Capítulo 14: Notwen.
Ethan Cadell moveu os dedos elegantemente e conduziu a garota para uma escuridão apaziguadora com lembranças de seu pai. Soltou uma respiração densa, alinhou a postura e delineou um largo sorriso. Ao virar o corpo, surpreendeu-se com Cybele parada diante dele, com um athame em mãos, apontando para seu pescoço, em meio à multidão que se reunia para ver o que tinha ocorrido.
— Um motivo para não te matar agora — bradou Cybele, mirando-o ferozmente.
— Posso enumerar vários, contudo, o mais importante é que você não deseja isso, minha nobre amiga — discorreu com seu tom grave e sedutor.
Mais curiosos aproximaram-se da garota desmaiada ao mesmo tempo em que o motorista falava preocupado ao celular.
— Nunca fomos amigos, Notwen. — Cybele aproximava-se ameaçadoramente. Contornou o corpo dele e o encarou, apontando o athame.
Ethan Cadell era o nome no registro de nascimento de Notwen, que fora rebatizado em uma cerimônia mística de elevação em magia logo após a morte de seu pai, o líder antecessor do grupo de bruxos que se opõe à doutrina da Congregação dos Sábios Ocultos. Tal oposição se fez desde o pacto celebrado entre a Igreja Católica e a Congregação, há 200 anos, diante da profecia feita por James Bailey. Desde então foram intitulados como As Sombras, por não aceitarem compactuar com uma instituição responsável pela inquisição e principalmente pela morte de seu Primeiro Guardião, Antoine Lefebvre. A partir disso, fundaram sua própria sociedade secreta com seus próprios dogmas, embasados por antigos líderes vingativos.
— Estamos do mesmo lado — o timbre manipulador era palpável. — Você está cega e anula a sua verdadeira essência.
— Sempre estive do lado errado, sorte que pude ver a luz antes que sua escuridão me cegasse — vociferou entre os dentes.
— Você parafraseou Dhorion? — desdenhou Notwen, gargalhando discretamente. — É como se eu estivesse ouvindo aquelas frases de efeito.
— O que você fez com ela? — inquiriu.
Notwen inclinou o pescoço e ergueu as sobrancelhas, curioso.
— Ela foi atropelada, creio que por um membro da Congregação, não tenho culpa. — Deu de ombros e gesticulou com as mãos.
— Se você ousar machucá-la... — ameaçou.
— Sou eu quem quer machucá-la? — Fez uma pausa. — Refaça seus conceitos, minha nobre amiga e, principalmente, não use esse tom de ameaça comigo, você sabe muito bem que ninguém pode tocá-la, o que existe dentro dela é mais forte que um exército inteiro. Agora, as pessoas que residem na casa dos Behan...
Cybele apertou sua mão no braço dele e encostou a lâmina em seu peito, ferindo-o.
— Mais um movimento e meus amigos invadem a sua casa e assassinam sua bela Alice — proferiu calmamente.
Aversão e raiva pairaram no choque de olhares.
— Sensato de sua parte — alfinetou ele ao vê-la afastar-se.
Enquanto conversavam, a ambulância chegou e procedeu com o resgate.
— Não ouse colocar minha filha nessa história. — A voz oscilou.
Notwen crispou os lábios e refletiu, olhando para o alto.
— Acredito que ela já está envolvida, afinal o pai dela...
— Cala a boca.
Notwen riu novamente, curvando-se para frente e balançando a cabeça.
— Vamos aos fatos, minha querida, o que seria pior? A morte de sua filha ou sua mãe saber o que fez com a sua bela sobrinha Susan?
Cybele baixou os ombros e sentiu um arrepio na espinha.
— Você crê que eu não sei o que ocorre dentro da Congregação? — Riu ironicamente. — Sei exatamente a missão que Dhorion lhe encarregou. É perigosa! — acrescentou em verdade. — Há um preço muito alto a se pagar.
— Isso não te diz respeito!
O homem riu novamente e coçou os cabelos pretos a altura do ombro, estreitando os olhos.
— Tem certeza que não? Tudo o que quer impedir, eu quero que ecloda mundialmente. Claro que preciso saber quem é o Infiltrado e o Encapuzado, para assim concretizar o que o destino quer que aconteça, sua imbecil. Ainda há tempo, sou muito generoso e posso te perdoar. Apenas curve-se para mim e caminhe ao meu lado.
