Capítulo 47: O Athame.


Um círculo de fogo brotou da areia após Sayne traçá-lo no chão em meio à floresta, dentro dos limites seguros da Congregação. Marine mantinha-se fixa nos olhos da Guia, que ergueu o athame e proferiu efusiva:

— Convoco a energia da natureza advinda dos deuses do desconhecido. Rogo aos senhores dos mundos proteção e equilíbrio desta filha que está nascendo para este invisível transcendental. Delineie a essência concedida por vós e faça insurgir da escuridão que a ronda.

Sayne contornava o círculo observando o fogo mudar para a cor azul e girar lentamente em torno de Marine, que sentiu uma forte energia lhe preencher instantaneamente.

— Compense a dádiva que a natureza concedeu à Marine Talbott, equilibre a dualidade noite e dia em Marine.

O fogo agitou-se, tornando-se ainda mais fluorescente.

— Pelo amor, pelo ódio. Pela vida, pela morte. — Respirou profundamente e bradou: — Et sie in statera dualitatem.

O fogo girou intensamente em uma espiral azulada, o vento soprou fortemente, como se estivessem em meio a uma tempestade tumultuosa. A coloração laranja se fez novamente, meio a meio, e um turbilhão invadiu o corpo de Marine, fazendo-a abrir os olhos e nele refletir as cores azul e laranja, desaparecendo em seguida.

Tudo em seu corpo havia sido revigorado, como se tivesse acordado de um sono profundo pronta para uma batalha. Faíscas e água giravam em torno da jovem e desapareceram ao tocar na terra.

Sayne a observava confiante, embora disfarçasse, posicionando-se diante dela com os olhos cerrados.

— Confio em você, garota. — Deu uma palmadinha terna no ombro esquerdo e virou-se, seguindo rumo à casa de campo. Não conseguiu conter o sorriso singular e luminoso que ninguém poderia ver.

Assim que Marine colocou os pés na Casa de Campo, os olhares dos demais membros foram um tanto mais acolhedores, alguns apáticos, contudo não a insultavam e isso já significava muito. A confiança vinda da evocação pulsava em seu peito célere e a fez caminhar entre as pessoas sem aquele medo corrosivo que a açoitava desde o primeiro dia. Buscou o celular na bolsa lateral e mandou mensagem para Sarah, que logo avisou que estava com William em uma das salas da Congregação e que em poucos minutos estaria livre.

Os olhos de Marine miraram da escada ao mezanino e ligou para Josh com o intuito de saber onde era o quarto de Taylor. O amigo atendeu de imediato e ficou receoso em responder, mas a orientou pedindo para não procurar mais problemas. Ela o tranquilizou, seguiu pela escada e caminhou pelo corredor certo, parando diante da porta. Agradeceu, desligou e bateu à porta.

Taylor organizava algumas anotações, surpreendendo-se ao ouvir alguém bater à porta. Imaginou ser Carl, então respirou profundamente e abriu reclamando.

— O que você quer? — perguntou Taylor.

Marine entrou no grande quarto segurando-a pelos braços com violência.

A porta fechou-se bruscamente após Marine cerrar os olhos.

— Quem você pensa que é para invadir o meu quarto? — inquiriu, mirando-a nos olhos com fúria.

Movendo-se de forma rápida, Marine a agarrou pelo pescoço empurrando-a até a parede com agilidade. O barulho da cabeça e costa de Taylor chocando-se contra a parede ressoou pelo espaço.

— Eu sei que você instigou a Congregação inteira contra mim.

— Do que você está falando? — Movia-se tentando se libertar.

— Não se faça de idiota, pois estou sem paciência — bradou Marine com raiva, apertando ainda mais os dedos e a sufocando. — Por quê? O que eu te fiz? É pelo William? É pelo o quê? O que você quer?

— Não quero nada, não consigo respirar!

— E vai ficar sem respirar para sempre se não me contar o que você quer comigo! — A puxou para si e a arremeteu novamente contra a parede. — Fala agora!

Então Marine a olhou com mais atenção. Aqueles olhos verdes, o rosto, o cabelo vermelho e concluiu automaticamente lembrando-se da mulher que atropelou antes de chegar no Phoenix Park, no dia da evocação de Susan.

— É você! — A soltou, afastando-se para observá-la melhor.

Taylor respirou profundamente e tocou em seu pescoço.

— Sabia que conhecia você de algum lugar — concluiu Marine. — Atropelei você.

Taylor tentou conjurar um feitiço, o qual foi rebatido, projetando-a ao chão bruscamente e machucando seu braço.

— Não sei do que você está falando — disse com dificuldade.

— Não se faça de estúpida. — Aproximou-se, observando-a de cima. — É você. O que quer comigo?

Taylor a olhava caída ao chão e fingiu se recordar.

— Realmente, é você. — Colocou o braço próximo ao peito, sentia dor.

Marine pisou em cima do braço e o pressionou com força.

— O que quer comigo? — praticamente soletrou a pergunta.

