Capítulo 45

Emily

Se eu achei que a segunda foi ruim, o resto da semana foi lastimável. Parecia que todo mundo estava com os nervos à flor da pele. Qualquer coisinha era motivo de briga, tanto em casa, quanto com meus amigos.

Hugo continua sem falar comigo de forma aceitável. A semana foi regada a esbarrões — com direito a palavrões resmungados — no corredor, mas nenhuma conversa. Eu tentei, juro que tentei, falar com ele e me resolver, mas ele me ignorou então deixei para lá.

Estou tão exausta de precisar me preocupar que estou tentando arquivar tudo isso no fundo da minha mente.

Oliver e eu? Só ladeira abaixo. Culpa de quem? Minha mesmo.

Sinto que a cada dia perco um pouco de Oliver. Se é que isso faz sentido.

Hoje é sexta-feira e, sentindo o clima horroroso, Alice convidou a mim e aos nossos amigos para dormir na casa dela e fazer uma festa do pijama, para ver se dava uma animada em geral.

Enquanto meu professor de Biologia fala, eu começo a ter a certeza de que preciso tomar uma decisão sobre Oliver. Não é justo enfiar ele nessa minha maluquice toda, e se ele ainda não desistiu de mim, vai desistir.

Até eu desistiria, sinceramente.

Saio da sala quando o sinal toca, decidida a ir falar com Oliver. Até penso em parar no banheiro para pelo menos ajeitar o cabelo mas desisto da ideia. Estou indo acabar com tudo, não preciso me preocupar com a minha aparência.

Ando — ou talvez eu esteja marchando — até a sala de Oliver, que é a penúltima do corredor. Assim que me aproximo um pouco mais, o vejo conversando com algumas pessoas da sua sala em frente a porta.

Quando me vê, Oliver parece surpreso por um momento, e com um pouco de cautela o vejo sorrir para mim.

Ele acena e minha coragem vai toda embora.

Quando me dou conta já estou virando de costas e andando às pressas para sair do corredor.

Imagino como essa cena está aos olhos dele: ridícula. Me sinto como em um filme neste momento. Daqueles com clichês bem horríveis e mocinhas atrapalhadas demais.

Apoio a testa na parede de azulejos assim que saio do corredor. Por que eu simplesmente não fui lá e falei com ele? Porque você ainda não quer desistir disso e mandar ele embora. Não quero que ele sofra por eu não conseguir me entender. Mas consegue dar um basta? Não. E não sei por quê não. Sabe sim. Você está apaixonada por ele e quer ficar com ele. Não. Sim.

Bufo para mim mesma, irritada. Não consigo fazer nada direito, meu Deus. Escuto as vozes dos meus amigos se aproximando e saio de onde estou o mais rápido que consigo. Sei que vou os ver daqui a pouco, mas não posso lidar com todos eles agora. Vou acabar sendo grossa à toa e piorando o que já está ruim.

Me refugio na biblioteca, mas não fico nela por muito tempo antes de decidir ir para casa. Nem me dou ao trabalho de procurar por Hugo, porque ele provavelmente foi sem mim assim como nos outros quatro dias antes desse.

Abro a porta de casa e me jogo no sofá, sem nem tirar a mochila das costas. Estou tão cansada... poderia dormir por aqui mesmo.

Puxo o celular do bolso, vendo a hora. Já são duas e meia e pelas mensagens, todo mundo ou quase todo mundo já foi para o apartamento de Alice.

Me acomodo ainda mais no sofá, e tiro a mochila das costas para me ajeitar melhor. Aqui está tão confortável que me pergunto se realmente vale a pena me deslocar até os meus amigos. Eu tenho tantas coisas para fazer, poderia tirar a tarde de hoje para concluir. Você está fugindo, la la la la. Porque você é medrosa la la la la la.

Faço careta para mim mesma, sabendo que meu subconsciente está certo. Estou atarefada mas só quero usar isso como desculpa.

Com muito esforço, me levanto do sofá, indo direto para o banheiro. Tomo um banho rápido e arrumo uma bolsa com uma roupa para dormir e uma para vir para casa amanhã.

Vou até o quarto de Hugo tentando reprimir a esperança de encontrá-lo se arrumando também, mas como o esperado, não há sinal dele. Só sei que ele esteve em casa porque sua toalha de banho está molhada e o uniforme está no cesto de roupa suja. Estranho o fato de ver duas toalhas penduradas, mas talvez Scott estivesse em casa também.

Esquento no micro-ondas um pouco de comida. Lavo tudo que sujei e vou para a garagem.

