Sinto que os astros estão a meu favor hoje. Vanda resolveu funcionar, então pude usá-la para chegar mais cedo à entrevista com Kayke. Estaciono em uma das vagas no complexo de prédios onde funciona a Avellar Têxteis & Produções. Se tudo der certo e conseguir a vaga de estágio, terei que usar outro tipo de condução para trabalhar, porque Vanda terá que ficar com Chico na lavanderia para fazer as entregas.

Caminho até a porta dupla de vidro que se abre automaticamente assim que me aproximo. O ar frio do ambiente refrigerado imediatamente me atinge. Olho ao redor e me surpreendo com o luxo do ambiente clean. No saguão, apenas um segurança de terno e mais atrás um grande balcão de mármore com uma recepcionista bem maquiada e vestida formalmente. Me observa com expressão de tédio. Assim que falo meu nome, me encaminha para o elevador indicando o andar onde funciona o escritório da diretoria.

Meus saltos ecoam no chão de porcelanato vitrificado. Analiso minha aparência no espelho do elevador assim que entro sozinha. Drica me fez usar scarpins acompanhando a calça jeans skiny e a blusinha leve rosa chiclete com uma gravatinha que escolhi. Por mim usaria minhas sapatilhas rosas de lacinhos para combinar, mas ela disse que causaria uma péssima impressão, além de ser cringe.

Não sei porque Drica encrenca tanto com minhas roupas e acessórios. Mas enfim, talvez esteja certa. Preciso causar uma boa impressão nessa entrevista. Nunca fui muito de me preocupar com modismos. Uso aquilo que gosto e pronto. Mas hoje vou me encontrar com o exigente Kayke Avellar. Aquele que parece não aprovar nada do que faço.

Com os saltos sinto-me menos intimidada quando o elevador se abre e me deparo com o pessoal da empresa circulando de um lado para o outro. Tanto homens quanto mulheres estão muito bem vestidos. Alguns são bem excêntricos, mas não deixam de ser sofisticados com seus cabelos coloridos, piercings e estilo hippie.

__ Já gostei dessa vibe.__ Comento mais para mim e sorrio. Parece que a política da empresa valoriza a diversidade e a liberdade de expressão de seus funcionários.

__ Olá! Bom dia! Abigail?__ Um rapaz de terno e sorriso amistoso se aproxima.

__ Sim.__ Sorrio aliviada por alguém facilitar minha vida nesse momento.

__ Me chamo Alexander, mas pode me chamar de Alex. Sou secretário do senhor Avellar.

__ Prazer em conhecê-lo, Alex. Vim para uma entrevista com Kayke, quer dizer com o senhor Avellar.__ O rapaz sorri compreensivo.

__Por favor, me acompanhe. Ele já a aguarda.

Sigo Alex ao longo do espaço de trabalho moderno e amplo. Cada profissional tem uma divisória equipada com uma cadeira acolchoada, escrivaninha, computador e demais acessórios. O ambiente é bem iluminado graças a uma imensa parede de vidro que dá para um jardim. Sorrio secretamente ao imaginar o quanto deve ser agradável trabalhar em um ambiente assim.

Percorremos o espaço de piso imitando madeira e decorado com folhagens. Ao fundo, uma nova divisória do chão ao teto com uma porta de madeira que dá acesso ao escritório de Kayke. Alex dá uma leve batida e me anuncia. Assim que entramos, Kayke dispensa seu secretário e me convida para sentar. Olho para todos os lados. Sinto-me um pouco intimidada com o lugar e a pessoa sentada a minha frente.

__ Como vai, Abigail?__ Kayke mantém uma postura profissional. Me cumprimenta com um aperto de mão, apesar de sentir que foi um pouco mais demorado.

Será que minhas mãos estão muito frias ou trêmulas? Tomara que não tenha notado!

__ Bem, obrigada! E você?__ Sento tentando manter a mesma expressão profissional que ele.

__ Estou bem, muito obrigado por perguntar, Abigail. __ Ergo a cabeça e surpreendo-o com aquele sorrisinho debochado que me tira do sério.

Ok! Lá vamos nós! Mantenha-se indiferente, Abigail! Você é capaz!

__ Trouxe meu portifólio, caso queira dar uma olhada.__ Deslizo em sua direção.

__ Vamos ver.__ Pega e começa a folhear.

Aproveito para analisá-lo enquanto está distraído. Sempre com a barba por fazer, porém desenhada. O corte de cabelo é baixo na nuca e de um jeito desalinhado propositalmente no alto. Todas as vezes que o encontro está de terno. Se veste com roupas caras. Também o que esperava? O cara é filho de um dos maiores empresários do país. E uma das mais novas revelações no ramo da publicidade. Está acostumado a desfrutar do melhor da vida. Ergue rapidamente os olhos e me pega o espionando. Pigarreio e disfarço olhando para o lado. Ele sorri discretamente.

__ Bom, estou satisfeito com o que vi.__ Fico atenta.__ Seus trabalhos são muito bons, Abigail. __ Parece realmente surpreso. Meu peito se enche de orgulho.__Mas é claro que para trabalhar comigo, precisam ser excelentes.

__ Claro!__Sinto o pouco de segurança que me restava desmoronar. __ De qualquer forma agradeço por ter me recebido.__ Recolho a pasta de sua mão e me levanto apressada para sair. Kayke me olha desconcertado, mas não permitirei que faça pouco de mim.

Ele sabe que ainda sou uma estagiária. Se não pretendia me dar a vaga, porque me fez passar por isso? Podia ter me dispensado antes. Talvez tenha me recebido apenas por pressão do pai.

