SEMANTICA

— Eu estou aqui! — Grita Dr. Fritz para Spencer, que continua com a visão bloqueada pelo nevoeiro. — Se for demorar mais avisa, que espero. — Ironiza o doutor.

— Se o senhor continuar falando vai ser mais fácil de achá-lo. — O rapaz identifica uma penumbra distorcida a alguns metros à sua frente. Spencer levanta o braço, tateando o vazio. Uma mão puxa-o com violência.

— Porra! — Grita o rapaz assustado e irado ao mesmo tempo com seu tio. Só depois ele percebe a parede com samambaias. Repletas de samambaias.

— Lindas não?

— Sim... mas como? — Spencer olha para o Dr. Fritz e pergunta: — O senhor já esteve aqui?

— Nunca. — O arqueólogo está parado, admirando a majestosa cortina verde, que parece ser infinita. — Mas, acredito que estamos perto.

— Como o senhor sabe disso? — Dr. Fritz aponta para o piso. Spencer franze o cenho, ao ver o desenho quase embaixo do seu pé.

— Runa. Ela indicará o caminho. Venha! Vamos!

— O senhor não acha melhor voltarmos e continuarmos amanhã? — Spencer olha para o céu. — A noite já está chegando.

— E você acha que conseguiríamos encontrar esse lugar amanhã? Somente porquê será dia? Não viu o nevoeiro? O clima aqui nunca muda. — Dr. Fritz para de falar, coloca a mão no ombro de Spencer e diz: — É... você tem razão. Vamos voltar para o acampamento.

— Não. Esse é o seu sonho tio. Nós vamos continuar.

— Spencer, podemos fazer isso amanhã. Você tem razão, e além do mais estou cansado.

— Cansado? O senhor? Duvido. Vamos continuar. Amanhã estaremos ricos e famosos.

— Tem certeza?

— Absoluta. — Os dois iniciam a caminhada. Dr. Fritz segue na frente. Spencer, por curiosidade, coloca o braço esquerdo no meio das samambaias, que facilmente entra, porém não consegue chegar ao final.

O nevoeiro parece obedecer um limite. O jovem sente-se andando por um corredor, tendo uma parede verde à sua esquerda, e uma parede cinza à sua direita.

Dr. Fritz anda a passos largos. A vitalidade do homem, chega a impressionar o sobrinho. Há várias perguntas que começam bombardear a cabeça do rapaz. Como eles desceram tão longe, em tão pouco tempo? Se o seu tio, nunca esteve ali, como encontrou de imediato a primeira runa? E como ele sabe que o tempo nunca muda?

A única coisa que conforta Spencer é não está mais com dor de cabeça. O piso começa a ficar um pouco úmido, observa o rapaz.

Outra coisa percebida pelo rapaz, é que houve uma mudança no caminho. O que antes era feito de cimento, agora, passou a ser de cerâmica.

— Tio, cuidado para não cair.

— Acho que já estamos chegando.

— O que as runas dizem?

— Cada uma delas, significa uma letra em nosso alfabeto. — Responde Dr. Fritz.

— Então, pelas quantidades de runas que passamos, acho que está dizendo: "Entrada". — Spencer comenta sorrindo.

— Dullahan. É isso que elas estão dizendo. — A resposta do Dr. Fritz, tira o sorriso dos lábios e do rosto do rapaz.

O arqueólogo para, e coloca as duas mãos nas samambaias, como se estivessem abrindo duas cortinas.

— Chegamos!

— E como o senhor sabe?

— Não sente a energia? — Dr. Fritz responde sem olhar para trás. — É esse o lugar. Vamos... o ouro nos chama.

Com dificuldades, os dois vão abrindo caminho pela vegetação. Porém ao passarem por ela, tio e sobrinho param estarrecidos com a beleza sombria do local.

O local é oval, com oito blocos de pedras de um metro de altura, por oitenta centímetros de largura.

Cada bloco está talhado com uma letra do alfabeto rúnico.

No centro tem um círculo rochoso, de circunferência não tão grande e com várias moedas de ouro dentro dele.

Não tem como precisar, o quanto de riqueza tem ali.... mesmo o círculo não sendo grande, e tendo no máximo dez centímetros de profundidade.

O ambiente não é escuro. O local é todo iluminado.

— Tochas... como pode ser isso? Sente alguma circulação de ar? — Pergunta Spencer olhando para o tio.

— Olha quanto ouro. — O metal brilha através dos olhos do arqueólogo. — Precisamos começar agora.

— Agora? — A surpresa toma conta da face de Spencer. — É muita coisa para levarmos!

— Não vamos levar agora. — Dr. Fritz olha para o sobrinho. — O que faremos inicialmente é tirar o ouro de dentro do círculo. — Ao terminar de responder, o arqueólogo corre e começa a jogar o ouro que cabe nas suas mãos, para fora do círculo.

Spencer fica parado. A determinação do tio é descomunal, chegando a beirar a loucura. O rapaz caminha até onde o velho encontra-se e começa a ajudá-lo. O tempo passa. Spencer pega o celular, mas xinga ao vê-lo descarregado.

Tio e sobrinho sentam-se lado a lado, depois de colocar o ouro fora do círculo... quando percebem, já estão sentados embaixo de toda aquela riqueza.

— Quanto o senhor acha que temos aqui?

— Uma vida meu sobrinho. Uma vida. — Dr. Fritz fala sem olhar para Spencer.

— Na verdade... são várias vidas! — Comemora o rapaz pegando um punhado de ouro com uma das mãos. — Nem acredito que tiramos tudo isso, desse buraco.

