Emily

Segunda-feira

O domingo foi um dia tão bom que acordo leve nessa segunda, esqueço dos problemas por pelo menos um momento, mas assim que piso dentro do Colégio Santa Clara, sei que tem algo de errado acontecendo.

Minha avó sempre diz que toda mulher é dona de um sexto sentido e acredito eu, que o meu seja saber quando alguém está na merda ou não. Não sei explicar como funciona, mas por exemplo, se eu estiver parada no ponto de ônibus cheio e se alguém estiver triste ali, eu vou saber. Quando se trata dos meus amigos, a sensação fica ainda mais forte, acho que isso se deve a intimidade.

— Alguém tá triste hoje. – aviso a Hugo, tirando o pirulito da boca, que me olha como se eu fosse de outro mundo

— Como você faz isso, em? É algum tipo de magia? – pergunta, metade brincando e metade falando sério

Dou de ombros, porque nem eu sei como funciona.

— Eu só sinto. – digo a verdade

Quando nos aproximamos mais dos nossos amigos, que estão sentados na cantina, olho para cada um, para saber se alguém realmente estava mal ou se é um alarme falso. Paro o olhar em Nina, sabendo que acertei, dá para saber que ela não está bem só pela postura dos ombros. Cumprimento todo mundo com um "bom dia" e me sento ao lado dela. E como quem não quer nada, passo os braços pelos seus ombros, a puxando para um abraço nada inocente.

— Desembucha, Nina. – falo sem rodeios e sinto ela enterrar o rosto no meu pescoço, tentando inutilmente prender o choro

— Detesto quando você faz isso, sabia? – resmunga com a voz abafada e eu nem me dou o trabalho de responder, só a aperto mais forte no abraço, deixando que chore

O som do choro abafado de Nina faz com que nossos amigos passem a prestar atenção na gente e eles começam a perguntar, sem som, o que aconteceu. Movo os lábios dando um "não sei" como resposta. Lara e Camila saem dos seus lugares na mesa, se aproximando da gente, Camila expulsa quase aos chutes o restante do grupo para fora da mesa, mandando eles irem para outro lugar. Alice fica parada no lugar dela, já que está sentada no lado direito de Nina.

— A gente vai ter que te ameaçar ou você vai começar a falar sozinha? – Lara pergunta, fazendo com que a chorona entre nós saía enfim da curva do meu pescoço

Vejo que molhou todo o ombro da minha blusa com as lágrimas e dou de ombros para mim mesma. Pelo menos está calor.

— Só tô cansada, gente, a pressão lá em casa tá altíssima. – reclama

— Por causa da facul e do Neném? — Alice pergunta e Nina assente — Lá em casa está sendo um inferno também, ainda mais que eu ainda não escolhi o que quero fazer.

Confiro a hora discretamente, ficando satisfeita ao perceber que ainda temos uns vinte minutos antes do sinal tocar.

— Minha mãe não para de dizer que eu não vou ter futuro se estudar dança. — Mila confidencia, com cara de triste — E eu ainda me fodo porque de universidade federal que tem o curso, só a UFRJ, ou seja, a mais difícil de todas.

— Artes cênicas só tem lá também. – Nina reclama, chateada

Entendo o medo delas, mas também sei que as chances de não passarem são mínimas, se elas não passarem na federal, os pais podem bancar uma faculdade particular. Fora que elas fazem cursinho desde o começo do Ensino Médio, eu só pude pagar por um ano de aulas.

— Tô com medo de não passar também. — falo, me afundando no banco desconfortável — Scott fica fingindo que não está se importando, mas toda hora ele lança alguma indireta, fora que faz questão de olhar meu boletim e notas do pré o tempo todo. E pelo jeito, sou a única que quer ir pra federal lá em casa, Hugo já disse que vai ficar na particular, mas vai tentar uma bolsa, e Brian já tá nela. – conto, soltando um suspiro cansado

Olhamos todas para Lara, à espera da reclamação dela, mas a mesma só dá de ombros.

— Não tenho muito do que reclamar nesse sentido, meu pai falou que vai pagar a faculdade pra mim, então tô mais tranquila. – diz, nada afetada e eu não consigo deixar de invejá-la

Branca, linda, loira, rica e inteligente. Qual deve ser a sensação?

— E como você faz, Emily? – Mila pergunta, me deixando confusa

— Como faço o quê?

