Capítulo 39: Embate.
Assim que passou pela porta da residência dos Behan, avistou a mesa posta com um único prato e correu para o segundo andar, trancando-se no quarto com o coração ainda explodindo no peito pulsante. Retirou as roupas apressadamente como se estivessem sujas pela lama de mentiras que cercam sua existência. Jogou-as pelo chão e chegou ao banheiro se arrastando. Abriu o boxe de vidro como se um peso gigante esmagasse sua alma. Girou a válvula e sentiu a água cair pelo corpo trêmulo desejando exaurir aquele desespero sufocante.
Almejava fugir daquela realidade surreal dilacerante, ao passo que as palavras de Sayne ricocheteavam em seu cérebro escuro. Necessitava que a água agisse como a cura de sempre e exorcizasse os demônios que fervilhavam em sua mente. Precisava... Apenas precisava absorver os fatos. Apoiou as mãos nos azulejos e olhou para cima, vislumbrando uma decisão, tentando intuir algo; no entanto, apenas dor fluía como um veneno aniquilador por suas veias, enquanto seu corpo imóvel permaneceu ali por vários minutos.
Os olhos vermelhos e inchados abriram-se na metade da manhã, quando finalmente levantou-se. Apanhou o celular e tinha algumas chamadas de Sarah, Josh e William. Tocou os nomes na tela como se os tocasse e respirou profundamente, afirmando para si que Sayne estava certa.
Desceu já arrumada após uma mensagem de Nora afirmando que um membro iria buscá-la. Mantinha-se temerosa com o que estava por vir. Carecia desculpar-se pelo seu descontrole.
Após a buzina, trancou a porta e, ao chegar no jardim, surpreendeu-se com Gregory Phelps ao lado do veículo com a porta aberta.
— Bom dia, senhorita Talbott.
— Bom dia, Gregory — respondeu com a voz um pouco presa. — Apenas Marine. Obrigada — agradeceu após ele fechar a porta e adentrar o veículo.
Gregory acionou a partida e seguiu devagar.
— Estou a par da situação de ontem e não serei inoportuno, prometo — assegurou. — Apenas quero que saiba que no seu lugar faria o mesmo.
Marine permaneceu em silêncio olhando para frente e segurando firme na mochila.
— Você é uma mulher muito forte, Marine. Vi isso em seus olhos desde a seleção e acredito que vai caminhar por esse desconhecido intimidante com dignidade e sem medo.
— Obrigada — apenas conseguiu dizer essa palavra durante todo o trajeto.
Gregory respeitou o silêncio e apenas completou anunciando que Peter Davin seria seu Guia. Marine fechou os olhos por alguns instantes e respirou profundamente.
Ao chegarem, Sarah aguardava a amiga na escadaria, diante da fonte na Casa de Campo, com um sorriso luminoso.
Marine agradeceu educadamente e saiu do automóvel em direção à mais nova amiga, que lhe abraçou ternamente.
— Não sei o que aconteceu, nem posso e, principalmente, nem quero — avisou a jovem empática. — Apenas saiba que pode contar comigo. — Tocou-a no ombro.
Marine a observava silenciosamente. Não sabia se tê-la por perto poderia prejudicá-la, porém preferiu não antecipar problemas. Iria seguir vivendo como pudesse.
Sarah indagou sobre o que Marine e Gregory conversaram, observando-o subir as escadas e elogiando sua vultosa beleza.
— Absolutamente nada — respondeu Marine avistando Peter Davin e alguns aprendizes próximos à estufa.
— Como alguém fica do lado de um homem desses e não interage? — brincou Sarah.
— Meu foco é outro, você sabe disso.
— William Collins. — Riu.
— Não. Descobrir o que de fato eu sou — sentenciou, aproximando-se do círculo em torno do homem alto e forte.
Sarah informou que ele fazia parte do exército e membro fiel do Conselho. Marine lembrou-se dele na audiência.