Olho para a minha moto e me lembro do dia que eu e Oliver tivemos nosso primeiro encontro. Foi tão bom.

Ele me fez prometer que na próxima vez que saíssemos eu fosse buscá-lo de regata, calça jeans e jaqueta de couro, para manter o personagem de badgirl.

Um bico se forma em meus lábios. Tudo não poderia ser mais fácil?

Talvez se você facilitasse as coisas, sim.

🔆

O porteiro do prédio de Alice, de tanto que já me vê, já me conhece e deixa que eu estacione a moto no estacionamento fechado do prédio. Agradeço a ele e entro no elevador. Aperto o botão que indica o andar de Alice e observo as portas se fecharem.

Detesto elevadores. Me sinto apertada, espremida e às vezes sinto que não consigo mais respirar dentro deles. Quando os andares são mais embaixo, vou de escada, mas minha amiga mora no vigésimo quinto andar, então sem condições.

Saio do elevador assim que ele se abre no andar de Alice. Vejo a porta do apartamento dela aberta e diferente do normal, tudo que escuto é o barulho de música, mas nenhuma voz.

Entro no apartamento, vendo meus amigos espalhados pela sala, mas sem realmente conversar. Alice e Davi estão na bolha romântica deles no canto da sala, mas até os dois parecem desanimados.

Sinto um aperto no peito ao ver todo mundo dessa forma, é muito triste.

Decido fingir que não estou tão mal quanto eles e tento pensar em formas de animá-los.

Nada.

Nada. Nada deu certo. Eu tentei filmes, coreografias, histórias de micos passados por nós e piadas ruins, mas não consegui restaurar um pouco do humor. Afundo no sofá, chateada.

Olho para Oliver, do outro lado do sofá, que conversa, sem ânimo, com Camila. Quero fazer algo, ir até lá, talvez, mas não saio do lugar.

— Ele chegou! Já volto! – Lara grita de repente, me fazendo levar um susto

A encaro sem entender nada, mas ela nem me olha antes de sair correndo pela porta. Me viro para Caio, perguntando com o olhar o que acabou de acontecer.

— Ela está com um contatinho novo e chamou ele para vir aqui – ele explica e eu assinto.

— Gente, vocês já viram aquela série nova que a Netflix lançou? – Arthur pergunta, fazendo com que finalmente comecemos a conversar.

— A Lara está demorando – Enzo pontua, olhando a hora no celular.

Dou de ombros, despreocupada.

— Eles devem estar se pegando, deixa – Alice diz e eu concordo com ela.

Voltamos a conversar e tento evitar prestar atenção demais em Oliver, mas estou incomodada. Ele não olhou para mim nem uma vez desde que cheguei. Nem uma vezinha sequer.

Mas não era isso que você queria? Era, mas não assim, eu queria que... Queria o que? Se vocês "terminarem", ele não vai mais te olhar. Mas eu... É melhor assim que você já vai se acostumando! Estamos sendo irônicas? Não, imagina! Ah.

— Estou com fome – ouço meu irmão dizer.

— Seus pais vêm para casa hoje, Alice? – Enzo pergunta a ela, que nega com a cabeça

— Eles estão comemorando o aniversário de casamento deles, então só voltam na segunda – ela explica.

— Agora até eu tô ficando preocupada com a Lara — Camila fala e eu arqueio uma sobrancelha para ela, que ignora. — Quem vai lá ver se a garota está viva?

Ahnn... Que preguiça! – Nina se estica no sofá e eu rio

— Vamos decidir no jokenpô! – Oliver dá a ideia

— Muito maduro da nossa parte – Arthur retruca, segurando o riso.

— Tem ideia melhor? – Oliver devolve e ele dá de ombros

— Vamos logo! — Caio chama nossa atenção. — O primeiro a perder dos três finalistas desce para averiguar! Pedra, papel, tesoura!

Jogo sem ânimo nenhum, e só porque faço questão de tentar perder a todo custo, chego aos três finalistas. Fica entre mim, Enzo e Camila.

Como não quero descer, aposto em pedra, que dificilmente perde.

E só porque é comigo, tanto Camila quanto Enzo põem o que? Papel. Isso mesmo, papel!

Bufo, irritada e me levanto.

— Vocês dois combinaram, não é possível! – reclamo e Enzo sorri convencido.

Saio do apartamento e escuto eles discutindo sobre o que pedir. Cruzo os dedos para que peçam pizza.

Chego até a recepção, mas não os encontro. Vou para o jardim, resistindo a vontade de dar meia volta e voltar para o apartamento. Sério, porque logo eu tive que vir? Eu estava bem lá em cima sentadinha no tapete. Ando pelo jardim, procurando por algum sinal de Lara.

