Covarde Grifinório

Edwiges bicou a janela por um longo tempo. Longo o suficiente para que o barulho incomodasse o bruxo enfurnado entre as milhares de cobertas para o proteger do inverno da Inglaterra e o fizesse, finalmente, acordar. Se sentou na cama confuso, e, ligado no automático, seguiu até a janela para abri-la.

A coruja branca como a neve que caía quase cuspiu o pergaminho em seu rosto.

— Edwiges. Como você..? Achei que ninguém mais conseguisse te chamar além de mim. – Murmurou, sonolento e perdido, enquanto procurava seus óculos e fechava a passagem para o mundo exterior novamente.

Se sentou no claro o suficiente e franziu o cenho ao passar os dedos pelo selo Malfoy. O que Draco queria consigo dessa vez? Seria aquela uma armadilha? Uma pegadinha digna dos Weasley no meio da madrugada, para atormentá-lo? Abriu o pergaminho, e se surpreendeu com a aparência da carta. Todo o papel estava manchado, algumas manchas claras, outras num tom suspeito e escuro, as linhas tortas às vezes embaralhando-se. O que aquilo significava?

Seu olhar vagou para o topo.

"Potter,..."

Harry estava chocado, ao final. Não achava que.. Draco apaixonado? Por ele? Isso parecia tão improvável que o fazia rir de nervoso. Achava que o beijo tinha sido um erro, que aquilo era apenas Malfoy tentando voltar ao mundo real e fazendo loucuras que não faria em outros termos. Ele se lembrava, e como se lembrava, de quando o beijara primeiro. De como seu peito se acendeu como se um Lumus tivesse sido conjurado e trouxe consigo um sentimento que, até então, nunca havia experimentado. Entretanto, nenhuma sensação foi tão boa quanto a que Harry sentiu quando Draco o puxou e o beijou ele mesmo.

Foi ali, enquanto sentia como se explosivins estivessem fazendo toda uma algazarra, que ele decretou que Malfoy não sentia nada por ele.

Se mantenha vivo.

Pois, se morresse, levaria também uma parte do Potter. Se amaldiçoou tanto ao terminar de ler a carta que poderia ter inventado uma nova imperdoável, quem sabe? Estava tão, tão arrependido. Primeiro, não conseguiu encontrar Draco depois da Guerra em lugar algum, não importava onde procurasse. Segundo, a euforia foi tanta que não conseguiu se afastar dos sobreviventes e dos holofotes por semanas. O aclamado Potter, herói do mundo bruxo, capa de revistas e primeira página dos jornais, não conseguia sair de casa sem ser assediado por fotógrafos ou "fãs". Mas tudo isso passou. E ele não visitou Draco – não lhe dirigira uma palavra sequer – por falta de coragem. Irônico, vindo de um Grifinório tão popular como ele.

Não o levem a mal, Harry beijou Draco porque quis. Porque estava atraído e talvez se arriscasse dizer irrevogavelmente apaixonado desde o terceiro ou quarto ano, quando descobriu que gostava de garotos e tentou, a todo custo, tirar o loiro dos seus pensamentos. Ele não queria ter que encarar o Malfoy ou se obrigar a ouvi-lo dizer que havia beijado-o de volta por causa do calor do momento. Draco Malfoy odiava Harry Potter, no final das contas. Eram inimigos e ponto final, não havia brechas para outra coisa. Não poderia haver.

Havia.

Com as mãos tremendo e o coração acelerado, Potter escreveu sua resposta. Rabiscada, mas legível, diferente da caligrafia cuidadosa do seu destinatário. Ele arqueou as sobrancelhas ao se perguntar como a letra de Malfoy poderia continuar bonita mesmo naquelas condições. Ao final da escrita, enrolou o pergaminho, selou-o e entregou a Edwiges.

— Entregue de volta. Mas só saia depois de mim. – Especificou, enquanto se levantava e trocava suas vestes com um aceno de sua varinha.

Em seguida, fechou os olhos e se concentrou. Malfoy.. Draco Malfoy. Malfoy Manor. O quarto escuro e frio..

Harry achava que não importava quantas vezes o fizesse, nunca ia se acostumar a aparatar. Deu dois passos cambaleantes em direção ao portão da mansão e suspirou fundo, tirando a mínima poeira dos ombros e entrando. O portão rangeu quando entrou. Ele sabia que não tinha que se preocupar, afinal, Draco ainda era o único Malfoy vivo. Provavelmente o último da linhagem. Ele se lembrava que Lucius queria que o loiro se casasse com Astoria Greengrass para lhe dar Herdeiros. Mas, Greengrass terminou a Guerra traumatizada, e seguia internada no St. Mungus desde então. Eles nunca quiseram mesmo se casar.

Entrou em silêncio pela grande porta de madeira e quase prendeu a respiração com o forte cheiro de flores que provinha do segundo andar. O seguiu, e encostou a testa na porta do quarto de Draco. O cheiro vinha de lá. Não se deu o trabalho de bater, apenas girou a maçaneta com cuidado e entrou.

A cena fez com que caísse de joelhos e contemplasse o horror poético que era a situação de Draco Malfoy.

Flores. Lírios, para ser mais exato.

Centenas deles, enchendo o quarto, contornando toda a cama que flutuava em meio as pétalas. Draco jazia sentado num dos lados da cama, os dedos brincando com uma flor de lírio ensanguentada. A aparência doente não lhe passava despercebida: os lábios inchados e vermelhos, as olheiras fundas, a pele mais pálida que o comum. Mesmo seus cabelos, sempre cuidadosamente penteados e sedosos, perdera seu encanto, seu brilho.

