Capítulo 19
Oliver
— A gente vai almoçar aonde dessa vez? – Alice pergunta, balançando os cabelos loiros de um lado para o outro, como uma criança
— Acho que pode ser no self-service que fica na rua do lado, que tal? Não comemos lá ainda. – Arthur sugere e o resto de nós acaba concordando
Ainda é difícil me soltar no meio de tanta gente, ao todo, somos onze pessoas. Onze! É muita gente falando e gesticulando ao mesmo tempo, não consigo acompanhar nem metade das conversas e acabo preferindo me manter em silêncio. Muitas vezes fui taxado como metido ou arrogante — algo que minha mãe diz ser bom para a minha "imagem" —, mas sempre foi minha timidez falando mais alto.
Quando comecei a usar o Instagram, vi nele uma forma de socializar, sem necessariamente falar com as pessoas e quando vi, já tinha feito um certo sucesso e fiquei taxado como influencer. Admito que passei a ter mais sucesso há dois anos, quando o time de futsal do qual eu fazia parte, venceu o Campeonato Estadual de Futsal sub-17 e eu fui o responsável pelo gol da vitória.
— Tá todo mundo aqui? – Emily pergunta, enquanto ela mesma confere, contando cada cabeça
— Quem vai no mercado comprar o refrigerante? – Camila lembra e o alvoroço aumenta ainda mais, como se fosse possível
Uma velhinha que está passando pela gente na hora, leva um susto e anda quase correndo apoiada em sua bengala. Não a julgo, se eu visse onze jovens gritando enquanto andam pela rua, eu também fugiria.
— A Emily e o Oliver vão! Eles foram os únicos que ainda não foram. – Nina sugere
— Mas eu ainda nã... Ai! – Lara é interrompida pela amiga com uma cotovelada na costela – Vai se foder, Nina, doeu! – a outra dá de ombros, mostrando não estar nem um pouco arrependida, mas, mesmo assim cochicha um pedido de desculpas
— Quem vai pagar dessa vez? – Emily questiona
— Eu pago, vamos. – chamo e ela assente
O caminho do restaurante até o mercado é rápido, deixo que Emily guie o caminho até a sessão de bebidas, porque eu nunca entrei nesse mercado.
— Coca ou Pepsi? – mostro os dois refrigerantes a ela, para que escolha
Emily pondera, olhando de um para o outro em dúvida.
— Coca. Camila não bebe outro tipo. — faz uma careta e eu devolvo a Pepsi para o lugar — Mas já que a gente tem que levar dois refrigerantes, o outro pode ser de... – de quê, eu nunca vou saber, porque Emily é interrompida por uma mulher de óculos de garrafa e cabelos chanel
— Emily! Meu deus! Quanto tempo! Nossa, você está imensa! Está linda, emagreceu muito, meu Deus! — a mulher não deixa nem que Emily responda e continua tocando nela, que ficou estática, e falando pelos cotovelos — Como está Rodrigo? E sua mãe e sua irmã também, claro. — a olho desconfiado, esse Rodrigo de novo porra? — Ele melhorou? Quando vai voltar a caminhada? — caminhada?
A mulher para de falar quando percebe a minha presença.
— Você está namorando?! Meu Deus, meus parabéns, ele é lindo. Mandei mensagem pelo Mensseger, mas acho que você não chegou a ver. – continua
Emily enfim se solta dos braços da mulher, parando ao meu lado, parecendo estar terrivelmente desconfortável, ela cerra o punho, fincando as unhas pintadas de azul claro com força na palma da mão.
— Desculpe, mas qual seu nome? – pergunta fazendo a mulher ficar de boca aberta
— Não se lembra de mim? Me chamo Fátima. Te peguei no colo quando ainda era um bebê. — diz sem jeito — Sou uma grande amiga de Rodrigo.
— Todos são. – Emily abre um sorriso forçado e Fátima fica vermelha — Mas enfim, ele está bem sim, obrigada por perguntar. Minha mãe e minha irmã também estão bem, claro. E não sei quando ele volta, quem sabe? E não, ele não é meu namorado.
Emily tem uma irmã? Por que a mulher não perguntou também sobre os irmãos?
— Será que ele está precisando de alguma ajuda? Sabe dizer? – a garota ao meu lado respira fundo, como se estivesse se segurando para não dar uma resposta malcriada ou bater na mulher
Eu apostaria na última opção.
— Não, Fátima, ele não está precisando de nada, mas obrigada por perguntar, de novo. Agora, se nos der licença, nós precisamos ir. Tenha um bom dia e fique com Deus, tchau!
Emily pega outro refrigerante na geladeira, ignorando Fátima e puxando meu braço até chegarmos ao caixa quase correndo.
— Precisava correr? – pergunto enquanto entrego o cartão a moça do caixa – É débito.
— Precisava.
Emily não fala nada até estarmos na esquina, esperando para atravessar.
— Está tudo bem? – pego sua mão ignorando o olhar irritado que recebo, conferindo se ela não tinha se machucado com a unha.
Observo que a palma de sua mão tem cicatrizes já antigas. Quando tento tocá-las, Emily puxa a mão, a enfiando debaixo do braço.
— Quem é Rodrigo? — tento não me arrepender de ter perguntado quando os ombros dela se encolhem — É um namorado seu? – arrisco
— Não. — me sinto aliviado, mas ela não precisa saber — Rodrigo é meu pai. – diz
— Você tem uma irmã? — ela assente — Por que a Fátima não perguntou dos seus irmãos?
— Pare de fazer perguntas. – pede e eu bufo
— Ora, se você contasse, eu não precisaria fazer pergunta nenhuma.