— Nunca — respondeu secamente.
— Você sabe que se ela estivesse comigo, estaria mais protegida e não usaria da mentira como o seu guardião sempre fez.
Cybele fechou os olhos por breves segundos, contendo sua raiva antes que o atacasse de forma impulsiva, o que seria desastroso.
— Você sabe disso, ele sabe disso. Mas vou esperar a hora certa de agir. E irei te esperar — sussurrou próximo ao ouvido de Cybele.
Notwen seguiu em direção à floresta e caminhou de rosto erguido até desaparecer.
A alguns metros de distância, membros das Sombras observavam Cybele, que, petrificada, percebeu estar sendo vigiada enquanto observava o resgate.
As pálpebras pesavam, porém o corpo continuava ávido por respostas, como se nada tivesse sido interrompido. Marine parecia ainda caminhar rumo ao homem que pedira carona na estrada de terra. Dessa vez, o cérebro não se mantinha lento como de costume, havia uma agilidade insana para desvendar o enigma dos seus esquecimentos repentinos.
Ao despertar, sentiu uma agulha na veia do braço esquerdo e surpreendeu-se com William encostado na parede, de braços cruzados, velando seu sono.
Marine olhou em volta, se viu conectada a alguns aparelhos, havia mais um corte em sua testa e escoriações pelos braços.
O rapaz comemorou discretamente o despertar, e a garota indagou o que ele fazia ali e, principalmente, onde estavam.
— Bom, isso é um quarto de hospital. — Disfarçou um riso. — E você sofreu um acidente — mantinha o timbre sempre terno.
Ela apertou os olhos e passou as mãos no rosto, os hematomas doeram.
— Ótimo, apenas mais um na lista de acidentes que sofri desde que cheguei à cidade. — Encarou-o de forma calculada.
William ficou um tanto sem graça, porém demonstrou confiança inabalável.
— Tudo ficará bem quando eu tiver certeza de tudo — continuou ela, movendo os dedos da mão que estava com a agulha do soro.
— Também espero que todas as suas certezas sejam respondidas — soou verdadeiro.
— Queria poder confiar nas suas palavras. — Umedeceu os lábios secos.
Afastou-se, incomodado, percebendo uma mudança em Marine.
— Suas indiretas estão cada vez mais agressivas — comentou receoso.
— São diretas, William — afirmou concisa. — Preciso sair daqui.
O rapaz a observava acuado.
— O médico saiu há pouco — tentou restabelecer a conversa. — Afirmou que seu quadro está regular, mas como você dormiu muito, precisou ficar em observação.
Marine estreitou os olhos, rezando para que não fosse como da última vez.
— Muito, quanto?
— Dois dias. — Franziu o cenho ao responder.
— Não é possível! — Assustou-se, tentando sair da cama.
A garota ficou extremamente possessa. Ergueu-se rapidamente e procurou por seus pertences.
— Cuidado! — Aproximou-se, tocando carinhosamente no braço dela.
— Como? Isso não existe! Estão me sedando — afirmou revoltada. — Me dopando, ninguém dorme tanto assim. Preciso sair daqui. — Afastou-se dele. — Ah, e foi seu amigo que me atropelou. — Voltou a olhá-lo com raiva.
— Eu sei, ele deixou flores e pediu desculpas. — Apontou para o vaso acima de uma mesinha.
— Eu vi você saindo do supermercado com ele. — Gesticulou impaciente.
— Como assim? — a voz engasgou.
— Estava passando, vi vocês saindo do supermercado e os segui até a floresta. — Aprumou-se, olhando-o firmemente.
O corpo do jovem enrijeceu.
— Me seguiu? Por quê? — Tentou disfarçar o medo que o preenchia.
— Aquele lugar que você entrou com seu amigo, é a sua casa? — inquiriu.
— Também — retrucou.
— Você trabalha naquela fazenda, junto com ele?
— Sim — respondeu depressa.
— É bastante protegido aquele lugar, câmeras, cartão magnético...
— Sim. — Desviava o olhar.
— Vai ficar monossilábico? — elevou o tom de voz.
— Não vejo necessidade de aprofundar sobre algo que não lhe diz respeito, é a minha vida que está fuçando — arrependeu-se no exato momento que terminara a frase.
