Six Months
Seis meses.
Fazia seis meses que Rachel tinha os mesmos sonhos, como se se tratasse de um mundo alternativo ao seu. Um mundo onde ela não era obrigada a trabalhar, mas precisava agir de acordo com todos ao seu redor. Precisava agir como uma princesa.
Afinal, ela era uma princesa. E essa era toda a ironia desse mundo. Ela, com 15 anos de idade, sonhando com princesas? Se contasse a qualquer pessoa, seria zoada até o fim da sua vida.
Provavelmente, aquilo começou quando ela folheou o livro "A Seleção" na biblioteca de seu colégio. De repente, era como se ela vivesse com duas vidas, que se complementavam: a real e a dos sonhos, onde ela era a irmã esquecida da história. Chegava a pensar se tudo o que sonhava era realmente a verdade, se Maxon Schreave tinha alguma irmã que não apareceu durante a história. Como se Kiera fosse desperdiçar uma história dessas...
— Rachel — sim, uma curiosidade: ela tinha o mesmo nome da vida real.
— Sim? — perguntou, sem levantar o olhar de seu livro.
Foi obrigada a levantar o olhar, quando sua empregada (sim, ela tinha uma empregada!) pegou o livro de suas mãos.
— Rachel! — ela exclamou de novo, repreensiva.
— Desculpe! — disse Rachel, sem entender.
— Se vossa mãe lhe vir agindo desta forma... — a empregada, que Rachel não lembrava o nome, continuou dizendo.
— Diga de uma vez o que quer. Eu estava lendo — reclamou Rachel, olhando para o livro, de braços cruzados.
— Seu pai quer lhe falar, em seu escritório — ela fechou o livro, ao dizer isso.
— Meu pai? O que ele quer? — era a primeira vez que ele pedia para falar com ela.
— Eu não posso me meter no assunto dos patrões, senhorita — a empregada disse, desviando o olhar.
— Certo!
Ela tinha alcançado a porta, quando foi parada pela empregada.
— Senhorita! — exclamou.
— O que? Tem um bicho em cima de mim? — perguntou, esquecendo-se dos modos.
— Vai visitar seu pai vestida deste jeito? — ela fez um gesto com as mãos, em direção às suas roupas.
Rachel olhou para baixo, e não viu nada de mais.
— Há algo de errado com minhas vestes? — perguntou, confusa.
— Criança — ela não sabia se ria ou chorava, colocou as mãos em seus ombros — Venha! Deixe que eu lhe arrumarei.
— Mas disseste que meu pai está esperando-me. Não se irritará com minha demora? — era estranho falar tão formalmente.
— Se irritará mais com seu descaso — garantiu a empregada.
Sem opções, deixou-se ser arrumada, e apressou-se para o caminho (precisou ser guiada por um guarda, já que nunca passou por ali).
— Está atrasada — foi o que o rei disse, assim que ela entrou no aposento.
— Perdoe-me por isso. Não estava trajada adequadamente — disse Rachel, olhando para baixo.
— Podem ir — o rei dirigiu-se para os seus assessores, que fizeram uma reverência e se foram por onde ela entrou.
— O que... Gostaria de falar comigo? — perguntou, ainda de pé.
— Sente-se — ele apontou a uma das cadeiras à sua frente
"Foi uma ótima decisão permanecer em pé" pensou Rachel, indo para perto da mesa.
Ela nunca esteve acostumada a obedecer às outras pessoas, não gostava de ser repreendida, mas, apesar de ser apenas um sonho, ela sabia que era melhor para ela tornar aquilo tudo o mais agradável possível.
— Já tens 18 anos — disse seu pai, repentinamente.
Rachel observou sem expressão a mesa. Era 3 anos mais velha ali? Não tinha tanta certeza...
— Sim, senhor — foi o que encontrou para dizer.
— Por que estás agindo como uma subordinada? — o rei parecia incomodado — Olhe para o seu pai.
Sem opções, ela olhou para ele, incomodada.
— Deveria passar menos tempo trancada naquele quarto — disse, como se realmente se preocupasse com ela.
