🌺 Capítulo 19 - Transbordantes 🌺

Desperto com o aroma de café invadindo o ambiente. Raios solares projetam desenhos na lona da tenda. Uma manta feita de lã de carneiro cobre-me até o pescoço. Vozes e movimentos de pessoas vindos de fora indicam que já amanheceu há algum tempo. Sento e uma leve ardência no corpo me faz lembrar tudo o que aconteceu ontem.

__ Sabah alkhayr! __ A mesma senhora que cuidou de mim ontem entra na tenda carregando dois baldes.

Hoje está mais sorridente e vem acompanhada de uma jovem que carrega uma cesta com frutas.

__ Ela disse "bom dia".__ A jovem sorri de minha expressão confusa.

__ Ah, bom dia. __ Retribuo o cumprimento admirada pela garota aparentando uns treze anos falar tão bem português.

__ Me chamo Raja e essa é minha avó Soraia. Trouxe seu desjejum. __ A garota põe a minha frente a cesta que contém uvas, damasco, maçã, pão, geleia e uma garrafinha de vidro com leite.

__ Obrigada. Me chamo Adrielle. __ Sorrio sentindo-me envergonhada pelo tratamento cordial que essas pessoas estão me oferecendo.

A senhora começa a tagarelar enquanto enche uma tina grande com água. Logo um perfume de essências de rosas se espalha pela tenda.

A jovem a observa, sorri e começa a traduzir.

__ Minha avó diz que está satisfeita com o resultado de seu tratamento. Está com ótima aparência hoje. __ A garota me olha empolgada.

__ É verdade! O remédio que ela usou em mim é muito bom. Já não sinto quase dor nenhuma. Por favor, agradeça a ela por mim?

A garota conversa com a avó. A mulher apenas acena a cabeça e as mãos e sai da tenda carregando os baldes vazios.

__ Minha avó é a curandeira da tribo. Encara o que faz como uma missão. Não precisa agradecer.

__ Entendo. __ Franzo o cenho intrigada.__ Você fala muito bem meu idioma, Raja.

__ Grata!__ A menina faz um reverência. __ Nosso Qayid faz questão que todas as crianças da tribo estudem. Contratou um professor para nos ensinar.__ A garota estufa o peito.__ Mas eu tenho facilidade em aprender outras línguas. Já aprendi espanhol e português. Agora estou estudando inglês.

__ Parabéns! Você é muito inteligente! Mas, quem é o Qayid? __ Pego algumas uvas da cesta e coloco na boca.

__ Qayid é nosso líder. O chefe da tribo.

__ Ah, sim! Nossa, em pensar que eu muito mal falo um inglês arrastado. __ Resmungo.

__ Se quiser, posso te ajudar! Podemos estudar juntas. __ A garota se empolga novamente.

__ Obrigada, mas acho que não ficarei por muito tempo aqui.

__ Que pena. Seria bom ter a companhia de uma garota de minha idade.

__ Quantos anos tem?

__ Tenho quinze. Sou a mais velha das meninas.

__ Sou um pouco mais velha que você. Raja. Farei dezenove daqui há um mês.

__ Ainda assim seria melhor do que aturar aquelas pirralhas. __ A garota aponta com o queixo para fora onde um grupo de crianças corre de um lado para o outro.

__ Te entendo. __ Devoro um pãozinho com geleia em duas mordidas.

Só agora me dou conta do quanto estou faminta. Não como nada desde ontem no café da manhã.

__ Espero que fique pelo menos até o casamento de Samira e Hani.

__ Haverá um casamento na tribo? __ Tomo um gole de leite enquanto ouço interessada.

__ Sim. Samira é minha prima. Vai casar com o rapaz mais bonito da tribo, depois do Qayid, é claro. __ Raja suspira sonhadora.

__ Então sua prima é uma garota de sorte. __Sorrio de seu jeito inocente e romântico.

Raja confirma animada.

__ Quando estiver pronta, a ajudarei a se banhar.

__ Acho que não será preciso me ajudar. Estou bem melhor. Posso tomar banho sozinha.

A garota abaixa a cabeça decepcionada.