— Um exército! — surpreendeu-se Marine. — Parece que entramos em uma realidade paralela — comentou, tentando se distrair com os olhos ávidos.
— Verdade. Gosto desse tipo de ensinamento — Sarah demonstrou interesse.
As duas se aproximaram.
— Ele já ministrou uma palestra no Pentagrama a respeito da arte das lâminas, com ênfase na guerra. É interessante! — avisou Sarah.
Ao chegarem mais próximos de Peter, alguns aprendizes esboçaram semblante de desagrado.
Peter conduzia uma aula prática sobre embates duplos. A simpatia dele era hipnotizante.
— Aqui estou mostrando o mínimo do que é uma batalha prática entre lâminas, sem uso dos nossos dons. Vamos começar por partes. — Abriu um baú sobre o gramado. — Há essas facas pequenas que são usadas como tiro ao alvo em inimigos com certa distância. Dê-me um espaço. — Uma fileira de pessoas se abriu, ele atirou a faca com uma rapidez fantástica e acertou a árvore a 15 metros com uma precisão segura. — Temos os athames, a nossa arma. Com ele se cortam ervas, traçam-se círculos místicos, evocam-se os deuses e conjura-se o invisível para benefício próprio ou contra o inimigo, como muitos aprenderão etapas à frente.
Marine se lembrou do bosque, quando Susan fez uma evocação e foi atingida por um raio.
— É a lâmina mais utilizada por nós. A lâmina de um athame consagrado após a Elevação contém os quatro elementos embutidos. É óbvio que a Mente os controla adequadamente — sobrepôs sempre risonho. — Com ele cortamos a água, dividimos a terra, entramos em contato com o ar. — Traçou um movimento brusco que deixou à mostra os músculos do braço. — E por fim, vem do fogo. Por isso, cada bruxo tem que saber usar o seu, e não deixar que outro o faça. É de suma importância manter o sigilo de sua lâmina pessoal.
Guardou o athame dentro do baú.
Taylor e uma jovem chamada Patrícia aproximaram-se do grupo após verificar que Marine assistia à aula. A norte-americana já tinha influenciado a colega, assim como boa parte dos membros abaixo de 25 anos.
Peter continuava com sua elucidação sobre batalhas e lâminas.
— A espada. A arma mais empregada em guerras — apresentou com semblante brilhante. — Nossos antepassados lutaram bravamente contra os ideais do Estado. A guerra é um ato simbólico. Desferir golpes com espada é um prestígio para poucos. Derrotar o oponente sem armas adjacentes, sem feitiços impróprios e sem fraudes insólitas é estarrecedor. O ensinamento de espadas inicia-se na semana que vem, e quem tiver interesse a respeito de artes de guerra procurem o Josh Evans na recepção e inscrevam-se para aulas bárbaras comigo e com o nosso mestre das armas, responsável geral pelo exército da Congregação, Zenneher Fricker — findou, sorrindo carismático.
— Fiz aula de esgrima — confidenciou Marine acalorada. — Gostaria de aprender a me defender dessa maneira.
— Aqui tem um exército! — exclamou Sarah.
— Ninguém sabe o que pode acontecer no amanhã — respondeu Hellen entrando na conversa atrás das duas e cumprimentando Marine com um toque no ombro.
Marine a cumprimentou em silêncio, ainda constrangida. A presença dela visivelmente a incomodou.
— É um treinamento fantástico! Quem quiser, pode se inscrever! Lembre-se de que é à parte dos ensinamentos com os Mestres e os Guias. — Mirou de Marine para Sarah. — Mas vale a pena.
— Podemos nos inscrever em treinamentos extras antes da Elevação? — Sarah perguntou levantando a mão.
— Claro que sim! — adiantou Hellen.
Peter confirmou sorrindo.
— Você pode se inscrever em todas as atividades complementares — continuou ele. — É isso que vai traçar o seu caminho após o aprendizado mestral: o que você mais se identifica — falava muito rápido.
