda mais próximo dela. — Dhorion e companhia fomentaram esta falsa realidade sem pensar nas consequências que isto traria para todos nós. — Fez uma pausa. Seu timbre persuasivo e gélido apoderava-se da mulher. — Seu filho e marido poderiam estar vivos, se você não fosse persuadida covardemente por Dhorion.

Joanne não conseguia dizer nada, apenas absorver o que ouvia, até que disse sobressaltada:

— Kiara, ela me confirmou. Ela era uma clarividente, acertava tudo, tudo o que me dizia.

— Por isso ela morreu no início deste ano. — Riu. — Afogada em culpa. Porém, tudo pode ser mudado. — Tocou-a no rosto.

— Como? — A voz pesou.

— Terá sua vingança contra Marine, a verdadeira filha de Dylan com uma bruxa do Congregação.

Joanne baixou os olhos, sentindo a certeza queimar suas veias, e lembrou-se de um encontro mais recente com Kiara.

— "Da Luz e das Sombras nasceu um mistério". — Olhou fixamente para Notwen. — Dylan era da Congregação.

— Mas a mãe tem a natureza das Sombras — assegurou ele friamente. — E eu posso te ajudar a pôr um fim em todo esse sofrimento.

— Não consigo compreender, como?

— Basta você me entregar a chave que está Ben — ordenou persuasivamente.

— Ben? — Balançou a cabeça negativamente. — Não.

— Sim, Taylor Greene o entregou e ele esconde de você para ir atrás de Marine. Porém, tudo precisa ser executado na hora certa.

— Por que ele iria atrás dela? — Os lábios tremiam.

Notwen sorriu largamente respondendo:

— Por que além de desejá-la, ele quer vingança.

As pupilas de Joanne dilataram e um ódio crescente deflagrou em seu peito.

— Todos a querem, Joanne. — Tocava-a no rosto, bem próximo. — Todos. Por isso preciso de você, para que isso se finde. 

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