Seria mais fácil se eu pudesse rastreá-la, tipo a mãe do Freddie, de Icarly, faz com ele. Eu gostava tanto deste programa, quando bate a saudade ainda o assisto. Eu tinha visto que iriam fazer uma nova temporada de Icarly com os atores já mais velhos, mas que a atriz que faz a Sam não iria participar. Ou seja, não teria graça nenhuma. Ela era a mais engraçada de todas, levava por vezes a série nas...

Paro de andar, sem saber se o que estou vendo é fruto da minha imaginação ou realmente está acontecendo. Aperto os olhos, tentando ver com mais clareza e mesmo assim não acredito.

Garret e Lara juntos. Garret e Lara se beijando.

Minha cabeça parece prestes a explodir e não consigo assimilar o que está acontecendo. Eles realmente estão se beijando ou ele está a forçando? Meu Deus.

Desesperada, ando em disparada até onde os dois estão e puxo Lara com o máximo de força que consigo.

Viro-a de frente para mim e começo a examinar seu corpo todo com os olhos, procurando por algum arranhão ou vermelhidão. Suspiro aliviada quando vejo que ela parece estar intacta.

Nunca me perdoaria se algo acontecesse com ela.

— Você está bem? – pergunto a ela, preocupada

A expressão de Lara passa de confusa para irritada.

— Que merda você pensa que está fazendo!? – ela diz entredentes, fazendo com que eu dê um passo para trás

— Eu vim ver se estava tudo bem com... – tento explicar, mas ela me corta

— Eu estou ótima, obrigada! Agora você pode ir.

Nego com a cabeça.

— Nem ferrando. Nós vamos juntas. Lara, você não deveria estar com ele – digo e aponto para Garret, que assiste sem dizer uma única palavra.

— Eu posso ficar com quem eu quiser, Emily. Agora, por favor, vá embora.

— Não vou. Mande ele embora. Você não sabe nada sobre ele e sobre quem ele é! Não deveria estar com ele! – falo para ela, tentando fazê-la me entender

— Eu vou ficar, nós estávamos nos divertindo até você chegar – ela retruca, sorrindo, parecendo não perceber(ou talvez não ligar) para o meu desespero.

Lara se vira novamente para Garret e dá um passo à frente, querendo voltar para perto dele. Puxo-a pelo braço novamente.

— Lara, mande-o embora. Você não está me entendendo. Mande-o embora, por favor – peço, odiando o fato de me mostrar tão vulnerável na frente de Garret. Odeio estar dando esse gostinho a ele.

Pelo menos você não está maluca e não estava tendo alucinações. Acho que dessa vez eu preferia estar tendo alucinações.

— Decida o que você quer, Emily! — Lara puxa o braço com força, me fazendo perder por um momento o equilíbrio. — Por que eu não posso ficar com ele!?

— Você não entende, Lara. O Garret ele...

— Ele é seu ex!? — ela me corta novamente e franzo o cenho por um segundo, confusa.

— O quê!?

— Não seja ridícula! Não finja que não está me entendendo! Supera! Eu sei que ele é seu ex, mas e daí!?

— Do que você está falando? Ele não é meu ex — viro-me para Garret, sentindo um bolo subir pela minha garganta. — Que porra você tem dito por aí!? – ele permanece sem me responder e juro que posso ver um sorriso crescendo em seus lábios.

— Você não sabe o que quer! — Lara volta a falar, gesticulando raivosamente. — Uma hora quer o Oliver, uma hora quer o Garret! Decida-se! O mundo não gira ao seu redor!

A encaro chocada, sem saber o que pensar dessa situação toda.

— Você está me ouvindo!? – ela pergunta e sinto minha cabeça girar

— Preciso de um minuto.

É coisa demais para assimilar e sinto o peso de tudo o que guardei nos últimos dias vindo à tona. Minha briga com Hugo, meus sentimentos por Oliver, Garret me seguindo e Garret aparecendo. Desespero é o que transborda de mim nesse momento.

— Ah, você precisa de um minuto!? Eu estou aqui pedindo o mínimo, que é privacidade e você não me dá. Aí agora você quer um minuto!? Me poupe!

Encaro Garret, sentindo minha garganta se fechar. Minhas pernas tremem, mas tento mantê-las firmes o máximo possível.

— Por que você continua fazendo isso comigo? — indago, mas ele apenas sorri. — Vai embora, por favor – peço sem mais me importar estar parecendo fraca. Só quero que isso acabe.