Carl chegou ao grupo e posicionou-se ao lado de Taylor e Patrícia com a mesma expressão antipática costumeira. Christine o seguia, porém sempre ignorada. Então foi até Sarah e Marine, cumprimentando as duas e logo indo até sua Guia, Hellen, que já tinha feito tudo o que ela pedira.
Sarah virou-se para cumprimentá-la e avistou Gregory na escada de pedra observando-as. Não quis comentar com a amiga para não parecer chata.
— Interessadas na defesa do exército? — perguntou Christine de maneira doce.
— Pelo o que percebi, Marine adora batalhas! — brincou Sarah. — Como eram suas aulas de esgrima? — Continuava a observar o britânico com a visão periférica.
— Você fez aulas de esgrima? — surpreendeu-se Christine com os olhos brilhando.
Marine respondeu com um sorriso amarelo.
— Por que você não demonstra? — Hellen bradou empolgada.
Peter escutou e aproximou-se delas interessado.
— Então fez esgrima, senhorita Talbott?
Taylor escutou a conversa e cerrou os olhos.
O rosto de Marine esquentou, pois muitos a olharam.
— Por favor, demonstre — pediu Peter sorrindo.
Hellen incitou os demais, clamando que Marine Talbott sabia lutar.
A maioria olhava com desdém, entretanto, nada poderiam falar por receio e respeito a Peter, que era bastante querido.
— Acho melhor não — Marine ficou muito constrangida.
— Eu posso me voluntariar e quem sabe aprender golpes novos — instigou Peter sorrindo, apanhando uma espada e entregando à jovem. — Não é esgrima... mas os princípios são os mesmos.
Marine segurou o cabo da espada e constatou que era pesada.
— Imagino que demonstrar com o professor como oponente é, no mínimo, desleal. — Taylor se aproximou de Peter e tocou de modo delicado sob a mão dele.
Os olhos dos dois se cruzaram, e uma sedução descomunal o prendeu naquele verde-esmeralda.
— Posso?
Peter respondeu de imediato seduzido por aquele olhar.
Marine optou por desistir, porém Taylor a insultou sutilmente, duvidando de sua capacidade.
— Medo?
— Nenhum — respondeu, encarando-a.
— Não parece. — Olhou para os demais que instigaram e logo desferiu um golpe brando contra Marine, que se defendeu de imediato. — É, não é tão boba assim. — Abriu um largo sorriso lascivo.
Todos riram ao redor.
Marine assentiu quando Taylor desferiu outro golpe, repelido por Marine.
— Meninas! Não autorizei o início — advertiu Peter.
Taylor sorriu fixando o olhar no instrutor, o qual anuiu.
— Melhor nos afastarmos — proclamou Hellen, observando o poder de persuasão de Taylor.
Sarah não aprovou a ideia.
Carl inclinou o livro para frente e instigou o embate, afirmando que Marine era fraca.
Ambas se cumprimentaram e antes que Peter anunciasse o início, os ruídos das lâminas ecoaram no ouvido da plateia.
— Acho melhor desistir! — alertou Taylor.
— Não mesmo — redarguiu Marine avançando e desferindo dois golpes, o que fez Taylor girar, defendendo-se com agilidade.
Taylor avançou três passos e desferiu cinco golpes violentos em seguida, já Marine, na defensiva, repeliu todos com uma sutileza ágil. Andou para o lado em um movimento demarcado, sempre contendo o choque das espadas.
— Garotas, isso não é uma luta, apenas uma demonstração! — Peter tentou intervir, porém Hellen o segurou pelo braço.
— Elas não vão se machucar. Estão brincando! — pronunciou de forma inocente. — Marine precisa se distrair.
Sayne brotou na varanda do segundo andar e observou a cena atenta.