— Vejo que cansou de me ignorar, Potter. – Sua voz era rouca, sofrida, cansada. Como se sua garganta estivesse eternamente arranhada. Harry ficou em silêncio, curioso com o fato das pétalas estarem manchadas de sangue. Todas elas estavam, do quarto, ele percebia agora. – Já ouviu falar de Hanahaki Byou?

Não, ele não tinha. Entrou no quarto, fechou a porta atrás de si e andou até se sentar ao lado de Draco na cama. Este ainda não o olhava nos olhos. Suspirou.

— É magia japonesa, Potter. Funciona assim: se contrai quando algum amor unilateral nasce. Flores.. Inundam todo seu organismo. Não há como segurá-las, então, apenas saem livremente. Quando querem. Existem três estágios: o primeiro, tossimos pétalas. – Explicou, fazendo um gesto vago com a mão. As pontas dos seus dedos estavam vermelhas.

"Em seguida, tossimos flores inteiras. Pétalas, caule, espinhos. Numa hora dessas, mal consigo falar. Os espinhos machucam a minha garganta e uma boa parte dos meus órgãos. Por último, vomitamos buquês inteiros, Harry. Não só pétalas, caule e espinhos, mas sim folhas, ramos, galhos. Não é difícil olhar ao redor e descobrir em qual estágio estou, é? Existem três alternativas, também. Eu poderia aparatar para alguma comunidade bruxa japonesa e fazer uma cirurgia. Mas, veja, eu esqueceria de tudo; não saberia quem você é, e nunca mais poderia amar outra pessoa na vida. A outra alternativa é ter os meus sentimentos correspondidos, mas tudo o que sinto vindo de você agora é pena, e eu não preciso dela. A terceira, foi a que eu escolhi. Morrer de amor, Potter. Quer um fim mais Lufano do que esse?"

A boca de Harry ficou subitamente seca. Sim, Draco parecia mais debilitado agora, pensando bem. Seu rosto estava mais fino, o corpo mais magro e fraco. Duvidava que ele conseguisse sequer fazer algum feitiço simples como Wingardium Leviosa agora, além do que.. Estava perdendo sua magia. Que grande idiota.. Ele soltou um riso afogado.

— Isso é engraçado pra você?

Não pôde responder. Edwiges tinha acabado de chegar. Em tempo, Malfoy curvou-se e tossiu com força, o corpo sacudindo pelo esforço, o sangue escorrendo pelos lábios enquanto, segurando-se no lençol, cuspia um enorme buquê de lírios ensanguentados dolorosamente. Um suspiro quando as flores caíram no chão. Uma lágrima silenciosa. Draco esticou o braço e, trêmulo, buscou um lenço para que pudesse limpar o sangue que agora escorria pelo seu queixo. A coruja de Harry largou o pergaminho na cama e se foi, pra longe.

— Você é um idiota, Malfoy.

Um sorriso de canto avermelhado.

— Eu sou um idiota? Você me beijou. Me beijou e fugiu como se eu fosse a pior coisa que poderia acontecer pra você em toda a sua vida. Nunca mais falou comigo, sequer enviou alguma carta, e agora aparata na minha casa, pra que? Pra me ver morrer de amor, literalmente? Se soubesse, não teria enviado à carta, se soubesse que seu ego precisava ser tão acariciado assim. – Seu tom era magoado, e Harry não podia julgá-lo por isso. Tinha errado, e se arrependia amargamente disso agora, vendo todo o transtorno causado. – Você foi um covarde, Harry Potter. E continua sendo, parado aí sem fazer nada. Você sequer merece a Grifinória.

As palavras atingiram Harry com força. Ele desviou o olhar, mas continuou com um pequeno sorriso de canto.

— O que foi, inferno?! Diga alguma coisa!

Suspirou dessa vez, e voltou a olhar para Draco. Seus olhos pareciam prata derretida e misturada com o azul do céu. Não podia, nem queria, deixar que aquilo se apagasse.

— Você não vai morrer de amor. Hanahaki Byou se trata de amor unilateral.

Ele esticou-se, e, sem ligar para o gosto de ferro nos lábios do loiro, uniu-nos aos seus. Draco o puxou; agarrou-se a Harry como se sua vida dependesse daquilo, e dependia mesmo. As mãos fracas e trêmulas do Malfoy abraçaram a cintura do moreno e o puxaram para mais perto, porque não aguentavam mais um segundo sequer longe um do outro. Era como se estivessem envoltos numa atmosfera energética vermelha e verde. Grifinória e Sonserina. A magia de Draco o atingiu de volta com tanta força que o deixou tonto, e mesmo assim, não se distanciou dos lábios de Harry.

— Eu disse que você deveria se manter vivo. – Sussurrou o moreno.

— Você é um idiota, Potter. – Respondeu no mesmo tom, o que arrancou sorrisos de ambos os homens.

Draco o puxou novamente para que se deitassem, e agitou a varinha. As flores sumiram, a exceção de uma, na cômoda ao lado.

— Lírios, Malfoy?

— Não são as suas flores favoritas? – Perguntou, com as sobrancelhas arqueadas. Harry deu de ombros.

— Acabaram de deixar de ser.

— Por que? – Ambos se entreolharam. Um sorriso cúmplice, um selar no canto da boca. Ele próprio agitou sua varinha para transfigurar a flor restante. Suas pétalas se abriram, tornando-se maiores, o centro amarelado e as pontas brancas.

Draco inclinou a cabeça, sem entender. Quando Harry o explicou, soltou um riso e o empurrou na cama, prensando seus lábios novamente.

— Já ouviu falar de Fruto do Dragão?

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