— Não é um buraco. É um receptáculo. — Spencer, ainda segurando o ouro com a mão direita, quando é surpreendido com uma pergunta: — Você consegue ver o que há sobre nós? — Spencer passa alguns segundos, até entender onde eles estão.

— Caralho... estamos... os altares está em cima da gente?

— Exato sobrinho. — Dr. Fritz olha para o relógio de pulso. — Muito obrigado. — Spencer abraça o tio e diz:

— Que isso doutor Fritz Brommer? Sentimentalismo? Pensei que houvesse riscado essa palavra do seu dicionário. — O rapaz solta o ouro que está na sua mão, e recebe o afago do tio em seus cabelos.

Spencer sente o aço corta-lhe a garganta.

Com os olhos arregalados e horrorizados, vê o tio com a mão direita lavada com seu sangue, sentado ao seu lado.

O rapaz sente o líquido precioso e quente, escapar pelo seu pescoço e pela sua boca.

— O... que... — Ele para de falar. O sangue inunda a boca de Spencer.

— É uma pena... você vai perder o show. — Dr. Fritz limpa a faca na perna da sua calça, depois levanta-se e começa a puxar o sobrinho pela gola da camisa, até dentro do círculo. E depois olhando para cima continua: — Não vai demorar muito para o sangue começar a correr pelas paredes. — Spencer, debate-se igual um peixe fora d'água. Nunca o ar foi tão precioso para ele. As últimas bolhas com sangue vão sendo cuspidas.

— Há seis meses atrás estive aqui. E não achei esse lugar por acaso. — Dr. Fritz ajoelha-se ao lado do sobrinho. — Eu ouvi a voz dele. Fui guiado até aqui. E bem lá no meu íntimo, Dullahan dizia-me o que devia fazer e como devia executar. — Dr. Fritz suspira decepcionado ao perceber que estava falando sozinho, já alguns segundos.

Com uma brutalidade animal, o arqueólogo começa apunhalar o pescoço de Spencer, até separar a cabeça do corpo. Com o rosto banhado em sangue diz:

— Dullahan.... cabeças pelo ouro, como prometido. — Dr. Fritz joga a cabeça do sobrinho no chão, que vai rolando até o centro do círculo.

O corpo debate-se. Não porque haja vida, mas sim, pela pressão sanguínea liberada em esguichos, pela cabeça que falta.

Dr. Fritz sorri com os olhos ao perceber o sangue correndo pelas paredes. A poderosa magia negra estava naquele local. O sangue não pingava, escorria... com total ausência da gravidade.

O arqueólogo sorri, porque os adoradores de Crom Dubn foram pontuais. Karl Marx estava certo quando disse que a religião era o ópio das massas.

Ele nunca teria tido sucesso, sem os adoradores de Crom Dubn. Dez cabeças rolaram. Dez cabeças contratadas. Dez pessoas que venderam seus serviços, sem saberem que seriam os sacrifícios.

Toda sua equipe foi morta. Fritz Brommer gargalha.

O sangue vai escorrendo pela parede, até a última gota.

O círculo está completo com o líquido vital, mas não cheio. Uma piscina rasa e vermelha.

Pequenas ondas começam a movimentar o sangue.

O coração do arqueólogo acelera. Ele está deslumbrado com o que está vendo. O corpo do sobrinho é estranhamente tragado pelo sangue, juntamente com sua cabeça.

Dr. Fritz vê surgir de dentro do círculo, subindo, elevando-se do sangue que expulsa lentamente um corpo decapitado.

O corpo nu, banhado em vermelho rubro, encontra-se parado em pé, no meio do círculo de sangue. Ele abaixa-se e pega duas coisas:

A cabeça e um machado.

— Dullahan. Eu sou o servo que te trouxe a vida. — A cabeça que está segurada pelo braço esquerdo, abre os olhos.

— És um humano de palavra. — Fala a cabeça com um sorriso diabólico. O coração do doutor gela, ao perceber que é a cabeça do seu sobrinho que fala com ele. — E eu também cumpro minhas promessas.

— Obrigado ó grande Dullahan. — Dr. Fritz curva-se diante do corpo que ainda está dentro do círculo.

Fritz Brommer entende que Dullahan não pode sair. O ouro está espalhado no chão. Sem demoras, o arqueólogo começa a abrir o caminho, jogando ouro para todos os lados.

O Cavaleiro sem Cabeça, começa a caminhar para fora do círculo. Ao tocar com seus pés no chão, a cabeça fecha os olhos e geme de prazer.

— Como é bom está vivo novamente. — o corpo vira-se para a piscina de sangue, levanta a mão com o Machado, e a cabeça assobia.

Um cavalo negro salta de dentro do sangue. Os olhos são mais vermelhos que o próprio sangue que toma conta do seu corpo. Dullahan, afaga o focinho do cavalo e diz:

— Inferno... estamos novamente juntos. — O animal relincha. Dr. Fritz ajoelha-se mais uma vez. O Cavaleiro sem Cabeça continua falando com Inferno: — E novamente mataremos os amaldiçoados. — O relinchar do animal, quando sobe as patas dianteiras, é de puro prazer.

O arqueólogo escuta Dullahan mandá-lo levantar-se. Sem demorar, Dr. Fritz o obedece.

— O ouro é todo seu como recompensa. — O Cavaleiro sem Cabeça rodopia seu machado e com um único golpe, divide Dr. Fritz em duas partes... cada banda do corpo caindo em lados diferentes, e por cima do ouro.

O Cavaleiro sem Cabeça gargalha. O seu trato fora cumprido.

— Uma coisa é receber a recompensa, outra coisa é gasta-la. — Dullahan fala ironicamente, para depois subir em Inferno, e sair cavalgando em busca dos amaldiçoados.

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