As espadas estavam apontadas uma para a outra, Marine respirava ponderadamente, seu olhar fixo nos olhos da oponente. Um passo cruzava o outro, os cabelos vermelhos dançavam pelo rosto firmado em uma expressão de escárnio. Quando Taylor inesperadamente avançou com mais brutalidade e desfechou três golpes à altura do pescoço. Marine sentiu a lâmina ventilar seu rosto e girou, recuando. Seu cabelo soltou-se do prendedor acima do pescoço.
Taylor avançou novamente, porém Marine lhe atacou de baixo para cima, o que fez a adversária perder o equilíbrio momentaneamente.
Marine sorriu abertamente.
Taylor disparou mais três golpes em série, que foram rebatidos aceleradamente para o lado, o que fez a espada voar de suas mãos. Fechou a expressão e bufou para Marine.
Muitas pessoas aplaudiram, Peter sorriu, Hellen ergueu as sobrancelhas surpresas.
— Meninas, calma — aconselhou ele mais uma vez.
— Rende-se? — perguntou Marine olhando em seus olhos.
— Nunca! — impeliu Taylor. Agachou-se para pegar sua espada ao passo que Marine girou, dando-lhe um golpe rasteiro eficaz que a fez cair de cara no chão.
Taylor caiu de costas ao chão sob o olhar jocoso de todos.
Marine foi até a jovem caída, que olhou de relance para a espada e novamente para sua oponente de pé, a qual estendeu a mão.
— Nunca — recusou-se a tocá-la.
Peter anunciou a vencedora.
E para a surpresa de Carl e Patrícia, boa parte dos aprendizes aplaudiram a performance de Marine, que buscou Sarah entre as pessoas, virando-se de costas para Taylor.
— Temos a vencedora — bradou Peter sorrindo.
No entanto, Taylor abriu a mão direita e atraiu a espada até os seus dedos, levitando em seguida e preparando-se para desferir golpes contra Marine, que foi advertida pelos gritos de Sarah.
Antes que Marine pudesse virar, a espada adentrou abaixo do seio esquerdo e o sangue desceu pela lâmina, brilhando com os raios de sol.
— Marine! — gritou Sarah.
Marine contemplou o sangue e deixou a arma cair de sua mão.
Todos congelaram em surpresa. O corte era profundo e o sangue declinava pela roupa, o que a fez ficar tonta. Sarah foi até a amiga, junto de Christine, que a amparou.
— Você a machucou. Trapaceou — bradou Sarah.
Taylor mantinha os olhos fixos no sangue, e Carl prestou atenção.
— Como você pôde ser tão baixa? Covarde. A luta já tinha acabado, sua cretina!
Taylor nada disse, apenas sorriu e fingiu surpresa.
— Foi um impulso, sem querer.
Sarah avançou, quando Hellen a segurou firme no braço.
— Chega! — alegou Peter, amparando Marine, que perdia muito sangue.
Gregory avançou pelo imenso jardim e, antes que a jovem caísse ao chão, envolveu-a em seus braços e correu em direção à ala médica.
Sayne balançou a cabeça em negativa e focalizou Taylor.
Sarah quis avançar, porém foi contida por Christine e Hellen.
— Você não sai daqui, senhorita Greene — avisou Peter, pedindo dispersão e praticamente arrastando Sarah, que queria partir para cima da ruiva.
— Vamos atrás de Marine — aconselhou Hellen.
Ao passarem por Patrícia e Carl, que riam, Sarah os encarou com desprezo.
— Se for algo sério, preparem-se! Haverá represália e irá sobrar para vocês — alertou Sarah com ódio nos olhos.
— Isso é uma ameaça? — interrompeu Patrícia.
— Entenda como quiser! — rebateu praticamente correndo atrás de Gregory Phelps.
Taylor virou-se de costas em meio às pessoas que se aglomeraram, porém não saiu do ângulo de visão de Carl, que a viu guardar o sangue de Marine em um pequeno frasco e depositá-lo no bolso de suas vestes.
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