— Por favor, saia daqui agora — pediu calmamente.
Embora soubesse que seu rosto estava queimando, com a vergonha de admitir que o seguiu apenas para, em seguida, ter isso jogado em sua cara, não se sentiu mal por estar sendo invasiva. Os dois sabiam que ele estava deliberadamente escondendo algo que ela precisava saber e, ao invés de ser honesto com isso, seguia tratando-a como uma idiota que acreditaria em suas óbvias mentiras.
— Desculpa — William baixou os ombros.
Silêncio desconfortável se refez entre os dois.
— O curioso foi que, quando voltei e ao atravessar a rua, ele me atropelou — prosseguiu Marine, abismada com tudo o que ocorria. — E o melhor, ele usa o mesmo amuleto.
A conexão dos olhares não foi perdida. Apesar de o rapaz não saber o que responder, continuou estancado diante da porta, observando-a com o sangue pulsando em seus tímpanos.
— Ele voltou porque havia esquecido algo...
— Não precisa me dizer mais nada. Agora, por favor, chame o médico — pediu, virando o rosto para fugir de seu olhar petrificado.
O rapaz movimentou-se devagar, abriu a porta e seguiu pelo corredor, cabisbaixo. Logo avistou o plantonista.
Marine teve um breve diálogo com o médico, que a examinou rapidamente, ao passo que as enfermeiras removiam os fios que a conectavam com os aparelhos. Em seguida, vestiu-se, obteve seus pertences de volta e assinou o termo de responsabilidade da alta. Fez um coque no cabelo e abriu a porta do quarto, deparando-se com William, de braços cruzados, encostado na parede do corredor.
— Você ainda está aqui? — perguntou em um tom muito ríspido.
— A senhora Claire pediu para que eu a levasse para casa — tentou responder normalmente.
— Ela está na cidade?
— Sim, e a Susan foi transferida ontem, está no quarto 301. — Apontou para a direita.
O aborrecimento com o rapaz desapareceu com a boa notícia que logo lhe preencheu de felicidade. Marine caminhou na frente enquanto ele a seguiu apressadamente.
Tentou pedir autorização para vê-la, porém foi recusado. Apenas pôde olhá-la através da vidraça. Embora a amiga estivesse sedada, precisava observá-la por alguns segundos. Tocou no vidro e os olhos encheram-se de lágrimas.
William manteve-se distante, olhando-a com cautela.
Antes de ir, depois de muitos minutos, prometeu em silêncio descobrir tudo.
Assim que a jovem seguiu pelo corredor com o semblante devastado por ver a amiga sedada, William dirigiu-se até ela.
— Vamos? — perguntou receoso.
Marine respirou fundo. A princípio, não quis aceitar, porém assentiu, demonstrando indiferença.
Encaminharam-se para o estacionamento.
William abriu a porta do carro para ela, que adentrou e permaneceu calada, reflexiva.
Os dois seguiram para a residência de Claire, em silêncio.
Minutos depois, o jovem estacionou o carro diante da casa e se dispôs a acompanhá-la até a porta, contudo Marine de antemão recusou, agradecendo de maneira rude a gentileza.
Atravessou o jardim, subiu os degraus da varanda e, ao abrir a porta, avistou Alice brincando próximo ao sofá e Thereza servindo a mesa. Marine não se aproximou de Alice por ter acabado de sair de um hospital, cumprimentou Thereza à distância, que expressava uma fisionomia preocupada.
— A Sra. Claire aguarda você no escritório — indicou.
Marine franziu a testa e dirigiu-se até a porta. Bateu duas vezes e entrou.
Claire mantinha-se acomodada em uma cadeira circular atrás da grande mesa organizada.
— Sente-se. — Apontou para a cadeira do outro lado da mesa. — Está melhor?
— Acredito que sim. — Sentou-se, encarando-a com o sorriso de sempre, porém sentiu algo estranho. — Vi a Susan no hospital. Ela estava sedada... — falou apressadamente.
— É... Houve melhora, por isso consegui a transferência. — Fitou-a amarga.
— Está acontecendo alguma coisa?
A senhora olhou dentro dos olhos da garota e inquiriu:
— Quero saber, como meu diário foi parar na sua bolsa? — Empurrou o livro que encontrara no dia que Marine fora atropelada. — E quando e como você o furtou?
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