CHARLI, point of view
Nova Iorque

Acordei no mesmo espaço novamente. Durante os últimos dois meses eu acordei no hospital e a cada dia eu via minha barriga crescer, a solidão se alastrar e o silêncio fulminar pelo ar.

Silêncio. Isso eu podia fazer, eu sempre estava em silêncio. Eu não podia falar com ninguém, nem mesmo com o bebê na minha barriga. Disseram que seria temporário, mas já se passaram dois meses e eu ainda não falei. Ah, e sobre falar, eu não consigo falar literalmente. Foi uma sequela por conta do infarto que eu quase tive.

Foi melhor ficar sem voz do que perder meu bebê. Falando eu bebê, eu a vi duas vezes nos últimos 2 meses, chorei o dia todo nas duas vezes e um dia antes eu usava o banheiro várias vezes de tão ansiosa que eu estava pra vê-la. Queria poder ter visto Chase também, mas disseram que ele não veio nenhuma vez. Tive a impressão de ter escutado sua voz, mas meu pai não disse nada e eu não perguntei, não dava pra perguntar.

Eu ia sair hoje do hospital, eu estava ansiosa. Quero ver Kiara mais vezes, sentir o seu cheirinho, ver seu sorriso. Quero ver Chase também, poder me explicar, beijar ele, abraçar. Se ele pudesse ao menos só olhar pra mim e sorrir, já estaria bom pra mim.

— Oi — Addison entrou no quarto empolgada — O que acha de ir tomar um milkshake? Ou comer um hambúrguer. Abriu uma lanchonete aqui perto, o que acha?

Balancei a cabeça concordando com ela.

Addison se mudou para Califórnia um mês atrás, ela não saiu do meu lado desde o dia em que chegou. Ela só falava e tentava fazer eu falar, mas nenhum som era emitido quando eu tentava falar. Mas no fundo, eu não estava me esforçando pra falar, pra mim tanto faz ficar sem voz.

— Maquiagem? — Ela perguntou, mas foi logo passando maquiagem sem ouvir minha resposta, ou ver minha resposta.

Assim que fiquei pronta, fiquei de pé e andei um pouco. Não tive outras sequelas como perder o movimento das pernas, só perdi a voz.

Achei estranho ao sair, não tive que preencher nenhuma ficha com Avani, ela nem estava lá. Talvez eu estivesse boa o suficiente e ninguém ia se preocupar comigo, ou o hospital tirou essa opção, o que eu achei muito bom.

— Olha, tem um bloquinho e uma caneta aqui, quando quiser dizer alguma coisa, é só escrever — Ela me entregou o bloco e a caneta quando chegamos no estacionamento — Tenta usar, escrever algo que você queria muito agora.

Comecei a escrever no papel, não precisava pensar muito.

“Kiara e Chase”. Foi o que eu escrevi. Tinha certeza que Addison não podia me levar até eles por enquanto, e eu não estava em condições de cuidar da minha própria filha se eu quisesse ficar com ela. E eu não podia ficar com Chase pelo simples fato de ter sido burra por não cancelar o divórcio e insistir em falar com Pepe.

Peguei o bloco novamente e escrevi algo novo: “Podemos comer pizza e umas batatas fritas?”

— Claro, vamos no melhor lugar da Califórnia.

Ficarei grata pelo resto da vida por Addison estar sendo tão paciente comigo. Ela foi a única que sempre esteve ao meu lado quando eu não queria ver meus pais, não queria que eles me vissem sofrendo. Addison foi como uma irmã em todos esses momentos.

— O que acha de ficar no meu apartamento? Não sei se vai querer voltar para aquela casa já que você viveu muitos momentos ali.

“Quero ficar onde Chase e Kiara estão” escrevi no papel. Addison suspirou, até me perguntei quanto tempo mais ela ia ter paciência comigo.

— Char, ele não quer ver você, seu pai disse que ele falou que não queria mais ir no hospital — Ela suspirou — E em todas as vezes em que eu fui, ele não estava lá.

Olhei pra ela com uma cara de brava, ela deu de ombros e voltou sua atenção pra estrada. Peguei o bloco e escrevi algo que eu já sabia a muito tempo.

“Meu pai mente. E eu preciso ver ele querendo ou não.”

Addison sorriu depois que leu meu recado.

— Eu não faço idéia de onde fica o apartamento dele, sempre era uma loira que ia levar Kiara até você e ela nunca dizia onde ficava.

Também não sabia onde era o antigo apartamento de Chase e eu não sabia onde estava meu celular pra poder ligar pra Alice. Preciso encontrar eles, nem que eu tenha que vasculhar a cidade, eu vou encontrar.

Chegamos no lugar onde Addison disse que teria uma comida boa. Sentamos em uma mesa e anotei no bloco o que eu queria, acho que a garçonete até pensou que eu era muda. Mas não sou?

Fiquei olhando as pessoas pela vidraça. Algumas apressadas, outras estavam felizes e outras juntas como casais. Vi tantas pessoas sorrindo e outras com caras feias. Então eu o vi. Com o cabelo bagunçado, a sua típica jaqueta e seu rosto abatido. Vi Chase.

Me levantei da mesa em um salto e corri para a porta. Preciso ir atrás dele, falar com ele (não literalmente). Vi que Addison vinha atrás de mim, ela corria assim como eu.

Ele estava longe demais, não sei se conseguiria alcança-lo antes que ele atravessasse o sinal. Não sei se conseguiria chegar até ele. Eu queria gritar seu nome, mas eu não podia, não tinha voz.

— Chase — Sussurrei. Dessa vez não foi só minha imaginação, mas algo saiu da minha boca. Eu consegui falar.

Diminuí o passo quando meu ar já estava faltando. Eu não podia fazer muito esforço, ainda mais agora que eu estava esperando um bebê.

Pensei que era um delírio quando vi Chase parando. Ele simplesmente parou e olhou para o lado para algum tipo de vidraça. Seu olhar ficou fixo ali por um bom tempo, mas ele parou de olhar. Seus olhos azuis estavam em mim agora. Ele estava surpreso, parado como uma estátua e com os olhos levemente arregalados.

— Acho que vou morrer — Addison chegou finalmente até mim — Meu Deus, é o Chase.

Ele ainda estava parado, seu rosto estava mais sério agora. Será que meu pai tinha razão? Não, ele ia me perdoar, ele tinha que perdoar.

— Chase — Sussurrei novamente, mas não sei se minha voz saiu.

— Charli, você falou — Addison me abraçou e eu não consegui olhar para Chase — Estou tão feliz por você.

Larguei Addison rapidamente e olhei para Chase novamente. Não, eu não olhei para Chase, olhei para o lugar vazio que ele deixou. Ele foi embora, o que significa que ele não me perdoou.