Droga, acho que esse negócio de ajudar a tomar banho é algum tipo de atitude honrosa por aqui. Porque Aiyra reagiu da mesma forma quando rejeitei sua ajuda.

__ Sinto muito se não a agradei. __ A garota começa a se levantar.

Seguro seu braço imediatamente.

__ Raja! Você me entendeu mal. Claro que gostei de você! Acontece que de onde venho as pessoas não costumam ajudar as outras assim o tempo todo. Só quando estão doentes.

__ Desculpe. __ A jovem ainda parece decepcionada.

__ Quer saber, acho que ainda estou bastante debilitada e uma ajuda para entrar naquela tina vai ser muito útil agora. __ Puxo a manta de lã de carneiro e me levanto.

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Raja me ajuda a tirar a túnica, a entrar na tina grande de banho, que mais parece um barril cortado ao meio, e a esfregar os cabelos.

__ Vou buscar roupas limpas enquanto termina. __ Raja avisa saindo apressada da tenda.

__ Hum, hum. __ A sensação da água fria em minha pele queimada é como um bálsamo refrescante.

Apoio a cabeça na borda da tina e fecho os olhos. Respiro fundo por alguns minutos, quando abro dou de cara com Khan a minha frente me observando. Fico meio que hipnotizada por algum tempo até que me dou conta da situação. Olho para os lados em busca de algo para me cobrir.

__ O que faz aqui?__ Cruzo os braços na altura do busto.

__ Vim saber como está. __ Khan dá um passo em minha direção.

O que ele está fazendo?!

__ Estou bem melhor, obrigada. __ Começo a entrar em pânico.

__ Queria também lhe explicar porque a trouxe para cá.__ Khan dá mais alguns passos em direção à tina de banho.

__ Podemos conversar sobre isso depois?__ Escorrego mais para o fundo.

__ Claro. Só precisarei ficar alguns dias na tribo porque haverá uma cerimônia... __ Khan não desvia os olhos dos meus e isso sempre parece me aprisionar.

Me lembra um leopardo pronto para atacar a presa.

Meus pés escorregam na tina e acabo afundando de cabeça. Khan me puxa pelos ombros. Um pouco de água transborda pelas bordas. Ficamos assim, parados nos encarando. Eu, encharcada e sem fôlego. Ele, segurando meus ombros molhados e os olhos vidrados nos meus. Até que seus olhos começam a descer. Se distraem por um tempo em meus lábios trêmulos, mas depois descem até o colo e meus seios.

__ Eu, eu... __ Minha face queima e tenho certeza de que não é mais pelas queimaduras.

Levo os punhos fechados até seu peito para empurrá-lo, porém a reação dele é mais rápida. Me puxa. A mão espalmada em minhas costas, cola meu corpo molhado ao dele. Nossa respiração se confunde. Ele encosta a testa dele na minha.

__ Não devia estar aqui... __ Minha voz sai arfante.

__ Não... __ Sua voz está rouca.

__ Khan, por favor, vá embora. __ Fecho os olhos. Meu corpo todo treme como se estivesse com frio em pleno clima desértico.

__ É isso mesmo que quer? Que eu vá embora?

Seus olhos de um azul profundo me encaram. Pela primeira vez vejo vulnerabilidade neles. Não consigo responder.

A mão grande desliza por minha espinha causando-me ondas de arrepios. Os lábios apenas encostam nos meus e esperam uma permissão. Entreabo os meus como se isso fosse o certo a se fazer.

__ Limahabat allah! __ Dou um salto de susto.

A senhora Soraia dá um grito na entrada da tenda. Tenta tapar os olhos de Raja que encara a cena entre perplexa e divertida.

Khan dá alguns passos para trás causando-me uma sensação de abandono.

Soraia entra na tenda gesticulando e falando desenfreadamente no dialeto deles. Khan parece respeitar muito a mulher e o que ela diz. Acena a cabeça concordando com tudo. Logo depois pede licença e sai da tenda sem me olhar.

Soraia joga um tecido em meu corpo e me ajuda a sair da tina de banho.

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