— Foi um acidente. Uma infeliz coincidência. — Grunhiu lacrimejando.

— Uma das primeiras coisas que aprendi antes de entrar na Congregação foi que não existem coincidências. — A encarava com ódio. — O que você fazia perto do Phoenix Park? Você faz parte das Sombras? É isso, não é? Essa sua obsessão pelo William, afinal ele é aprendiz do guardião supremo.

Taylor a encarou oscilante e rebateu:

— Eu amo o William!

Marine agachou-se e colocou o joelho sobre o braço de Taylor, focalizando nos olhos dela friamente e afirmou:

— Você é o tipo de pessoa que não ama a si mesma, quiçá o William.

— Você está muito enganada. — Tremia de nervoso. — Eu o amo, ao contrário de você, que apenas o usou para entrar aqui.

Marine não conseguiu conter e a esbofeteou violentamente.

— Nunca precisei usar ninguém para alcançar meus objetivos.

— Será mesmo? — inquiriu irônica. — Usou Susan, William, a idiota da Sarah, e agora Mel para se manter aliada ao poder. Você é uma parasita — acrescentou com nojo.

Antes de ela terminar a palavra, Marine a esbofeteou novamente, ao passo que a porta se abriu e Zenneher ergueu a mão repelindo Marine contra a mesa de cabeceira. A garota não teve tempo de pensar, e Zenneher foi empurrando por uma força ainda mais violenta, fazendo-o cair no corredor.

Nora que caminhava pelo corredor, seguindo o eminente, viu seu athame rolar pelo chão.

Carl, que acompanhava seu Guia, manteve-se em choque olhando para as duas.

Zenneher ergueu-se depressa e com ódio na face, adentrou o quarto inquirindo o que havia acontecendo. Carl o acompanhou.

Nora avançou e olhou para os dois lados rapidamente e agachou-se apanhando o athame e guardando-o nas vestes.

Taylor chorou dizendo que havia machucado o braço.

— Ela invadiu o meu quarto e me agrediu, como o senhor viu — acusou ela, chorosa.

— Explique-se, Marine — ordenou ele, com raiva.

Nora observou da porta.

Marine levantou-se ainda com raiva e respondeu:

— Essa mulher desprezível trama contra mim desde antes de eu entrar na Congregação — acusou. — Eu a atropelei no dia da evocação de Susan em Dublin. — Forçou a memória tentando recordar-se das palavras. — Ela disse que era para eu prestar atenção e não atropelar ninguém com as minhas escolhas. Ela sabia que isso ia acontecer. Taylor é das Sombras, eu tenho certeza — bradou Marine.

Zenneher avaliou as palavras e olhou Taylor ainda no chão.

— Ela me atropelou, e o senhor sabe que eu estava na Irlanda antes de entrar na Congregação.

Carl foi até ela e a ajudou a se levantar.

— Não lembrava que era você a garota que me atropelou — finalizou ela.

— Você é muito dissimulada. — Marine quis avançar, porém Zenneher colocou-se entre as duas. — Ela incitou todos aqui a me chamarem de intrusa e eu tenho uma testemunha. Jogou-se sobre meu carro, próximo do Park. — Balançava a cabeça em negatória. — Ela me feriu gravemente no aprendizado com Peter. O que mais falta para vocês investigarem isso?

— Taylor Greene é aprendiz do Guardião americano e ele me confirmou que ela veio antes. Conferi tudo, Talbott. É uma acusação muito grave a que você está fazendo, e pela sua violência aplicada contra ela podemos postergar sua Elevação, reprovando-a.

Marine olhava para os três absolutamente revoltada.

— Pelo o que vejo aqui, vocês brigam por William Collins — averiguou o Eminente. — Você quer que ele se prejudique mais ainda, Talbott?

— Não — respondeu hesitante.

Zenneher notou a fúria de Marine, recordou-se das palavras de Notwen e ponderou:

— Vou levar ao Conselho o que houve aqui e pedirei uma nova investigação contra você, Greene. — Virou-se para ela. — Além de confirmar a agressão física que você sofreu. Incluindo a minha — acresceu ele.

— A defesa de Marine é plausível — confirmou Nora.

Zenneher virou-se indignado.

— Tyron havia me informado que Taylor Greene incitou pessoas contra Marine Talbott e pelo o que acabei de ver, o senhor apenas sofreu uma descarga de energia provocada pelo desequilíbrio da garota.

Zenneher fitou a mulher com ainda mais raiva.

Marine soltou uma respiração pesada já imaginando o que isso lhe acarretaria.

— Sou testemunha. — findou Nora.

— Saiam todos daqui. Preciso conversar a sós com Greene.

Marine foi até Nora que fez um sinal para ela, enquanto Carl tomou outra direção, preocupado.

— Me acompanha — disse a mulher.

No quarto, Zenneher mantinha os olhos fixos em Taylor.

— A cada dia uma nova surpresa, Greene.

— Todos nós possuímos segredos, senhor Fricker — comentou ela, desestabilizando-o. 


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