— Estava estudando — respondeu, tentando desviar o olhar, sem que aquele homem se incomodasse.
— Isso é muito importante, mas deveria passar mais tempo ao ar livre — insistiu.
— Sem querer ser desrespeitosa, — "mas já sendo" completou mentalmente — mas chamou-me para reclamar de meus hábitos?
Sabia que estava sendo insolente, mas estava curiosa. Seis meses que estava tendo aqueles sonhos, todas as noites, e o rei nunca lhe dirigiu a palavra. Era sempre a rainha ou o príncipe, seu irmão (que não era Maxon, importante esclarecer isso).
— Seu irmão enfrentará a seleção durante os próximos meses — anunciou o rei, e Rachel não surpreendeu-se que até aquilo fizesse parte de seu mundo de fantasia — Havendo o casamento dele, deverá casar-se também.
Demorou um pouco, antes de perceber que se referia a ela.
— Como disse? — perguntou, para assegurar-se.
— O que escutaste — respondeu, calmamente, e Rachel perguntou-se se sua homônima era calma em relação à essas coisas, ou o rei não preocupava-se mesmo com sua opinião — Não está realmente surpresa, certo?
— De certa forma, sim — respondeu.
— Sempre soube que isso ocorreria um dia, Rachel — ele disse.
— Não esperava que fosse tão rápido.
O rei não respondeu-lhe, olhando em alguns papéis.
— Não precisa preocupar-se, eu e sua mãe cuidaremos disso — ele disse, vagamente.
Era justamente isso que a preocupava. Ela tinha lido nos livros como acontecia. Os príncipes tinham sua seleção. As princesas eram casadas com nobres de outros países, para selar a paz.
— Pai, eu lhe imploro — ela disse, em um rompante — Deixe-me escolher... O que tens a perder com isto? Eu casarei-me com um nobre, de qualquer maneira. Todos sairemos ganhando, o reino continuará em paz com o país que for.
— As coisas não são assim, Rachel — ele disse, e sua inexpressividade a alarmava.
Afinal, ele seria como o rei dos livros? Ou seria um rei mais compreensivo?
Talvez a sorte dela foi que, naquele instante, sua mãe entrou ali. Ela iria lhe apoiar, Rachel tinha certeza, passou tempo suficiente com ela para ter essa certeza.
— Incomodo? — perguntou a rainha.
— É claro que não, querida — o rei levantou-se de seu lugar — Estávamos conversando sobre aquele assunto.
— Sim, eu confesso que estive escutando as últimas frases — ela sorriu.
— Mãe, por favor — implorou Rachel, levantando-se também.
— Rachel, deixe-nos a sós — a rainha interrompeu-a.
Ela suspirou, derrotada, mas assentiu com a cabeça.
— Vá andar um pouco nos jardins — o rei sugeriu, chamando um guarda para acompanhá-la.
Sem escolha, Rachel foi obrigada a caminhar, observando como o lugar era grande para uma família pequena. Seria mais agradável se ela tivesse outros irmãos, irmãos mais novos... Caminhar sob a vigilância do guarda era algo incômodo. Ainda mais pelo fato de ele ser lindo, mas Rachel não podia prestar atenção nisso, era apenas um guarda.
— Seu pai requer sua presença, novamente — outro guarda informou.
Ela ficou aliviada pelo suspense terminar, e seguiu o novo guia, evitando olhar para o lindo guarda, que antes a acompanhava em sua caminhada silenciosa.
— Está certo, Rachel — o rei disse, assim que ela chegou, a rainha estava ao lado da cadeira dele — Fará uma viagem por alguns países.
— Quanto tempo tenho? — perguntou, era uma questão importante.
— Seis meses — parecia uma ironia aquele tempo — Se não indicar alguém, voltará imediatamente e nós iremos escolher.
— Concordo — ela assentiu.
Seus olhos abriram-se, e ela voltou para o seu quarto, na vida real.
Pegou o livro "A Elite" e folheou as páginas, perguntando-se se a linguagem era tão formal quanto em seu sonho.
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