— Como faz para não surtar. – explica, como se fosse óbvio e eu não consigo deixar de rir

Mas rio mesmo, até sentir a barriga doer e o ar me faltar, porque não é possível que eu esteja ouvindo isso.

— Eu?! — pergunto, me recuperando — Amiga, se você soubesse o quanto eu surto... – digo e vejo Alice abrir um sorrisinho, doida para rir de mim também

— Você já entrou no quarto dela? — Alice pergunta divertida e Mila nega com a cabeça — Então é por isso que está falando assim.

— A culpa é dela, que não leva a gente na casa dela! Eu nunca fui à casa da Emily, nem quando ela morava com a mãe. – Nina reclama, me fazendo revirar os olhos

Eu realmente nunca levei nenhum dos meus amigos na minha casa. Antes era porque a casa não era boa e eu tinha vergonha de levá-los, depois foi por causa do merda do meu pai. E agora, bem...

— Os pais de vocês não vão deixá-las irem — começo, tentando não ser grossa. — Eu moro com três caras. Mesmo Scott sendo um homem direito, ainda sim é um homem. Nem a Alice foi lá, ela só diz isso porque me obrigou a fazer uma chamada de vídeo com a mesma e ela acabou vendo o estado que meu quarto se encontra. – explico

Sei que elas entendem o que eu quero dizer, porque nenhuma das quatro retruca, me deixando mais que satisfeita. Mudamos logo de assunto, mas não saímos da pauta de reclamar da vida.

— Acho que tô gostando do Davi. – Alice confidencia assim que Lara sai da mesa para procurar os garotos e eu faço a minha pior cara de surpresa, assim como as meninas.

— Todo mundo já estava desconfiando, amiga. – conto

— Ainda bem que você esperou a Lara sair da mesa. Senão já sabe, né. – Mila brinca e eu a chuto por baixo da mesa, ouvindo uma reclamação em seguida – Eu não falei nenhuma mentira! – defende-se

Existe uma regra invisível que paira o quinteto: se você está interessado em alguém e acha que tem chances de gostar da pessoa, não conte para a Lara até ou dar tudo certo, ou tudo errado, porque senão ela vai dar um jeito de dar em cima da pessoa e dizer que está apaixonada.

Nunca consigo entender qual a graça de fazer isso, mas não importa, porque ela faz, e com gosto.

— Mas ela não tá de rolo com Arthur agora? – Nina pergunta

— Não importa. – digo, dando de ombros

— Me deem um conselho, porra! – a loira reclama

— Então diz o que você está sentindo, garota! Tenho cara de quem tem bola de cristal? – Nina diz e eu rio da sua irritação

Pelo menos não está mais triste, e só essa constatação já me deixa mais alegre de novo. Não sou tão boa em demonstrar meus sentimentos e nem sou alguém tão carinhosa, mas sempre levo minhas amizades a sério.

Será que isso entra nas sete coisas sobre mim? Penso, acho que sim, né? Sorrio vitoriosa para mim mesma e anoto mentalmente minha nova descoberta. 1° coisa boa sobre mim: levo minhas amizades a sério e tento ser uma boa amiga.

— Não sei se ele gosta de mim, cara! Porque tipo, a gente se conhece há tão pouco tempo, não tenho como saber! – ela diz

— Dá logo um chá de buceta nele e tá tudo certo! – Mila fala e eu rio, concordando

— Mas não quero dar pra ele antes de saber se ele sente algo por mim. Nós temos conversado muito nesses dias, muito mesmo. Mas beijo só rolaram dois até agora, tudo bem que foram os beijos, mas ainda sim, foram só dois. – Alice faz um biquinho emburrada

— É só não dar de maluca e pedir o garoto em namoro na semana que vem. — brinco e ela me dá o dedo do meio — Faz o que você sabe fazer de melhor: dá em cima dele. Continua conversando com o Davi, para fazer ele se apaixonar, chama ele para sair e depois, se ele continuar sendo legal e você quiser, aí sim vocês transam. — aconselho — Se quiser, eu posso pedir ao Hugo para sondar ele, para ver o que ele está pensando. – sugiro e Alice fica contente

O sinal bate e nós nos levantamos, já prontas para mais um dia ouvindo a voz insuportável do professor de português.

— Por isso que eu te amo, Emily! – Alice me abraça pela cintura e eu rio dela

bom dia, boa tarde, boa noite, gatinhes!

a emy tá chegando ao nível da mãe diná daqui a pouco KKKKKKK

a pressão para entrar na facul atinge a todos, né?