Não entendo a fixação dele por mim. Não entendo e nem quero entender. Só necessito ser deixada em paz. O que eu tenho que chama tanto a atenção dele? Garret não é só um maluco qualquer, ele é um perseguidor e está acabando com a minha sanidade mental. E ele gosta disso, eu posso ver.

Meu Deus. Quero vomitar.

— Emily, deixe de ser infantil e..

— Cala a porra da boca, Lara! Que inferno do caralho! – grito com Lara, que me encara surpresa pelo meu tom de voz

— Se você não for embora, eu vou chamar a polícia – aponto um dedo para a cara de Garret, que dá de ombros como se não se importasse. E realmente não se importa, nada vai acontecer com ele.

— Algum problema senhoritas? – Manuel, o porteiro, aparece e estremeço de alívio.

— Não é da sua conta. – Lara responde grossa

— Sim, nós temos um problema. O senhor se incomodaria de levar esse jovem até a saída? Nós estamos tentando o mandar embora.

Não sei como consigo manter o tom de voz educado. Manuel deve ver o desespero em meus olhos, porque logo trata de segurar no braço de Garret para o acompanhar "para fora". E Garret se deixa ser levado sem nem uma objeção.

Vejo quando ele sai pelo grande portão de ferro e meus olhos se enchem de lágrimas de alívio. Apoio minhas mãos na barriga e mal consigo raciocinar quando o vômito vem.

Abaixo a cabeça, vomitando no gramado. Sem forças para tentar resistir, deixo que todo meu almoço e café da manhã saiam de dentro de mim.

Levanto a cabeça, ainda sem ar, quando não tenho mais nada para vomitar. Limpo o canto da boca com as costas da mão, tentando pôr os pensamentos em ordem.

Encaro minha amiga, que está me observando em um misto de nojo e choque.

Já cansada, deixo-a para trás e começo a andar de volta para dentro do prédio. Subo as escadinhas que dão para o hall e aperto novamente o botão do elevador.

— Você é maluca, sério. — A voz de Lara me alcança. — Não te entendo. Não supera seu ex e ainda o taxa de maluco!? Qual o seu problema!? – sua voz estridente me leva ao limite.

— Foda-se, Lara. Nós vamos subir a porra desse elevador e quando chegarmos ao apartamento, eu vou contar tudo logo pra vocês. Não aguento mais essa merda. Depois que eu acabar de falar, você pode me crucificar o quanto quiser, mas agora, por favor, só fique quieta por um segundo que seja.

— Você não tem o direito de falar assim comigo!

— Você está me irritando tanto que eu poderia te bater! Só cale a boca! – explodo e quase me arrependo do que disse, mas agora já foi.

Dane-se. Preciso acabar logo com isso.

Parecendo perceber que não estou bem, Lara finalmente silencia ao meu lado e sou grata por isso.

Não consigo nem pensar direito, faço o caminho até a sala de Alice no piloto automático. Volto a focar no que está acontecendo quando percebo que todo mundo está sentando e me encarando, como se a qualquer momento eu fosse começar a gritar e berrar, que é realmente o que eu quero fazer.

— Ela está parada aí já fazem cinco minutos – escuto Camila dizer.

— O que você fez com ela? – Nina pergunta a alguém que eu deduzo ser Lara.

Continuo olhando pela grande janela que há na sala de estar. Vejo o céu alaranjado e as gaivotas voando próximas a janela.

Queria ser um pássaro agora. Sair voando daqui e nunca mais voltar.

— Nós vamos jogar Verdades com Bebidas – digo após um tempo.

Me encaminho para a cozinha antes que possa ouvir as respostas. Escuto passos atrás de mim e olho por cima do ombro, vendo que é Caio. Ele parece preocupado e um pouco surpreso.

— O que aconteceu lá embaixo? – questiona

— Vou contar toda a verdade para eles – conto a ele, que me encara receoso.

— A verdade? Tem certeza disso? – pergunta e eu assinto

Caio parece ver que estou decidida, porque para de falar e me ajuda a pegar as bebidas em silêncio.

Mônica sempre me disse que funciono como uma panela de pressão: vou cozinhando tudo dentro de mim aos poucos, sem pressa. Guardo tudo dentro de mim, mas se eu não tomar cuidado, deixo a panela por tempo demais no fogão. E todo mundo sabe o que acontece com as panelas nesse caso: elas explodem.

nesse momento não sei nem o que dizer, estou assim:

apenas.

surpreendendo a todos e até a mim, volto amanhã, fiquem ligades!

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