__ Não vou mais roubar seu tempo.__ Dou um passo e a maldita pasta se abre em minhas mãos. Todas as folhas se espalham no chão.__ Droga! Não acredito nisso!__ Ajoelho-me e começo a recolher o mais rápido possível.

__ Deixe-me ajudá-la.__ Kayke se levanta e vem ao meu auxílio.

__ Não é necessário. Posso fazer isso sozinha!__ Encaixo os trabalhos de qualquer jeito nos plásticos.

__ Abigail, calma! Está estragando seu portifólio. Me interpretou de forma errada, como sempre.

__ Escute aqui...__ Paro o que estou fazendo e o encaro.__ Não gosto de inspirar pena nas pessoas e muito menos preciso de favores. O fato de nossos pais estarem namorando não te obriga a me aturar em seu escritório.

__ Não estou sendo obrigado a nada, Abigail. Mais uma vez está sendo precipitada em suas conclusões. __ Kayke segura a pasta e eu tento puxar do outro lado.

__ Vai me dizer que a ideia de me oferecer uma vaga de estágio não partiu de seu pai?! Está na cara que ele quer agradar minha mãe! Mas não tem que envolvê-lo nisso. Sinta-se livre de qualquer pressão.

__ Claro que a princípio a ideia partiu dele, mas conhecendo seus trabalhos pude ver que realmente é talentosa e merece uma oportunidade de aprimorar seu conhecimento. Só que não me deu chance de explicar.__ O observo desconfiada.

__ Quer dizer que a vaga será minha?!__ O encaro começando a me sentir envergonhada.

__ Era isso que tentava dizer.__ Kayke se levanta e me ergue junto com ele apoiando-me pela cintura. Minha pele se arrepia com seu toque.

Espero que não tenha notado isso! Que ridícula que sou! Porque estou deixando a presença dele me abalar tanto?!

__ Escute-me Abigail. Tenho experiência nesse ramo e reconheço um profissional talentoso de imediato. Seus trabalhos são muito bons e podem ser aprimorados se tiver determinação e um bom acompanhamento, mas para isso precisa aprender a ouvir mais as pessoas. Se quiser ser uma boa profissional tem que se concentrar e parar de tentar adivinhar o que os outros pensam.

__ Sinto muito. Acho que o nervoso me fez perder o controle.__ Abaixo os olhos para não me denunciar mais.

__ Você acha? Pois eu tenho certeza! Você é muito impulsiva.__ Kayke ergue meu queixo com um dedo. O encaro com meus grandes olhos verdes. Tenho certeza de que estão arregalados. Sempre ficam quando estou nervosa.

__ Só não gosto de que tentem me fazer passar por tola. E não sou do tipo que manda recado. Prefiro eu mesma resolver meus problemas. __ Minha língua afiada dá sinal outra vez. Kayke sorri de lado.

__ Já notei isso.__ De frente para mim, me observa do alto. Mantém as feições sérias, mas não sei porque sinto um pequeno traço de admiração.

__ Estagiar em sua empresa fará grande diferença em minha carreira. Obrigada pela oportunidade.__ Recolho minha pasta de suas mãos quebrando a tensão estranha que havia se instalado entre nós.

__ Pode começar amanhã? __ Retorna para seu lugar atrás da mesa. Afirmo com a cabeça. __Pedirei ao Alex que lhe explique todo o funcionamento do escritório.

__ Está bem. Obrigada. __ Pego minha bolsa.__ Até que não foi tão assustador como imaginava!

__ O que disse?__ Kayke ergue uma sobrancelha.

__ O quê? Eu? Não disse nada.__ O encaro sem graça.

Eu e minha boca grande! Quando vou parar com essa mania de falar em voz alta o que penso?!

__ Disse sim.__ Ele franze o cenho e me analisa.

Droga! Só falta meu comentário idiota ter despertado o babaca que habita em Kayke! Íamos tão bem!

__ Como está sua irmã?__ Muda totalmente de assunto.

Partiu para o lado pessoal. Isso não é nada bom.

__ Bem. Um pouco abalada ainda com o que aconteceu, mas parece que aprendeu a lição. __ Dou uma breve resposta. Não sei mais o que dizer.

Kayke não se importa em ficar ali sentado me observando, mas isso já está me incomodando. Preciso sair logo desse escritório, antes que passe uma vergonha maior. Em uma coisa concordo com ele, sou impulsiva demais. Já ele é completamente o oposto. Parece ter todas as ações programadas. E isso desperta minha curiosidade.

Como alguém vive assim?! Será que Kayke consegue se divertir com alguma coisa?

Não posso deixar esse interesse transparecer. Puxo um assunto qualquer e começo a tagarelar. Isso sempre acontece quando estou tensa.

__ Gostei muito da decoração do escritório. Essa coisa de misturar a natureza com o ambiente de trabalho. Achei muito inteligente e inovador.

__ Que bom que gostou.__ Kayke sorri divertido. Une as mãos em cima da mesa.

Deve estar me achando uma idiota!

__ Bem, acho que vou indo.__ Aponto para a porta. Ele concorda.

__ Procure Alex. Ele lhe ajudará no que precisar para se adaptar.

__ Certo. Obrigada, Kayke. __ Me dirijo a porta, mas paro no caminho.__ Quer dizer, obrigada senhor Avellar.__ Ele continua me observando com seu olhar desconcertante.

__ Abigail?!

__ Sim?

__ Apenas Kayke. É o suficiente.

__ Enquanto insistir em me chamar por meu nome completo, prefiro lhe chamar também assim.__ Me surpreendo com minha audácia.

Cale essa boca, Abigail! Ele agora é seu chefe!

__ Como quiser.__ Ele me presenteia com um de seus sorrisos de vilão de HQ...