NOVE|

Ok, diário, estou preocupada.

Eu não deveria gostar tanto de conversar com Ítalo.

A mente quer resistir a todo custo, mas o coração se agrada das horas de mensagens trocadas.

Quanto mais eu o conheço e explico a ele um dos meus assuntos favoritos, mais vejo em seu coração uma disposição genuína de aprender.

A verdade é que eu o julguei mal.

Ele não é como um daqueles rapazes bonitos com o ego inflado, cercado de moças por onde quer que vá. Na verdade, foi muito sincero em me contar dos seus relacionamentos no passado, porque fracassaram e sua atual disposição de se guardar enquanto conhece uma maneira bíblica para estar em um relacionamento.

Ah! E o maestro acertou em uma coisa.

Nós temos muito em comum.

Compartilhamos o mesmo gosto para músicas, livros teológicos, pregadores favoritos e, pasme, romances da Jane Austen.

Dá para acreditar que é um grande fã? Ele até me mostrou fotos de quando visitou a Chatsworth House em Derbyshire quando viajou pela Europa com sua família.

Nunca conheci ninguém assim tão gentil, interessante e educado.

Oh, Senhor, ele seria um bom pretendente, não acha?

Ester Carvalho

__

Minha última aula do dia estava prestes a acabar.

José era um dos meus alunos mais talentosos e dedicados. Às vezes, quando um exercício era difícil, o espertinho tentava me enrolar, contando várias histórias mirabolantes. Mesmo sendo promissor e esforçado, tendia a procrastinar ou esmorecer diante de um grande desafio.

O mais engraçado era que agi da mesma forma quando, ainda menina, comecei a ter as primeiras aulas com a dona Eunice, uma idosa simpática da minha antiga igreja e excelente professora. Através de seus ensinos, aprendi passos importantes, tais como posicionar as mãos no instrumento, ler partituras e tocar escalas simples.

Era incrível e assustador o impacto que um professor, bom ou ruim, podiam ter na vida de um aluno. Na minha vida de musicista, fui abençoada com pessoas excelentes e esperava um dia colher os frutos de exercer boa influência na vida dos pequenos músicos iniciantes, como José.

— Promete que na próxima semana eu vou conseguir tocar tudo, professora? — José perguntou animado do banquinho em frente ao piano onde estava sentado.

Enquanto eu guardava os materiais dele em sua pasta, dei uma risadinha.

— Bem, prometo que, se você treinar os exercícios no piano da sua vovó todos os dias, como prometeu, vai conseguir tocar tudo — declarei e, claro, ele deixou seus ombros caírem, como se eu tivesse lhe dado uma má notícia. — Tente se esforçar e logo amará passar mais tempo com o piano do que empinando pipa com seus amigos.

— Eu duvido. — Ele cruzou os braços. — Treinar é tão chato. Eu só gosto quando toco bem.

— Pois então, adivinhe qual é o caminho para tocar bem? — Dei alguns passos até ele e lhe entreguei suas coisas.

— Treinar, já sei. — Tombou a cabeça para trás, entediado e eu só consegui rir. Crianças eram engraçadas.

Eu amava pensar que um dia, se o Senhor permitisse, eu poderia ter meus próprios filhos e ensiná-los a tocar, caso desejassem. Melhor ainda seria me casar com alguém que partilhasse do mesmo interesse pelo mundo da música, tal como eu.

— Espero que você não desista das nossas aulas, hein, mocinho? Vou ficar triste e chorar, se não ver você na semana que vem.

José levantou e me surpreendeu com um abraço.

— Pode deixar, prof. Eu vou voltar — E após se despedir, saiu correndo.

Ao chegar na porta, o menino quase se chocou com alguém que estava entrando. Ele teria sido empurrado para trás, se não tivesse sido segurado a tempo.

— Desculpa, tio Ítalo — o menino pediu e a menção do nome me fez erguer a cabeça na hora.

Lá estava o divertido rapaz com quem me senti tão bem conversando e estava lindo como sempre. Eu me perguntava, como alguém podia estar sempre vestido tão bem, sem precisar fazer muito esforço? Ele passava um ar de elegância e sofisticação de alguém com posses, mas, ao mesmo tempo, era sempre muito acessível a todos.

— Cuidado, campeão. Não corra por aí.

O menino prometeu ir mais devagar e logo saiu de vista. Em seguida, Ítalo voltou seus lindos olhos para mim, fez um aceno com a cabeça e se aproximou de um jeito estiloso, mantendo as mãos nos bolsos da calça.

— E aí, moça? — Ele parou perto do piano e tocou o acorde de Sol. — Pode me dar umas aulas de piano também?

Estreitei meus olhos para o engraçadinho e me lembrei de uma de suas mensagens.

— Alguém que se gabou de tocar vinte instrumentos não precisa de aulas com uma simples pianista em formação, não acha?

— Vinte e três — ele corrigiu todo metido, mantendo um sorrisinho zombeteiro nos lábios. — E eu ainda vou te provar que não falei aquilo só para te impressionar. A verdade é que posso ser ruim em todos eles, mas sei tocar "O Velho McDonald" de todas as formas possíveis.

Minha risada saiu natural. Era assim com ele. Eu ficava a vontade muito fácil,

— Agora está tentando corrigir seu orgulho musical com falsa modéstia. — Balancei a cabeça. — Não esperava isso de você, Maestro Ítalo.

Ele deu de ombros e fez um gesto com as mãos.