Ela dá de ombros, fingindo não ligar.
Subo as escadinhas da entrada do restaurante quase correndo, para que Emily não veja o bico que se formou na minha boca.
Custa responder o que eu pergunto?
Como meu pai fala, perguntar não ofende!
Ofende sim. Tá, ok, talvez ofenda mesmo, mas mesmo assim, eu não perguntei nada demais.
— Vocês demoraram... – Hugo insinua quando me sento ao seu lado
— Não aconteceu nada. — adianto — Até aconteceu, uma moça chamada Fátima chegou agarrando a Emily e ficou abraçando e beijando ela, dizendo que sentia saudades, que ela estava magra e mais sei lá o quê! E ainda ficou falando do pai de vocês, perguntando como ele estava, se precisava de alguma coisa e etc. – conto e meu amigo começa a xingar baixinho
— Achei que as pessoas já tinham superado isso. – suspira
— Superado o quê? – pergunto já meio irritado
— Emily não contou? — nego com a cabeça — Então não posso falar.
— Mas ele é seu pai também! E o que o cara fez de tão mal assim? – me seguro para não gritar, me certificando se Emily não está ali ouvindo, e não está
A mesma está junto com Lara e Alice pegando comida.
— Ok, cara, é o seguinte. — Hugo se vira para mim, parecendo estar perdendo a paciência comigo — Eu nunca convivi com Rodrigo, nosso pai. Nem eu, nem Brian e nem Scott, nunca. Se eu o vi cinco vezes, foi muito. Duvido muito que as pessoas que conhecem ele, saibam da existência de nós três. — esclarece e eu tento esconder minha surpresa — Emily e Ágatha, a nossa irmã mais nova, que conviveram com ele desde crianças. Por isso, existem coisas que não cabe a mim contar, e se a Emily não quiser falar, deixe-a em paz. – avisa e eu balanço a cabeça concordando meio chateado
— Posso fazer só mais uma pergunta? – faço minha melhor cara de cachorro pidão e, mesmo contrariado, Hugo assente — Seu pai é alguém famoso que está doente?
— Não seriam duas perguntas, Oliver? — dou de ombros — Sim, ele pode ser considerado famoso e não, Oliver, você não o conhece e também não, ele não está doente. — Hugo parece pensar um pouco e volta a falar — Na verdade, ele está doente sim, mas nada terminal. – explica aguçando ainda mais minha curiosidade
Me mantenho quieto quando vejo Emily retornar, mas sem um prato.
— E você não vai comer nada? – Enzo pergunta, como se estivesse lendo os meus pensamentos
Emily sorri, parecendo feliz por alguém perguntar.
— Ela não come carne às quartas. – Caio explica por ela
— Às quartas alguns usam rosa e alguns não comem carne. – Emily diz, tirando um pote de vidro cilíndrico e mais um quadrado bem menorzinho de dentro de uma bolsa térmica que eu nem sabia que ela tinha
— O que é isso no pequeno? – Arthur, que está mais próximo a ela, pega o potinho e o abre.
— Semente de girassol e semente de abóbora. – fala, pegando de volta as sementes
— Comida de passarinho! – Enzo implica e ela ri, respondendo com um "quase isso"
Deixo eles conversando e vou enfim montar meu prato. Quando retorno, estão falando um por cima do outro. Tento me localizar, para pelo menos entender do que estão falando.
— A Emily é metade freira, sabiam? – Alice diz, chamando minha atenção e a de todo mundo na mesa
— Você ama espalhar isso por aí, né? — a freira revira os olhos, percebendo que teria de explicar — Como alguns sabem, minha mãe e minha avó são católicas fervorosas.
— E você não? – Davi pergunta e ela dá de ombros
— Sei lá. Enfim, quando eu fiz dezesseis anos, minha avó viu uma foto minha de sutiã no meu celular — ela ri, parecendo ter voltado ao momento em que isso aconteceu —, e aí ela disse que só um escapulário poderia salvar minha alma. — aponta para o próprio peito, mais precisamente para o cordãozinho que tem no pescoço — A Igreja diz que Nossa Senhora apareceu para freiras carmelitas e prometeu que quem usasse o escapulário não pereceria no inferno e teria sua alma salva por ela. Só que, como o escapulário era uma parte da roupa que as carmelitas usavam ou usam, sei lá, quem usasse esse cordãozinho seria, de certa forma, uma freira carmelita. — explica
— E toda essa preocupação só por causa de uma foto de sutiã? — Enzo pergunta e ela assente divertida — Nossa, se sua vó soubesse tudo o que eu já aprontei, ela me daria uns mil desse. — diz rindo e eu o acompanho
Desisto de continuar prestando atenção quando todos começam a falar um por cima do outro e a gritar para ser ouvido.
Então percebo algo que talvez a própria Emily não perceba. Ela ama os amigos. A tristeza maçante que estava pairando por cima dela não está mais. Novamente, em seus olhos, ou melhor, no seu olhar, eu vejo que ainda está sim chateada pelo que aconteceu no mercado, mas os sorrisos fáceis são reais, os olhares de carinho e deboche, que lança para eles também. Com isso, percebo outra coisa, Emily é muito mais do que aparenta ser e do que quer mostrar. Talvez nem ela saiba o tanto que tenta esconder e o tanto que seus amigos parecem ver.
boa noite, bom dia, boa tarde, minha gente
vocês pensaram mesmo que a Emily só teve aquilo de problema?
se sim, foram enganados
e aaaaah, isso é um escapulário:
como disse o Enzo, só eu precisaria de uns mil! 😂
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