— É como diz Charles Spurgeon: "Quando falarem mal de você não fique chateado, pois você é muito pior do que eles pensam"— brincou e eu achei de muito bom tom da parte dele citar um dos meus pregadores favoritos. — Ainda temos muito para conhecer um do outro e já estou gostando de tudo o que aprendi sobre você.

— Sério? — Ergui uma sobrancelha. — Conseguiu aprender muito nesses três longos dias de conversa?

— O suficiente para te admirar como uma moça que busca mesmo ao Senhor — Ele começou a andar pela sala, recolhendo algumas pastas de atividades e em seguida guardando no armário. — E o quanto está disposta a ensinar os tolos, como eu.

— Você não é um tolo — respondi firme e ele me encarou curioso. — Está disposto a rever seus conhecimentos sobre relacionamento, segundo a bíblia, e não "bater o martelo", chamando os mais radicais de legalistas.

Ele soltou um resfolgo e pareceu refletir sobre alguma coisa.

— É verdade. Estou mesmo interessado em saber mais e pelas nossas conversas, cheguei a conclusão que tenho muito a aprender — declarou por fim. — E por falar nisso, você trouxe o que prometeu?

Assenti animada e, no mesmo momento, fui até minha mochila guardada em um espaço perto de uma das janelas. Tirei dali um dos meus livros favoritos e emprestei ao maestro com muito bom grado.

— "Sexo, namoro e Relacionamento - Uma nova abordagem" Gerald Hiestand — Ítalo leu o título — Se o assunto for tão chamativo quanto o título, vou ser muito confrontado.

— Espero que sim. — Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Foi lendo esse livro com um grupo de amigas quando era mais nova que decidi me guardar, de uma vez por todas.

— Um grupo de moças. Interessante — Ele repetiu enquanto folheava o livro de ponta a ponta. — Pensei que você tivesse aprendido com os seus pais.

— Sim, tudo começou com meus pais. A semente veio deles, mas sabe como são as adolescentes, não é? — Dei uma risadinha. — Mesmo com minha mãe ensinando, só fui ter interesse mesmo quando uma amiga minha muito querida chamada Karina, montou esse grupo de estudos e fomos juntas florescendo na fé.

— E desde então, você tem esperado pelo seu príncipe encantado? — Me olhou interessado.

— Não. Espero por um rapaz comum, que ama ao Senhor sobre todas as coisas e me trata bem — respondi rápido. — Falando assim, você pode ver que não tenho tantas exigências, como me disse ontem por mensagem, não é?

Ele coçou o queixo.

— Eu duvido que você aceitaria qualquer um, mocinha — pontuou e eu precisei concordar. — Fico pensando quantos pobres rapazes você já não rejeitou com esse jeito meigo.

— Na verdade, nenhum — confessei tímida. — Não sou alguém que os rapazes notam, então não preciso me preocupar em rejeitá-los.

— Ah, é? Comigo foi diferente, então — ele falou sério e isso me deixou um tanto constrangida. — Desde o primeiro momento quando te vi tocando piano, soube o quão incrível você era.

Minhas bochechas queimaram na hora.

— Ítalo, por favor, vigie.

— Não se preocupe. Estou falando como seu amigo. — Engoliu em seco. — Mas espero, de verdade, ter o privilégio de conhecer mais de você, Ester.

— Assim você me deixa constrangida. — Ri sem jeito e temendo que aqueles sentimento borbulhando em meu coração me levasse para um lugar perigoso, por isso, achei melhor tomar uma atitude. — Preciso ir agora. Espero mesmo que você faça bom proveito da leitura.

Ameacei sair, mas ele se colocou à minha frente.

— Espera um pouquinho. Tenho algo para te dar em gratidão ao livro emprestado — informou animado. — Fique aí, eu já venho.

Antes que eu pudesse protestar, Ítalo saiu correndo para fora da sala e me deixou para trás, com o coração ainda batucando rápido.

Somente quando ele não estava por perto é que eu conseguia respirar aliviada e me acalmar. Sua presença, seu charme e a maneira gentil de me tratar mexiam mais comigo do que eu gostaria de admitir.

Naqueles instantes de silêncio, pedi ao Senhor que não me deixasse ser iludida e ou me apegar a falsos sinais de interesse. Também clamei por forças, pois o inimigo mais difícil a ser vencido era o próprio coração com suas vontades.

Minutos depois, o maestro voltou trazendo consigo algo escondido em suas costas, despertando o meu interesse.

— O que você tem aí? — Ergui o pescoço, tentando enxergar, mas ele foi mais rápido em virar.

— Lembrei que você me contou que o hino favorito do seu pai era o 298, A Pedra Fundamental e que ele já se apresentou em um coral, cantando uma cantata, cujo tema era desse mesmo hino. — Ele então mostrou uma pasta preta antiga e abriu na primeira página. Ali estava escrito "Da Igreja, a Pedra Viva", o ano de composição e seus compositores. — Acredito que pela época, tenha sido essa. E caso seja, então saiba que meu pai foi um dos responsáveis por traduzir e adaptar a letra para a igreja brasileira. Não é incrível?

Meu queixo caiu e quase não acreditei que era a mesma peça.

— Uau! — Sorri admirada. — Posso olhar?

— Claro, é sua. Pedi ao pastor se podia te dar uma cópia para estudar e ele deixou — Sorriu. — Espero que te faça sentir mais próxima do seu pai.

Senti um aperto no peito.

Como Ítalo podia ser tão sensível e maravilhoso comigo, mesmo me conhecendo tão pouco?

— Obrigada por pensar em mim e no meu pai.

Tocou meu ombro.

— Pensar em você é tudo o que eu tenho feito ultimamente. Você já se tornou especial para mim, Ester.

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